A forte ligação entre a bisavó Alice Pereira de Jesus, uma mulher que teve gêmeos entre os 14 filhos, e a veterinária Mariana de Rosa, de 31 anos, atravessa décadas, mesmo sem terem se conhecido. Mariana conta que sempre nutriu um amor inexplicável pela bisavó. Por coincidência, que é definida como “algo espiritual” por ela, a veterinária foi a primeira da família a ter gêmeos de forma natural, assim como a bisavó depois de quase 100 anos. Antes da chegada de Nicolas e Vicente, Mariana enfrentou o luto ao se tornar mãe de anjo e decidiu usar o Instagram para mostrar "maternidade real".
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A avó de Mariana teve sete filhos e já contabiliza quase 20 netos, mas Vicente e Nicolas, que completaram um ano no mês passado, foram os primeiros gêmeos da família em 84 anos. Por mais uma das coincidências do destino, os meninos nasceram no mesmo dia em que os filhos da bisavô da veterinária.
“Minha bolsa estourou na mesma data que a da minha bisavó há 84 anos. Levo muito para o lado espiritual. Fico emocionada, porque sinto uma ligação muito grande com a minha bisavó que nem cheguei a conhecer”.
Para Mariana, o sentimento de ter sido a primeira da família a engravidar de gêmeos depois da bisavó é de “continuidade a um legado”. Ela explica que costuma pensar nas dificuldades que as mulheres enfrentavam para criar os filhos e como a bisavó precisou lutar para criar 14 crianças.
“É como se eu tivesse dando continuidade a um legado. Ela era uma mulher que naquela época lutou tanto, as dificuldades que ela deve ter passado, porque imagina, os primeiros filhos dela foram gêmeos. Acho legal ter passado por isso. É como se fosse a segunda parte de uma série”.
A gestação gemelar ocorre de forma natural quando a mulher tem casos de gêmeos bivitelinos (que não são idênticos) na família, que é o caso de Nicolas e Vicente. Mesmo com o fator hereditário, a média de gravidezes gemelares é de 1 a cada 80.
Um dos gêmeos que a bisavó teve faleceu em 2008, mas o irmão dele pôde conhecer os primeiros gêmeos da família depois dele, no mês passado. Mariana descreve o momento com emoção, já que após perder a primeira filha no parto e descobrir trombofilia na primeira gestação, também precisou ser forte como a bisavó para viver a maternidade.
“Tenho um carinho muito grande por ele. Ele veio agora conhecer os meninos. Minha bisavó era muito ligada com a minha mãe. Todo mundo é apaixonado pelos meus filhos na família, eles são muito bonzinhos, mas é a mãe que está dizendo”, brinca.
Tio-avô conheceu os primeiros gêmeos da família em quase 100 anos no mês passado. Irmão dele faleceu em 2008. (Foto: Arquivo pessoal)
Mariana ainda se lembra do susto de quando descobriu que estava grávida de gêmeos. Ela conta que, mesmo antes do ultrassom, sonhou que o exame mostrava que haviam dois corações dentro do útero.
“A imagem do sonho era perfeita, o médico fazia o ultrassom e não tinha nenhum bebê. Eu falava: tudo bem, não era para ser. Mas foi como se Deus me dissesse para sonhar de novo. Refiz meu sonho: eu deitava, fazia o ultrassom de novo e ele mostrava que eram dois corações. Acordei e falei para o meu marido”.
A maternidade da veterinária possui mais coincidências além da gravidez gemelar como a da bisavó. Mariana conta que engravidou de Luiza, que faleceu no parto, de Henrique e dos gêmeos sempre no mesmo mês. Quando descobriu que estava grávida de Nicolau e Vicente, Mariana também descobriu a trombofilia.
Nas mulheres, a trombofilia, condição caracterizada pela predisposição que uma pessoa tem para desenvolver trombose, é uma das causas de abortos espontâneos.
“Vem todo o medo pela gestação gemelar e eu descobri a trombofilia durante a gestação dos gêmeos. Todos os dias tinha que tomar a injeção até o dia do parto. Todos os dias. Mas a bolsa estourou e meus pequenos vieram à vida”.
Mãe de anjo
O primeiro contato de Mariana com a maternidade surgiu quando ela engravidou de Luiza aos 25 anos. Depois de um sangramento na 34ª semana de gestação, a veterinária correu para um hospital de Rondonópolis (214 km de Cuiabá), onde mora, e ouviu que a filha não tinha mais batimentos cardíacos.
“Fui para o hospital ainda de madrugada, o médico não conseguiu achar ela e disse que ia esperar até o outro dia de manhã. Chamamos o nosso obstetra, ele nos levou para sala e disse: infelizmente, ela não tem mais batimentos cardíacos”.
Mariana ainda precisou esperar um dia para que o parto fosse induzido. Mesmo sabendo que a filha não estava mais viva, sofreu com as contrações e dores do parto normal, assim como precisou tomar medicamentos para cessar a produção de leite.
“Ela nasceu em um sábado a noite, muito linda já e pesando 2,100 kg. Quando ela nasceu, ela foi direto para o colo das enfermeiras. Perguntei para o meu marido como ela era, ele disse que ela era linda. Foi quando tive coragem de vê-la. Lembro da boquinha cor de rosa, ela era muito fofinha mesmo, a coisa mais linda”.
O momento do parto é uma das poucas lembranças que Mariana tem de Luiza. A veterinária ainda se lembra do silêncio no centro cirúrgico.
