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Sábado, 27 de abril de 2024

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131 mil seguidores

Criadora do 'beijo grego', cuiabana aprendeu a cozinhar com a bisavó e recebeu comentários racistas

Foto: Arquivo pessoal

Criadora do 'beijo grego', cuiabana aprendeu a cozinhar com a bisavó e recebeu comentários racistas
Quando a bisavó estava cozinhando, os olhos atentos e curiosos da influenciadora digital Janyele Oliveira, de 33 anos, acompanhavam cada passo do preparo. Como a avó sempre trabalhou fora, não demorou para que Janyele assumisse um pouco da responsabilidade de preparar as refeições da família. A incumbência foi recebida com alegria por ela, que já na infância começou a cozinhar pratos simples e brasileiríssimos como arroz, feijão e carne de panela. 

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No mundo virtual, Janyele viralizou nacionalmente ao cozinhar rabo e língua de boi na semana passada. O prato foi nomeado como “beijo grego” e chamou atenção dos mais de 131 mil seguidores da cuiabana, que chegou a ser um dos destaques do programa Mais Você, da Globo. 

“Minha avó não gostava muito de cozinhar, ela fazia porque precisava, mas não era uma paixão. Minha bisa era bem idosinha, mas era amante da cozinha e cozinhava maravilhosamente bem. Todo mundo ensina os filhos a ajudar em casa desde criança e minha avó viu que eu gostava dessa parte e incentivava”. 

Como a avó era funcionária pública e precisava trabalhar seis horas por dia ou mais, a paixão da neta pela cozinha foi providencial. Janyele lembra que ficava responsável pelos almoços, enquanto a avó preparava o jantar. 

“Quem definia os cardápios era meu avô, fomos ensinados a comer de tudo, mas ele gostava muito de carne seca com abóbora e carne de panela. Era sempre uma carne e uma verdura, como maxixe”. 

Com o tempo, o amor de Janyele pela cozinha cresceu ainda mais, a ponto dela demonstrar o desejo de cursar Gastronomia. No entanto, ela não teve o apoio da avó, que tinha outras expectativas para o futuro profissional da neta. O medo era que Janyele não tivesse acesso a uma vida financeira confortável. 

“A minha bisa, mãe dela, era cozinheira de profissão, foi a vida toda. Era uma pessoa muito humilde, não tinha estudo e sempre trabalhou em casa de família. Me recordo vagamente dela ter trabalhado em um buffet tradicional de Cuiabá. Nunca foi reconhecida ou valorizada. Acho que foi uma preocupação normal dela. Hoje eu entendo muito”. 

Janyele decidiu optar por Publicidade e Propaganda, curso que se formou na UFMT. Enquanto estava na faculdade, ela precisou trancar a graduação quando passou em um concurso no interior de Mato Grosso. Como servidora pública, ela descobriu algo de terapêutico nos vídeos que hoje fazem sucesso na internet. 

“Na época eu estava postando uns vídeos, mas era por hobby, era bem terapêutico para mim por causa da depressão e da ansiedade. Eu estava passando por um período bem conturbado e cozinhar em casa me ajudava muito”. 

A influenciadora mal sabia o que era o TikTok ou o Kwai, plataforma que acumula visualizações atualmente, mas decidiu baixar para ver o que estava acontecendo no universo virtual. 

“Comecei a assistir e percebi que o próprio algoritmo dos aplicativos vai te recomendando vídeos de acordo com seu gosto. Como eu assisti muitos vídeos de culinária, mais vídeos do tema apareciam. Comecei a achar muito interessante, principalmente porque eram pessoas cozinhando no dia a dia, de forma informal e em casa mesmo”. 
 

Fuga do “instagramável”

Ela conta que percebeu que a estética dos aplicativos de vídeo como TikTok e Kwai eram muito diferentes da proposta do Instagram, onde os conteúdos precisam cumprir requisitos estéticos. Foi quando decidiu que queria cozinhar de forma simples, assim como nos vídeos que prendiam sua atenção. 

“Comecei a pensar que, de repente, poderia começar a filmar alguma coisa que estava cozinhando. Já cozinhava todos os dias e gostava de fazer pratos diferentes. Pensei: cara, não dá tanto trabalho e, sei lá, vai que alguém vê”. 

