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Sábado, 27 de abril de 2024

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Autodidata, pintor de SP encontrou reduto criativo em Cuiabá: 'jamais seria artista se tivesse ficado na minha cidade'

Foto: Olhar Direto

Autodidata, pintor de SP encontrou reduto criativo em Cuiabá: 'jamais seria artista se tivesse ficado na minha cidade'
Quando se mudou para uma das poucas casas que resistem na rua 24 de Outubro, em Cuiabá, o artista plástico Claudyo Casares, de 59 anos, e a esposa tinham um sonho: ficar perto da cuiabania. O casal decidiu enfrentar o imbróglio de herdeiros para comprarem o imóvel de mais de cem anos e, em 2011, eles conseguiram chegar um pouco mais perto da mudança.

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Apesar de ter nascido em Sorocaba (SP), Claudyo conta que encontrou em Cuiabá o espaço que precisava para que sua criatividade pudesse fluir sem barreiras. Um sorriso surge, quase que de forma instantânea, no rosto do artista plástico quando ele fala sobre o amor que sente por Cuiabá, cidade que se mudou já adulto, aos 30 anos.

A casa na rua 24 de Outubro também foi projetada pelo artista plástico que, na juventude descobriu que tinha facilidade para fazer os desenhos das plantas dos imóveis em tempo recorde, impressionando quem já estava no mercado há mais tempo. 

"Quando compramos era só um corredor, fui fazendo as intervenções, estruturei e construí os outros andares. Morávamos no bairro Bosque da Saúde, em um apartamento. A casa estava com um preço bom e a gente queria desde o início ter uma casa e que fosse perto da cuiabania. Vários amigos já tinham tentado ver isso aqui [o imóvel]". 

Claudyo e a esposa quiseram se mudar para casa centenária na rua 24 de Outubro para ficar perto da cuiabania. (Foto: Olhar Direto)

Enquanto anda pela casa, Claudyo é acompanhado por uma das gatas, "a mais manhosa dos quatro", como brinca. Carinhoso, ele resgata a felina que subiu em uma das telas gigantes repousadas em cima da mesa do ateliê e que, em breve, estampará o desenho de um galo a pedido de uma cliente. 

O artista plástico define o local como uma casa-ateliê, que também funciona como espaço intelectual da esposa, que é doutora e professora da Unemat. 

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Claudyo ainda estava na oitava série, em Sorocaba, quando sentiu na pele as consequências de ter origem humilde. Apesar do interesse que tinha pela arte, o artista plástico sabia que não podia se dar ao luxo de investir na carreira enquanto precisasse buscar recursos para sobreviver. 

"Estava procurando emprego há três meses... em Sorocaba, naquela época, dependendo do local que você mora, era um tipo de emprego que te davam. Eu já tinha trabalhado de servente de pedreiro, limpador de carro e faxineiro, mas não conseguia um emprego bom". 

O artista plástico acredita que os encontros da vida são mais que meras coincidências. Ele explica que foi assim que ingressou no mercado da arquitetura. Certo dia, ele estava em um ônibus quando encontrou um conhecido que estava prestes a abrir um escritório de edificações com o primo. 

Com poucos recursos financeiros, Claudyo conta que não tinha condições de fazer um curso de datilografia, por exemplo, para garantir um bom emprego em escritório ou iniciar uma faculdade, privilégio apenas das famílias endinheiradas da época. 

"Ele disse que precisariam de alguém para levar os processos, fazer requerimentos.  Mas eu não sabia escrever na máquina. Nessa época, em 1977, se você tivesse um curso de datilografia, você já entrava em um escritório. Ele disse que tinha uma máquina velha e me ensinaria". 

Ele lembra que a chance de aprender a escrever na máquina fez com que seus olhos brilhassem, mesmo que o emprego ainda não fosse lhe render um salário, Claudyo teve como garantia a oportunidade que precisava. 

"Ele disse que não poderia pagar um salário porque estavam começando, mas iriam garantir o ônibus e o almoço. Meus olhos brilharam porque eu ia aprender escrever a máquina, topei por isso". 


Releitura da Guernica, de Picasso, pintada por Claudyo, chegou a ser exposta em Barcelona. (Foto: Reprodução) 

Foi assim que Claudyo conseguiu a primeira oportunidade no ramo da arquitetura. Meses depois, o conhecido e o primo se desentenderam. Ele, porém, aprendeu, na prática, os conceitos técnicos que precisava saber para desenhar as plantas dos imóveis. 

"Tinha um livro grosso de normas, por exemplo, que um quarto tinha que ter 12m², essas coisas. Foi só isso que eu vi. A partir disso comecei a desenhar, depois disso trabalhei seis meses lá. Fui fazer teste em um arquiteto, onde peguei mais o traço da linguagem arquitetônica. Trabalhei um ano com ele"

Depois, o artista plástico passou por mais dois escritórios de arquitetura e se destacou pela facilidade que tinha para resolver os projetos das casas da melhor forma. Os desenhos de Claudyo quase sempre eram aprovados sem ressalvas pelos clientes. 

Recorte de jornal sobre Picasso perdido em estante de escritório

Em um dia de 1977, por acaso, ele estava arrumando uma das estantes e encontrou um recorte de jornal sobre a história de Picasso. Sem a facilidade de poder fazer uma pesquisa na internet, Claudyo sequer sabia da existência do pintor espanhol. 