“Foi um parto extremamente silencioso, era um silêncio ensurdecedor. Todas as enfermeiras estavam sentindo a minha dor, eu gritava de dor. E o que mais doía em mim era a dor da alma, só conseguia pensar que não era possível aquilo estar acontecendo”.
Nos dias seguintes, Mariana também precisou aprender a lidar com o luto materno e sofreu ao sentir que sua maternidade era invisível. Foi quando encontrou acolhimento em outras mães que também passavam pela morte dos filhos.
“Quando a gente perde um filho fica uma dor muito silenciosa, porque você se considera mãe, mas ninguém mais te considera, porque você não tem o filho ali. Meu luto foi muito incompreendido. Muitas pessoas disseram coisas como: que bom que foi enquanto estava grávida, podia ter sido pior ou vai que ela tivesse alguma deficiência. Todas as mães de anjo que conheci ouviram as mesmas coisas”.
Mariana engravidou de Luiza aos 25 anos, mas bebê morreu após um sangramento durante a gestação. (Foto: Arquivo pessoal)
A chegada de Henrique
Depois da morte de Luiza durante a gestação, Mariana entrou em uma jornada quase obsessiva, como descreve, para tentar engravidar de novo. Foi com acompanhamento psicológico e apoio da família que ela conseguiu entender que precisava deixar a vida seguir naturalmente. Quando soltou a ansiedade, o teste de gravidez da farmácia finalmente mostrou um novo sinal positivo.
“Mas todas as expectativas que tive com ela, coloquei nessa gravidez. Quando descobri que era um menino, meu chão abriu. Acho que não conseguiria entender meus sentimentos se não tivesse fazendo terapia. O Henrique não merecia passar por isso, pagar o preço de uma conta que não era dele, ele merecia ter a vida dele”.
Enquanto ainda estava grávida, ela e o marido também passaram pelo primeiro Natal sem Luiza. Mariana conta que é difícil não se lembrar da filha em datas como essa. Quando fala dos filhos, a veterinária não deixa de mencionar Luiza.
“Estava grávida, mas foi o primeiro Natal sem a neném, então foi uma mistura de sentimentos muito grande. Nessas datas sempre foi muito difícil, mesmo sabendo que eu estava gerando um novo ser. Minha maternidade até então tinha sido silenciosa, eu não vi minha filha chorar e não troquei as fraldas dela”.
Mariana compara a chegada de Henrique com a entrada de luz na casa da família. Depois do período turbulento de luto, ela finalmente conheceu o bebê arco-íris e outras especificidades da maternidade que ela não conseguiu viver com a primeira filha, como o baby blues.
“É muita correria. Quando o Henrique nasceu, senti muita falta de ser quem eu era. Desde que me entendo por gente quis ser veterinária, sempre fui muito ativa e quando ele nasceu fiquei muito tempo dentro de casa, não tinha babá. Minha mãe ainda trabalha fora e eu não tinha com quem deixar, então demorei muito para voltar a trabalhar e me senti muito perdida”.
Depois de enfrentar o luto e se tornar mãe de anjo, Mariana descobriu que estava grávida de Henrique. (Foto: Arquivo pessoal)
Maternidade real
As particularidades da gravidez e o luto materno fizeram com que Mariana sentisse vontade de expor a realidade da maternidade no Instagram, onde já tem mais de 7,5 mil seguidores. Ela explica que, antes de ter filhos, tinha um pensamento romântico sobre o tema.
“Quando brincamos de boneca, achamos que ela vai estar sempre arrumadinha e a mãe sempre linda e maravilhosa. Mas não é assim, a maternidade dói, você sofre… A força de ser mãe vem muito disso, você sofre junto com o filho doente, sofre de sono, exaustão, medo e solidão”.
Com a chegada dos gêmeos, ela entendeu que momentos sem as crianças e no trabalho, por exemplo, funcionam como uma espécie de “válvula de escape”. Por isso, Mariana decidiu que precisaria trabalhar depois da chegada de Nicolas e Vicente.
“Com dois meses eu voltei, mesmo que não conseguisse ter a mesma carga horária, porque amamento os dois até hoje, precisava daquele momento meu. Meu momento de descanso mental era no meu trabalho, era onde eu me encontrava comigo mesma”.
No Instagram, Mariana compartilha detalhes da rotina com três filhos e busca mostrar maternidade real para seguidores. (Foto: Arquivo pessoal)
No Instagram, ela encontrou outras mães que também enfrentam os desafios da maternidade. Além das dores físicas e do cansaço, a veterinária explica que os julgamentos são infinitos.
“É muito doloroso isso, muitas vezes você se sente sozinha, apesar do filho te preencher, o peito dói quando amamenta, quando você não amamenta você é julgada por não ter dado conta de amamentar. Você não cansa de ser mãe, mas o corpo cansa. Hoje em dia acordo pelo menos três vezes à noite para amamentar e no outro dia tenho que trabalhar”.
A vida de influenciadora digital começou por acaso, mas ela conta que mostrar a realidade sempre foi prioridade. Para ela, muitas mães se iludem com vidas virtuais que não são reais e julgam a si mesmas.
“Às vezes comparamos nossa maternidade com o que vemos lá, mas não é assim, não é só coisa boa. Virou uma rede de apoio no meu Instagram. Recebo muitas mensagens de carinho. Só publico a pontinha do iceberg, mas recebo muito carinho. Comecei a postar sobre meu luto e muitas pessoas abraçaram minha dor, esse carinho virtual me ajudou muito”.