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Sábado, 27 de abril de 2024

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ATELIÊ BARRO VIVO

Ceramista há 37 anos descobriu paixão por lecionar após pandemia: 'alunos buscam como terapia ou mudança de profissão'

Foto: Olhar Direto

Ceramista há 37 anos descobriu paixão por lecionar após pandemia: 'alunos buscam como terapia ou mudança de profissão'
Um pequeno portão de ferro separa o trânsito e a correria de pedestres da avenida Prainha, em Cuiabá, uma das mais movimentadas da cidade, e a tranquilidade do ateliê Barro Vivo, onde o tempo é ditado pela cerâmica, como brinca o ceramista Osmar Virgílio da Silva, de 53 anos. Há quase quatro décadas, Osmar transforma os blocos de barro em filtros, xícaras, copos, vasos e esculturas que remetem ao Pantanal mato-grossense. 

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Além das produções que sempre costumou fazer, tanto para a própria loja, no Centro da Capital, quanto para outros empreendimentos, Osmar descobriu também a paixão por repassar os conhecimentos sobre cerâmica durante a pandemia da covid-19. 

Por conta do isolamento social, ele explica que muitas pessoas começaram a procurar atividades terapêuticas. Lecionar é novidade e também desafio para ele, que aprendeu a fazer cerâmica de forma industrial. Em menos de 1 minuto, por exemplo, as mãos habilidosas de Osmar criam um vaso de tamanho médio no torno. 

"Na pandemia o pessoal ficou preso em casa e começou a procurar algo para fazer, encontraram na cerâmica uma paixão. As pessoas que vêm procurar se apaixonam, ficam alucinadas. Alguns alunos buscam como atividade de transição de profissão, para fins comerciais mesmo, mas muita gente busca só por terapia. Vêm aqui 'brincar' de cerâmica". 

Osmar conseguiu o ponto, onde a loja funciona até hoje, por acaso, quando a mulher tentava vender porquinhos de cerâmica que ele produzia. (Foto: Olhar Direto)

Osmar lembra que o primeiro contato com o torno, onde são moldadas as peças em cerâmica, foi aos 15 anos. Cansado dos empregos "tradicionais", ele viu na arte uma saída para fugir do cheiro forte de produtos químicos que precisava enfrentar em uma marcenaria que trabalhou. 

"Depois, fui para oficina mecânica: cheiro de gasolina, óleo diesel e mão suja de graxa. Quando vi alguém moldar pela primeira vez, na hora fiquei interessado. Fui ficando e aprendendo. A vida inteira mexi com cerâmica, os empregos paralelos foram pura necessidade". 

No ateliê, as mãos de Osmar ficam sujas de barro, assim como seu avental e os objetos que usa para moldar o barro. Ao contrário da graxa que sujavam as mãos dele na oficina mecânica, causando incômodo, as particularidades do barro e do processo de transformá-lo em cerâmica enchem os olhos do artista. 

"Nunca pensei em parar, não penso nem em aposentar. Venho para o ateliê todo dia às 6h. Quando não tem aluno vou para o ateliê que fica na minha casa. Tenho alunos no sábado e quando saio do ateliê, chego em casa e ainda vou mexer com cerâmica. Mas daí é diferente, porque é meu momento, cozinhando no forno a lenha e ouvindo uma música". 

Loja na avenida Prainha 

O ceramista conta que ele e a esposa encontraram o ponto, onde funciona o ateliê Barro Vivo há 16 anos, por acaso. Osmar costumava fazer porquinhos de barro e a esposa foi ao Centro de Cuiabá para oferecer as peças em uma loja de artesanato. 

"Eu fabricava muito esses porquinhos. O dono do prédio ficou curioso, perguntou se eu produzia muito. Na época tinha saído de um emprego e ele perguntou se a gente tinha interesse em abrir uma loja aqui. Ele falou que oferecia por dois meses para testarmos, de graça. Primeiro a loja era só na entrada mesmo, depois foi crescendo". 

