A paixão pela gastronomia esteve presente na vida dos chefs Pollyana Arruda e Rafael Arruda, de 35 e 27 anos, desde a infância. Foi em Cuiabá que o caminho da maranhense e do cuiabano se cruzaram, no final de 2017, quando os dois trabalhavam no mesmo restaurante. Mesmo com dois meses de relacionamento, Pollyana e Rafael, que são casados, fecharam a parceria gastronômica que, anos depois, rendeu mais de 35 mil seguidores no Instagram.
Leia também
Infância embalada por musicais que via com mãe e sapateado: conheça Rafael Cerigato
Pollyana é de São Luiz (MA), onde morou até 2010, quando se mudou para Mato Grosso para morar em Lucas do Rio Verde e trabalhar na Sadia, junto com outros nordestinos que saíram de suas cidades para conseguirem oportunidades de emprego. Na época, o orçamento a impediu de cursar gastronomia, sonho que conseguiria realizar apenas em 2014.
“Quando cheguei na Capital em 2013, entrei na faculdade no ano seguinte. Sempre quis trabalhar na área, achava legal e gostava muito. Já cozinhava em casa desde os 12 anos e aqui tive a chance de fazer a faculdade”, conta.
Rafael é cuiabano e, assim que concluiu o ensino médio, decretou: ‘vou fazer Gastronomia’. Quando ainda era criança, observava a avó cozinhar e arriscava fazer algumas receitas sozinho. Os dois fizeram o mesmo curso técnico na Unic, com diferença de um ano entre a conclusão do outro.
“Sempre fui muito curioso, ficava com minha avó, que cozinhava mais em casa, ficava observando e às vezes arriscava fazer sozinho. Decidi fazer a faculdade logo que terminei o ensino médio. Já estava decidido, me formei com quase 18 anos e comecei a trabalhar”.
Apesar da coincidência, não foi na faculdade que os dois se conheceram e engataram o romance. O encontro aconteceria apenas alguns anos depois, quando já estavam trabalhando na cozinha do Mahalo. Pollyana e Rafael brincam que, por pouco, eles quase não se encontraram, já que ele tinha apenas que cumprir o aviso prévio.
Quando começou a trabalhar no Mahalo, Pollyana já tinha tido experiências em outros restaurantes de Cuiabá, como o Flor Negra e o Varadero, além de ter feito um estágio no D.O.M, do chef Alex Atala, em São Paulo. Ela explica que a rotina nas cozinhas é frenética e fez com que ela se dedicasse aos eventos personalizados.
Quando estava no Mahalo, no final de 2017, Pollyana já conciliava os dois trabalhos. Menos de dois meses depois, quando o marido já não estava mais trabalhando no restaurante, Rafael começou a ajudá-la nos eventos. Nascia ali a parceria que dura até 2023.
“Os eventos eram de noite e eu trabalhava no mesmo período. Combinava com ele para ir para mim e aquilo foi entrando no relacionamento. Isso foi bem no começo do namoro, acho que no segundo mês. Não havia muitos eventos ainda, era um ou outro, mas combinamos o pagamento e ele topou. Fiquei oito meses no Mahalo”.
Busca por qualidade de vida
A experiência em restaurantes fez com que Pollyana e Rafael entendessem quais caminhos desejavam seguir na vida profissional. Os dois tinham como ambição ter uma qualidade de vida melhor, já que trabalhavam de noite e tinham pouco tempo para descansar.
“Quando chegava em casa e o corpo desligava, a gente ia dormir 5h, ficava na adrenalina. A cozinha é uma adrenalina, a mente não para, fica a mil. Então, quando você chega em casa, por mais que tome um banho e sinta dor nas pernas, a cabeça ainda está agitada. É muito desgastante, ficamos em pé a noite toda, é calor, você se queima, se corta, gritaria, barulho… Tudo que você pensar”, explica Rafael.
Apesar da certeza de desejarem uma rotina mais flexível, Pollyana conta que sentia muito medo de mergulhar de cabeça no próprio negócio como personal chef. “Será que vai dar certo?” ou “e se eu não conseguir me sustentar?” eram alguns dos principais receios da maranhense.
