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Sábado, 27 de abril de 2024

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Cuiabana mantém tradição com bolo de arroz feito no pilão e assado na lata de sardinha

Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto

Cuiabana mantém tradição com bolo de arroz feito no pilão e assado na lata de sardinha
Quando decidiu começar a fazer o próprio bolo de arroz, a cozinheira Odilza Sales dos Santos, de 55 anos, buscava o mesmo sabor dos quitutes que costumava comer na infância no bairro Dom Aquino, em Cuiabá, onde eram produzidos por uma vizinha chamada “Vó Inda”. Assim como a referência que guarda com carinho na memória afetiva, Odilza busca manter a receita tradicional. Ela ainda usa um pilão para socar o arroz e rala a mandioca sempre que produz o bolo cuiabano. 

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Todo domingo, ela e o marido Misael Pereira da Costa, de 54, servem um tradicional “chá com bolo cuiabano”, com direito a bolo de queijo, de arroz e chá de capim cidreira, no estabelecimento que administram juntos, o Mimi Lanches, no bairro Parque Atalaia, em Cuiabá. 

“Hoje o pessoal já passa pelo processador, coloca ovo na receita ou compra a massa pronta. Isso muda totalmente a receita, faz muita diferença no sabor final. Como bolo de arroz desde criança, mas a Vô Inda faleceu há muito tempo e nunca mais vi ninguém fazendo”. 

O casal mora nos fundos da lanchonete, onde levam uma vida simples com direito a uma pequena criação de galinhas, mas com muita felicidade, como garantem. Misael brinca que os cinco filhos dele e as duas filhas dela sempre estão no local para os almoços de família. 

Misael e Odilza se conheceram ainda na adolescência no bairro Dom Aquino, onde chegaram a estudar juntos. Os caminhos da vida chegaram a afastar o casal por mais de 20 anos, mas há dez, eles se reencontraram. “É uma história muito longa e muito louca”, volta a brincar o cuiabano. Hoje caminham juntos. 


Mimi Lanches abre de segunda a domingo, quando é servido o "chá com bolo" especial feito pelo casal, com direito a chá de capim cideira. (Foto; Bruna Barbosa/Olhar Direto)

Em 2019, Odilza decidiu comprar um pilão para fazer paçoca de pilão, outro prato tradicional da cuiabania. Ela foi até a Comunidade Bocaina, em Santo Antônio do Leverger, onde o marido tem familiares. Lá, ela comprou um pilão produzido artesanalmente por um dos moradores. 

“Encomendamos o pilão com o Seu Antônio, lá na Bocaina mesmo. Mas pensei, um pilão só para fazer uma farofa? Decidi tentar fazer um bolo de arroz e fui atrás da receita. Na primeira tentativa deu 90% certo, faltava melhorar alguma coisa. Fui mexendo na receita e mudando para descobrir o ponto certo”. 

Foi questão de tempo até o bolo de arroz de Odilza começar a fazer sucesso entre os moradores do bairro Parque Atalaia, mas também não demorou para ultrapassar as fronteiras da região. Além do olhar acolhedor, o sorriso dela sempre aparece enquanto conta sobre como se sente feliz em manter viva a tradição do bolo de arroz socado no pilão.

“Somos muito felizes com nosso trabalho, mas com o bolo de arroz acho que me sinto muito mais feliz, porque sinto que estou mantendo uma tradição viva. Ninguém quer mais fazer, os pais vão morrendo e os filhos não continuam. Meus filhos gostam de comer, mas ninguém vai querer socar o arroz. É uma tradição que vai morrendo. Até mesmo nas comunidades que têm mais raiz, muitos não querem mais”. 

Bolo de arroz na lata de sardinha 

A primeira vez que o bolo de arroz de Odilza ganhou o coração de clientes de fora do bairro Parque Atalaia foi por conta do quitute assado em lata de sardinha. Sem a facilidade de acesso às formas específicas, os cuiabanos costumavam reaproveitar as latas de sardinha, atum ou marmelada. A forma de assar ficou gravada na memória de muitos dos clientes. 