Osmar criou esculturas de bonequinhos ceramistas para retratar o próprio processo de imersão na arte com barro. (Foto: Olhar Direto)

Com a chegada dos alunos, Osmar já pensa em aumentar ainda mais o ateliê. Nas horas livres, diz admirar os grandes ateliês de São Paulo (SP), onde professores dão aulas para até 20 alunos ao mesmo tempo. Atualmente, o ceramista conta com quatro tornos no ateliê Barro Vivo. 

"Aqui era só a loja mesmo. O ateliê é no bairro Jardim Imperial, como na pandemia ia precisar fechar a loja, acabei trazendo parte do ateliê para cá. Começou a vir o público e tive que ficar por aqui. Mas aqui não tem o forno, por exemplo. Já estou chegando a 20 alunos". 

Mesmo após quase 40 anos trabalhando com cerâmica, Osmar ainda se emociona com o potencial da arte, que funciona como refúgio para ele. Depois de rapidamente transformar um bloco de argila no vaso médio, o ceramista amassa a peça com as duas mãos. 

Para ele, uma das principais características da cerâmica é o poder de se transformar em várias coisas. Mesmo que dê errado, sempre há a opção de reutilizar o barro e começar todo o processo de novo. Como Osmar faz ao sovar novamente o barro amassado e transformá-lo em uma xícara. 

"Você pode começar de novo quantas vezes quiser, isso que é muito interessante. A cerâmica também trabalha muito com a questão da sustentabilidade. Esses excessos de argila que ficam depois de fazer as peças, eu recolho tudo, até o que sai na hora de lavar a mão. Posso reutilizar tudo". 


Ceramista tem cultura cuiabana e o Pantanal mato-grossense como inspirações para decoração das peças. (Foto: Olhar Direto)

A mágica da cerâmica 

Os anos de experiência também não tiraram de Osmar a emoção que sente ao terminar uma peça ou abrir o forno e vê-las esmaltadas (como é chamado o processo de pintar a cerâmica). Depois de pronta, a cerâmica passa pela primeira queima, chamada de "biscoito". Só então, ela está pronta para ser decorada com as tintas específicas. 

"É sempre muito bom ver as peças prontas, é uma coisa mágica mesmo. Até me arrepio de falar. Quando vejo eles observando meus movimentos e conseguindo repetir, até vibro aqui, bato palmas. Não ganhei muito dinheiro com a cerâmica, mas posso dizer que profissionalmente sou muito realizado". 

Osmar explica que, antes de começar a abrir as portas do ateliê para novos alunos, costumava ficar sem ter contato com os clientes da loja, já que ficava focado em produzir novas peças constantemente. Com a mudança de perspectiva, ele afirma se alegrar em fazer parte da formação de novos ceramistas. 

Busca por aulas de cerâmica no ateliê de Osmar cresceram após o período pandêmico. (Foto: Olhar Direto)

Recentemente, a arte ganhou mais adeptos e ateliês em Cuiabá, muitos, inclusive, que passaram pelo torno do Barro Vivo. Para Osmar, a chegada de novos artistas no mercado não significa concorrência, já que cada trabalho é único, assim como a forma que as técnicas serão aplicadas pelos ceramistas. 

"Fico feliz, porque meu mestre deixou três pessoas em 30 anos, porque era funcionário de uma empresa, então só aprendia quem trabalhava lá, na Cerâmica Carajás. Só eu já formei mais de 30. Fico feliz demais. Esse negócio da concorrência não existe, cada um tem uma mão diferente, uma visão diferente. Nunca é igual, são infinitas cores e decorações. Ensino a humildade que a cerâmica pede de cada um. Competição não é o que a cerâmica ensina". 

Para Osmar, o processo "mágico" de transforma argila em cerâmica, representa a eternização do trabalho de cada artista. 

"Os orientais falam que o processo de esmaltação é a eternização da peça. O mundo vai acabar e isso vai ficar aqui. Se não quebrar ele, minha amiga. Pode acabar em fogo, ele foi queimado em 1280º. É uma peça eterna e isso é muito legal". 
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