“Sempre tive muito medo de empreender. Em 2017 estava me separando e fiquei com muito medo, fui para o Mahalo, mas já estava começando com os eventos, só que ainda com muito medo de não dar certo ou não me sustentar. Fiquei uns dois anos trabalhando para os outros até ter segurança. Fazia as duas coisas e ia conciliando como dava. No início era eu sozinha. Fomos fazendo dar certo juntos de algum jeito”.
Pollyana fez estágio no D.O.M., do chef Alex Atala, em São Paulo (SP). (Foto: Reprodução)
A chef precisou amadurecer a ideia e a concretização do serviço de eventos aconteceu só em 2019. No entanto, eles explicam que o começo foi desafiador, já que precisaram cativar novos clientes para que a empresa funcionasse e desse retorno financeiro. Foi no instagram que o casal de cozinheiros descobriu uma forma de fazerem o próprio marketing.
“Até aparecer os clientes, é difícil demais começar. Para mim ainda era pior porque não conhecia ninguém aqui para me indicar, por exemplo. Em 2019 ainda fazíamos os eventos, mas fomos mais para o lado do Instagram, da produção de conteúdo, porque antes a gente quase não postava”, conta Pollyana.
A produção de conteúdo no ambiente digital também foi mais um desafio para ela e Rafael. Apesar de hoje aparecerem confortáveis diante das câmeras para falarem com os mais de 35 mil seguidores, nem sempre foi assim. Os dois precisaram deixar a timidez de lado para conseguirem crescer na rede social.
“Semana retrasada vi as lembranças que o Instagram mostra, em 2019 a gente tinha 2,6 mil seguidores. No final do mesmo ano a gente já estava com 8 mil. Decidi que queria chegar aos 10 mil, para ter o link de arrasta para cima, porque antes era só a partir de dez. Fomos atrás. De novembro a fevereiro, publicamos até três vezes por dia. Todos os dias”.
Pollyana brinca que, apesar de terem chegado aos 10 mil seguidores em fevereiro de 2020 sonhando com poder pedir para que os seguidores arrastassem a tela dos stories para cima para acessarem um link, quando conseguiram, o número de seguidores já não era mais uma exigência para o recuso.
“Depois nem precisava mais disso para ter o arrasta para cima. Mas foi bom que focamos. Agora já crescemos mais 20 mil seguidores. E tudo mudou para gente”.
Período de pandemia exigiu resilência do casal
Quando o negócio de eventos parecia estabilizado, Pollyana e Rafael foram surpreendidos pelo anúncio da pandemia da covid-19, em março de 2020. Com o fechamento do comércio e o isolamento social, eles precisaram repensar as formas de viverem da gastronomia, já que dependiam das festas para se sustentarem.
Primeiro, eles começaram a vender pães de fermentação natural. No entanto, o processo era muito trabalhoso e, para representar algum lucro, Pollyana e Rafael tinham que produzir muitas unidades, o que acabava sendo cansativo.
“O começo de 2020 foi muito bom, estávamos colhendo os frutos das postagens diárias… Mas quando vimos aqueles cancelamentos, a gente tendo que devolver dinheiro. Nessa época a gente já fazia pães, intensificamos isso e era o que sustentava. Tinham dias que tinham 30 pães para vender, virava noites… A fermentação natural leva tempo, foi bem complicado”, conta a chef.
Como fazer só o pão para garantir o orçamento da empresa não estava mais sendo tão viável, eles começaram a pensar em outras alternativas. A ideia surgiu dos próprios clientes, que começaram a pedir por kits para presentear as pessoas que amavam, já que o contato físico não era mais possível.
Foi assim que surgiram as caixas de frios e de café da manhã. Rafael brinca que o produto é uma “gourmetização” das cestas vendidas por floriculturas e que atualmente já não possuem a mesma procura.
Os primeiros iam em uma caixa de papelão, daquelas de salgado, não era como hoje que é tudo mais profissional. Não tinha carimbo, embalagem, nada. Saía muito, principalmente no Dia das Mães, que saiu mais de 50. Ficamos meio desesperados, porque era só nós dois, chamamos a tia dele para ajudar”, lembra Pollyana.
Mesmo com o período de incertezas e riscos, o casal de cozinheiros precisava continuar trabalhando. “As contas não iam parar de chegar”, brinca a maranhense. As caixas ainda continuam disponíveis no cardápio de produtos, mas atualmente, com a vacinação contra a covid-19 e a retomada dos eventos presenciais, eles puderam voltar a cozinhar para os clientes.