“Um dia apareceu um anjo, que em junho de 2021 colocou no Facebook que queria comer um bolo de arroz feito na lata de sardinha. Eu faço, mas nunca tinha vendido para ninguém de fora. Fiz e ela veio buscar. Depois, ela jogou no grupo e o telefone não parou mais. Era um sábado e eu não consegui nem almoçar, bombou mesmo”. 

Bolo de arroz assado na lata de sardinha era tradicional entre os cuiabanos antigamente. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)

A cliente que Odilza se refere como anjo, hoje mora na Tanzânia, mas ganhou espaço no coração da cuiabana. Para ela, a primeira encomenda pareceu com uma “ajuda do céu” para a cozinheira.  

“Faço até hoje esse bolo de arroz na lata de sardinha. Na minha infância eu comia muito na lata de sardinha. Na primeira escola que estudei, do lado tinha a Vô Inda e na hora do intervalo ela vendia. Hoje, a afilhada dela, que foi criada por ela, compra comigo”. 

A proximidade com afilhada da cozinheira responsável por fazer o bolo de arroz que ficou na memória de Odilza por décadas, é um dos grandes reconhecimentos que a cuiabana afirma ter. Durante sua infância, o bolo tradicional sempre esteve presente na família, principalmente por ser algo acessível. 

“Ela fala que não compra bolo de arroz em qualquer lugar e compra todo domingo comigo. Se ela gosta tanto do meu bolo, é porque está bem tradicional, de acordo com a lembrança dela. E essa senhora vendia para Cuiabá inteira. O bolo de arroz era muito presente nas famílias cuiabanas, comia-se muito”. 

De geração para geração 

Misael conta que quando era criança também costumava observar Vô Inda socar o arroz no pilão para produzir os bolos que seriam vendidos no bairro. Ele e outras crianças pegavam cestas do quitute para ajudar nas vendas. 

“Quase todo mundo do bairro que tem nossa idade cresceu vendendo bolo de arroz. Esse bolo de arroz tradicional que nós fazemos aqui e acompanhamos outras pessoas fazerem na nossa infância, é algo que passa de geração para geração. Não posso afirmar que ela [Vô Inda] foi a primeira de Cuiabá, mas para nós ela foi. Crescemos envolvidos nessa cultura do bolo de arroz”. 

A infância simples, mas recheada de felicidade, no bairro Dom Aquino ficou marcada na memória dos cuiabanos e as memórias afetivas descritas por eles também fazem parte da receita de Odilza. 

“Gosto de tudo que é tradicional, como cozinhar no fogão de lenha. É uma memória afetiva mesmo O que atrapalha aqui é a distância, porque é muito longe, mas quem gosta e conhece vem”, diz.

“Sábado fizemos encomenda de mini bolos de arroz para uma festa de santo de uma família. Ele veio pegar de manhã, quando a gente estava fechando a tarde um senhor veio de Santo Antônio, disse que gostou muito e queria mais. Não tinha mais, mas no domingo ele voltou para pegar”, continua. 

Quando se reencontraram, Misael já estava empreendendo no Mimi Lanches há seis meses. O relacionamento com Odilza gerou um cardápio diversificado, com direito a marmitas e PF com comida caseira, pães, roscas doces, pastéis e pizza. “Tem dado certo, graças a Deus”, comemora a cuiabana. 

“Fazemos marmitas e depois abrimos a noite com lanches e pizzas. Sábado temos feijoada cuiabana, a tradicional, Maria Isabel e peixe frito. Domingo temos churrasco. Trabalhamos muito. Se eu tivesse meu fogão de lenha estaria cozinhando nele, faz muita diferença também no sabor. Entre fogão a gás e lenha, prefiro o de lenha”.
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