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Sábado, 27 de abril de 2024

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Maria Taquara, São Benedito e baguncinha: tatuador cria desenhos inspirados em Cuiabá

Foto: Reprodução

Maria Taquara, São Benedito e baguncinha: tatuador cria desenhos inspirados em Cuiabá
Foram necessários três dias de pesquisa para o tatuador Kevin Martins, de 27 anos, conseguir transformar aspectos da cultura de Cuiabá em tatuagens autorais. As duas folhas de “flash tattoo”, como são chamados os desenhos oferecidos por tatuadores menores por preços mais acessíveis, deixaram dezenas de cuiabanos apaixonados. Maria Taquara e São Benedito, que é tradicional na cidade, estão entre as criações. 

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Quem olha as sugestões cuiabanas não imagina que o tatuador é do Rio Grande do Sul (RS), o reconhecimento imediato que os desenhos geraram são fruto da pesquisa de Kevin. Para ele, o papel do artista também é dar protagonismo para o que é regional, seja pela manga verde, o caju ou pelos casarões retratados no desenho, cada traço traz um pouco da cultura de Cuiabá. 

“Fui pesquisar com a Maria, que estuda sobre a arquitetura cuiabana e lida com questões de tombamento dessas construções. Ela me mandou muita referência, muitos livros. Cuiabá é um lugar muito rico. Quando me proponho a fazer os desenhos, eu estudo real, vou atrás da história e da referência”. 

Para sobreviver como tatuador, Kevin precisa se desdobrar para usar as redes sociais, como o Instagram, como aliado em seu trabalho. A ideia das folhas de flash tattoo temáticas, por exemplo, surgiram através de uma enquete feita em seu perfil. O objetivo dos desenhos é atrair novos clientes. 

“Acho que muita gente não sabe que não sou daqui e muitos que viram os desenhos falaram: ‘É Cuiabá’. Acho que é porque amo mesmo o rolê que eu faço. Acho importante ir atrás da história, não é algo que pode ser contato de qualquer jeito. Por isso fui atrás de pesquisar com pessoas que são daqui, que estudam a história e a cultura daqui”. 

Kevin começou a tentar criar novos produtos como ecobags e cerâmicas pintadas artesanalmente. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)

No quesito engajamento, Kevin conseguiu o resultado que esperava, mas ainda não tatuou nenhum dos desenhos. O tatuador explica que os altos e baixos na demanda dos clientes fazem parte do desafio de viver da arte no Brasil. Casado e pai de dois filhos, a renda das tatuagens é primordial no orçamento familiar. 

“A parte mais difícil é a instabilidade. Nessas horas é meio desesperador para ser sincero. Você começa a questionar sobre tudo: se estou no caminho certo, se estou fazendo o bagulho certo. Ao mesmo tempo tem muitas pessoas elogiando o trabalho, mas você olha para sua casa e não conseguiu pagar a conta de luz”. 

Para Kevin, muitas pessoas tendem a não valorizar os tatuadores regionais, optando por fechar trabalhos com profissionais que estão no eixo Rio/São Paulo, por exemplo. O tatuador ressalta que muitos colegas de profissão estão lutando para continuar resistindo no mercado em Mato Grosso. Ele não nega que, nos momentos de frustração, já pensou em desistir de viver da arte. 

“É triste, tem dia que eu só quero desistir mesmo. Eu acho que isso é com todo mundo, falo com outras pessoas que vivem da arte e é assim também. Eu sei que tem muitos com trabalho de qualidade. Acho que é só o tempo mesmo, você tem que sobreviver há uns bons anos até conseguir ter uma estabilidade”. 

Nessas horas, Kevin se lembra de quando tinha 18 anos e sonhou com a possibilidade de viver da arte ao ver um amigo tocando em bares no Sul e dando aula de música. Apesar de não ter sido uma criança que desenhou e criou ativamente durante a infância, no fundo, o tatuador se enxergava como artista. 

A infância no Sul 

Kevin arrisca dizer que a arte nunca lhe foi apresentada como uma possibilidade por conta das condições financeiras da família. Filho de um mecânico e de uma balconista, ele diz que foi criado em uma cidade com 60 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul. 

“Como muitas pessoas do interior, durante minha vida inteira eu fui criado para sobreviver mesmo. Nunca pensei na possibilidade de viver de arte ou coisa do tipo. Acho que a última vez que tinha desenhado tinha sido com uns 10 ou 12 anos”. 

Ele também não se lembra de influências familiares no universo do desenho. Do pai, ele ouviu que o avô gostava de tocar sanfona e violão como uma forma de “entrar no próprio mundo”. Kevin também se vê repetindo o comportamento, mas é o único depois do avô que aprendeu a tocar violão. 