O serviço é oferecido em duas modalidades. Na primeira, que foi uma das adaptações ao período pandêmico, o casal cozinha as comidas e entrega no local combinado. Já na segunda, eles permanecem no evento para garantir o atendimento aos clientes de forma ainda mais personalizada.
Em datas comemorativas como Páscoa e Natal, por exemplo, Pollyana e Rafael acrescentam receitas especiais ao cardápio, como o tradicional bacalhau de natas e ceia natalina completa.
Na pandemia, casal começou a fazer caixas de café da manhã e frios após pedidos de clientes. (Foto; Reprodução)
Engajamento no Instagram trouxe oportunidades
Com a chegada de cada vez mais seguidores, Pollyana se viu com dificuldade em aceitar que estava se tornando uma influenciadora da gastronomia ao lado do marido. Rafael explica que as empresas procuraram o casal com propostas de publicidade, mas ela negava. No entanto, o crescimento do engajamento no Instagram fez com que eles repensassem os caminhos profissionais mais uma vez.
“Eem abril do ano passado chegou a primeira, que foi com o Atacadão. Antes fizemos uma parceria com a Delícias do Mar, na época de Páscoa também, só que não tinha dinheiro envolvido. O Atacadão foi a primeira com dinheiro em jogo. Depois disso teve Ifood, Todimo, já fomos chamados para ir ao McDonald 's, Outback, Louvada… Pensei: putz, se o povo acha que influenciamos, por que não? Tudo ainda é muito novo e surreal”, conta Pollyana.
Antes de aceitar as primeiras publicidades, o casal já buscava comprar produtos de pequenos empreendimentos do ramo da gastronomia e divulgar no próprio Instagram. De acordo com Rafael, os dois sempre buscaram ajudar quem está começando, por saberem que o processo pode ser turbulento.
Caixa com produtos especiais e queijo brie coberto por massa folhada fizeram sucesso na pandemia. (Foto: Reprodução)
“Sempre que vemos alguém começando igual nós, pequenos, temos essa iniciativa de mostrar. Até hoje fazemos isso. Compramos e mostramos, porque sabemos como é difícil. Na época a gente tinha uns 12 mil seguidores, não era muito, mas sabíamos que poderíamos ajudar. Começou desse jeito, com pessoas mais próximas, como a Mara, que fazia cápsulas de cappuccino artesanal com chocolate”, lembra Rafael.
Na vida de Pollyana e Rafael, as mudanças sempre estiveram presentes. Prova disso é que no ano passado, eles decidiram passar por um novo processo. Como já estavam inseridos no nicho de influenciadores na gastronomia, eles decidiram juntar o amor pelas viagens que fazem juntos como mais um dos conteúdos publicados nas redes sociais. Para Rafael, gastronomia e viagem caminham juntos.
“As pessoas querem ver os lugares para comer em outras cidades. Além de você viajar para ver os pontos turísticos, a pessoa tem que comer, então vai procurar, não vai parar em qualquer lugar do nada. Isso está muito em alta hoje”, explica o cozinheiro.
Pollyana conta que eles começaram a receber pedidos dos seguidores sobre dicas de restaurantes. Foi em uma viagem dos dois para São Paulo (SP), que eles perceberam a curiosidade dos seguidores pelo tema.
Viajamos para SP no ano passado, o povo perguntava muito de lugar para comer e hotel, por exemplo. Pensei: bora, produzir, então. Sou muito medrosa de mudar as coisas, mas estamos fazendo isso e tem chegado mais seguidores. Chegam pessoas de outros lugares também, fora de Mato Grosso”.
Para a maranhense, o Instagram mudou a realidade dela e do marido, já que antes, apesar de dominar técnicas da gastronomia e oferecer um bom serviço, ela não sabia como fazer para alcançar mais pessoas.
“Cozinhar era algo que eu já sabia fazer, só que eu não sabia como mostrar e divulgar isso. Espalhar isso para as pessoas. A internet ajudou muito a gente, é uma fonte de renda hoje também”.
Por enquanto, Pollyana e Rafael não pensam em retornar para as grandes cozinhas dos restaurantes e pretendem continuar se dedicando ao “Cozinhando a Dois”, onde agora unem duas de suas grandes paixões: gastronomia e viagens.