Apesar da formação como publicitária, Janyele nunca atuou na área e, por isso, precisou aprender do zero os conceitos básicos de edição de vídeo e de funcionalidade das plataformas. Aos poucos, começou a evoluir na produção dos próprios conteúdos que hoje são monetizados e já lhe proporcionaram a chance de fazer publicidade para grandes marcas, como Burger King. 

“Não posso dizer que foi algo pensado. Nunca fui de cozinhar só aquilo que gosto de comer, gosto de cozinhar coisas que tenho curiosidade. Sou bem curiosa. Pelos vídeos antigos dá para ver que experimentei bastante coisa. Muitas deram certo, algumas não”, brinca. 

Os vídeos de Janyele são simples e dispensam grandes produções. Na cozinha da casa dela, em Cuiabá, onde mora com o marido, ela narra o passo a passo de cada prato enquanto aparece executando o preparo. As receitas vão desde o “beijo grego” a escaldado cuiabano ou um lanche que apesar de ser chamado como “cubano”, foi criado na Flórida (EUA). 

Janyele explica que não é possível prever os algoritmos das redes sociais, por isso, nem sempre os conteúdos serão virais. Mas cada vez que um dos conteúdos atinge escalas gigantescas como a do “beijo grego”, ela se alegra por poder trabalhar com o que ama. 

“Hoje em dia, o meu trabalho representa minha renda, não digo familiar, porque meu esposo tem a renda dele, mas a minha vem das redes sociais. Há dois anos o Kwai formalizou uma espécie de contrato como criadora de conteúdo. Nem sabia que isso existia”. 
 

Comentários racistas 

Nos primeiros conteúdos que produziu, ela não mostrava a si mesma nos vídeos. As suas mãos, que apareciam nos vídeos, e a foto do perfil, sempre deixaram evidente que ela é uma mulher negra. Mas, foi quando começou a mostrar o rosto, que os comentários racistas surgiram nas redes sociais. 

“O que mais me chocou foi isso. Sempre mostrei minhas mãos enquanto estava cozinhando e ela é da mesma cor do meu rosto. Me chocou o fato das pessoas não ligarem uma coisa à outra. Teve gente que falou, por exemplo: você não combina com sua voz, achei que você tem voz de branca”. 

O primeiro impacto de Janyele foi ficar chateada, chegando a ficar inibida de aparecer mais vezes. A cuiabana conta que o principal apoiador é o marido, que não aparece muito nos conteúdos pelo respeito que ela tem com a privacidade de quem não trabalha com internet. 

“A gente fica meio entristecido, mexe com o psicológico. Mas, conforme o pessoal foi comentando nos próximos vídeos e me incentivando a aparecer mais, falando que queria me ver, fiquei propensa a voltar”. 

Os comentários de ódio não são respondidos por Janyele. No entanto, em uma das vezes que decidiu reagir aos “haters” acabou viralizando nas redes sociais com o “feijão tropeiro pistola”. Hoje em dia, ela afirma que não ligaria para as reclamações sobre o modo de preparo das receitas ou a quantidade de sal que usa. 

“Tento encarar com bom humor sempre que posso, não dá para levar tudo para o coração. Mas acho que na época viralizou exatamente por ter sido algo espontâneo, eu não planejei nada do que falei no vídeo. Agora que já trabalho com isso há mais tempo, acho que não agiria dessa forma"

Mesmo com os números em ascensão, Janyele tem dificuldade de se afirmar enquanto influenciadora digital do nicho gastronômico, mas percebe o carinho dos seguidores quando é reconhecida na rua ou com as mensagens de afeto que recebe. 

“Eu espero conseguir fazer isso pelo maior tempo possível porque é algo que eu gosto muito. É algo que eu faço com muito prazer, que me deixa feliz. E é difícil a gente conseguir unir trabalho e felicidade. No meu ponto de vista, eu sou apenas uma pessoa comum cozinhando em casa”. 

Ela conta que um dos sonhos que tem para o futuro é abrir uma rotisseria, onde todos vão poder experimentar um pouco do sabor dos pratos que prepara. 

“Tentamos ter um delivery de comida, durante alguns meses funcional, mas depois não deu mais certo e fechamos. Eu tenho essa intenção de, quem sabe no futuro e eu tendo condições, de empreender novamente na gastronomia. Acho que seria legal”
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