"Não era como hoje com a internet, eu nem sabia que o Picasso tinha existido. Fiquei fascinado, aquilo me encantou. Fui buscar livros e revistas sobre o trabalho dele. Como já tinha facilidade com os desenhos, comprei tinta e tela e comecei a pintar". 

Durante o período em que atuou nos escritórios de arquitetos, Claudyo chegou a tentar se dedicar a arte, mas foi reprimido pela urgência de sobreviver que tinha na época, além de ser julgado por gastar o dinheiro que mal dava para ele com telas e tintas. 
 

"Mas naquela época, isso era coisa de quem não tinha o que fazer na minha cidade. E eu estava gastando o dinheiro que mal dava para a mim em coisa que não me dava retorno nenhum. Um dia decidi que ia canalizar minha criatividade na arquitetura e quando me aposentasse voltaria a pintar. É uma loucura isso, de quando a gente determina uma coisa na nossa vida". 

A afirmação que fez no passado foi tão forte, que mesmo 20 anos depois, quando já estava em Cuiabá, Claudyo lembra que se sentava para pintar as telas, mas era como se sua criatividade estivesse bloqueada. 

"Um dia estava pilotando a moto e veio a frase que disse há 20 anos na minha cabeça, quando decidi que dedicaria minha arte à arquitetura. Mas eu nunca trabalhei para ninguém, sempre trabalhei por conta própria, eu nunca me aposentaria. Aquilo me deu um estalo".

Quando chegou em casa, Claudyo pegou as telas e as tintas envelhecidas que ainda guardava. Decidido a quebrar a promessa que fez para si mesmo, desandou a pintar uma obra atrás da outra. 

"A vizinha de cima quando viu ficou encantada, disse que 27 de dezembro era aniversário dela e queria um trabalho meu. Fiquei empolgadíssimo, fiz vários. Desbloqueou". 

Entrada no mundo da arte

Em 1998, Claudyo pediu para uma amiga formada em Artes avaliar suas obras. O artista plástico queria saber se tinha, realmente, potencial para seguir no mundo da arte. A amiga não pensou duas vezes e orientou que ele se inscrevesse no Salão Jovem Arte. 

"Nem sabia que isso existia, mas levei. Quando falaram que tinha que passar por uma curadoria pensei: lá se vai meu sonho. Mas não é que meus três trabalhos foram escolhidos? Aí eu me empolguei, né? Descobri que ia ter um salão em Araraquara, mas o prazo vencia no dia seguinte". 

Mesmo com o prazo de inscrição aperto para participar da mostra em Araraquara, Claudyo decidiu que tentaria. Virou uma noite pintando três telas gigantes no chão do apartamento. Sem cavaletes e com os produtos que tinha disponíveis no momento. Mais uma vez, foi aceito. 

"Sei que de 900 trabalho, 150 foram aprovados, entre eles os meus três. Depois disso foi uma maravilha, me senti um artista mesmo. Em 2000 teve a primeira Casa Cor, me chamaram para pintar um muro de 17 metros, fez o maior sucesso". 

Claudyo brinca que o local em que mora é uma "casa-ateliê" e suas obras estão espalhadas pelo local. (Foto: Olhar Direto)

A Ascenção de Claudyo no mercado das artes foi meteórica. Em apenas dois anos, ele era indicado como a pessoa certa para transformar qualquer ambiente em arte.

"A dona da Casa Cor chamou uma arquiteta de Alta Floresta e disse: se você quiser fazer sucesso no seu ambiente, chama o Claudio e deixa ele fazer o que quiser. Era uma parede de 10 metros, em vez de pintá-la, fiz seis paineis de 1,60x2,60 representando a dança dos mascarados de Poconé". 

O artista plástico lembra que a inspiração para as obras veio através de uma fotografia da dança dos mascarados. Depois das telas ficarem expostas em um restaurante, elas foram compradas pelo Sesc Poconé, onde estão até hoje. 

"Minha preocupação, que morava em um apartamento de 50 m² e tive que emprestar o ateliê do Paduá para fazer as telas era o que ia fazer com elas quando a exposição terminasse. Mas não é que o Sesc Poconé comprou as seis? Estão expostas até hoje". 

Depois disso, as obras de Claudyo ganharam o mundo e já foram expostas em vários países da Europa. Uma das lembranças que tem é de quando expôs uma releitura de Guernica, pintura de Picasso, na Galeria Zero, em Barcelona. 

"Naquele momento os americanos estavam bombardeando o Afeganistão, em 2002. Eu fiz uma releitura da Guernica de Picasso, que sempre me influenciou, mas com a minha linguagem. Quando chegou de noite, vi todos em torno da minha tela.  Depois disso participei de mais de 20 eventos em toda Europa". 

Aqui, Claudyo ressalta que conseguiu mudar de vida e deslanchar a carreira de pintor. Na casa centenária em que mora com a esposa e quatro gatos na rua 24 de Outubro, a arte está presente desde o muro da entrada, decorado com mosaico feito pelas mãos de Claudyo, até as paredes do imóvel, decoradas com dezenas de telas do artista plástico. 

"Minha esposa veio para cá com 12 anos, mas é de Santa Catarina, eu só vim com 30 anos para Cuiabá. A gente que viveu em outros lugares consegue ver a diferença do povo. Ter vindo para cá e conhecido o acolhimento do cuiabano. É diferente. Eu jamais seria artista se tivesse ficado na minha cidade". 
 
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