“Acho que só eu fui para esse lado da arte mesmo. Meu pai sempre me apoiou muito, assim como minha mãe. Mas eles têm muita realidade na cabeça, é racional. A gente foi criado para ter uma carteira assinada, ter um trabalho das 8h às 18h. São gerações e pensamentos diferentes mesmo”. 

Quando terminou o ensino médio, Kevin começou a fazer faculdade de Psicologia, curso que trancou um tempo depois. A ideia do tatuador era fazer um mochilão pelo Brasil, saindo do Sul até a região Norte. No meio do caminho, ele conheceu a esposa pela internet, no final de 20216, se apaixonou e decidiu viajar para visitá-la. 

“Conheci a Nanny no Facebook, ela nasceu em Alta Floresta, mas a família dela já rodou muito também. Nisso um dia ela me ligou chorando que o pai dela tinha ido para Alter do Chão, que eles iam morar para lá. Comprei passagem para ficar um mês lá, porque já era algo que projetava, eu queria ir para o Norte. Foi coincidência”. 


Tatuador compartilha os altos e baixos que enfrenta para sobreviver sendo artista no Brasil. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)

A primeira filha do casal nasceu no Pará, em janeiro de 2018. Depois do nascimento de Madá, Kevin e a esposa decidiram voltar para o Rio Grande do Sul, onde moraram por seis meses. Não demorou para que Cuiabá, onde os pais de Nanny viveram nos anos 80, se transformasse na nova casa do tatuador. 

“A gente veio e eu não conhecia nada, nunca tinha vindo para cá. Tinha muita coragem mesmo,sabe? De meter o pé, porque eu não tinha condição nenhuma, era sempre começando do zero. Eu trabalhava de barbeiro”. 
Em Cuiabá, Kevin conseguiu continuar trabalhando como barbeiro em salões de classe alta, mas deixou o emprego para se dedicar à tatuagem em 2020. Para começar, ele conta que precisou estudar muito. 

“Eu queria desenhar mesmo as ideias, mas eu não tinha capacidade para isso, então eu comecei a estudar mesmo no começo, para ir atrás. Quando comecei, também começou a pandemia. A sorte é que eu trabalhava com um colega tatuador que já era bem estabelecido, então conseguia ganhar dinheiro fechando orçamento para ele”. 

A chegada de Zé e a descoberta do autismo

Depois de três meses, ele descobriu que seria pai novamente. Kevin brinca que sempre precisou enfrentar muitas dificuldades para conseguir se estabelecer. 

“Sempre foi uma coisa atrás da outra. Tipo, parece que você dá dois passos para frente aí você dá cinco para trás. O que é diferente de quando você conta com investimento, no caso de pessoas que têm os pais para ajudar, por exemplo, já é um encurtador de caminho”. 

Uma das prioridades de Kevin é acompanhar de perto a criação dos filhos, seja buscando na escola ou nas consultas de Zé, que foi diagnosticado com autismo recentemente. Por isso, o trabalho em casa é essencial, ele conta que prioriza trabalhar das 9h às 14h para poder fazer seu papel de pai. 

“Não julgo meu pai que precisou trabalhar 16 horas por dia para botar comida na mesa. Mas, se eu posso escolher, quero escolher passar mais tempo com meus filhos, estar mais presente. Eu sustento minha família, pago minhas contas com arte no Brasil. Tenho conseguido”. 

A proximidade na criação dos filhos foi essencial para que ele e a esposa ficassem atentos aos primeiros sinais que indicavam o diagnóstico de Zé. Para entenderem a nova realidade da família, o casal começou a estudar e procurou médicos para acompanharem o desenvolvimento do filho. 

“Primeiro você nega, na sua cabeça, no sentido de pensar: ‘isso vai mudar ou vai melhorar’. A gente descobriu muito cedo justamente por estar muito atento. Depois que você aceita e começa a estudar… Agora é super resolvido, mas ficamos sobrecarregados”. 

Os olhos de Kevin ficam marejados quando o tatuador é questionado sobre suas metas para o futuro. Ele explica que não tem grandes ambições de ficar famoso ou ostentar milhões na conta bancária. Com o fruto do trabalho, ele espera poder fazer compras no mercado com tranquilidade e comprar uma casa para a família. 

“Meu sonho não é ter um carrão, é conseguir dar uma vida confortável para minha família, é poder ir no mercado e pegar tudo que eu quero. É um bagulho simples, mas que muita gente não dá valor. Sonho em poder viver do meu trabalho de forma honesta, sem precisar passar por cima de ninguém. Tenho esperança”.
 
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