Antes mesmo de se conhecerem e começarem a construir os nove anos de relacionamento, a enfermeira obstetra Mariana Castello Branco, de 42 anos, e a psicóloga Lizandra Hachuy, de 43, já sonhavam individualmente com uma vida nômade. Há três meses, a Pajero chamada “Benê”, que antes era apenas para transportar a família em Botucatu (SP), onde moravam, virou casa para elas e os dois filhos.
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A rotina de viagem com Maitri, de seis anos, e Moana, de dois, é compartilhada no perfil “Duas Mães e um Mundo”, no Instagram, para quase 50 mil seguidores. Enquanto conversam com a reportagem do Olhar Conceito, a pequena Moana participa a seu modo, seja chamando a atenção das mães ou externando animação com a vida de viajante.
As mães não negam que já ouviram críticas sobre viajarem com os filhos de carro pelo Brasil, mas afirmam que aprenderam a não focar nelas. Liz explica que Maitri e Moana estão crescendo livres, com referências diversas de crenças e culturas, algo que será valioso no futuro.
“A gente acredita piamente que, pelas crianças serem pequenas, temos coragem de fazer isso agora. Apesar da gente achar que as crianças pequenas não lembram das coisas, tudo que a gente vive fica marcado na gente. Todas as vivências que a gente pode oferecer para eles, a gente entende que mesmo que não seja uma memória marcada, vai influenciar no tipo de pessoas que deixaremos para esse mundo”.
Liz, Mari, Maitri e Moana já passaram pelo Pantanal mato-grossense e agora estão em Chapada dos Guimarães. (Foto: Arquivo pessoal)
Elas contam que o dia na Pajero, onde a família mora enquanto está na estrada, começa com música. Com palavras cantadas, Mari e Liz começam a situar os planos do dia para Maitri e Moana. O mais velho, inclusive, já começou a aprender a fazer os próprios roteiros, brincam as mães.
“Fazemos todo um processo para que isso seja possível também para eles. Não diria que é uma rotina, mas é um ritmo diário. Começamos nosso dia, primeiro com a história de acordar e arrumar a cama. Depois, sempre temos uma música que começamos o dia, que situa o dia da semana de hoje, o que foi ontem e o que será amanhã, além do que vamos fazer no dia”.
Na semana passada, Benê, a Pajero das duas mães, chegou em Mato Grosso desbravando novos territórios no Pantanal e, agora, desfrutam os dias com muitas cachoeiras em Chapada dos Guimarães (64 km de Cuiabá). Mari elogia o calor dos mato-grossenses, que acolheram as viajantes de braços abertos por onde passaram.
“Temos encontrado pessoas muito bacanas. O ecoturismo aqui é incrível, são possibilidades enormes de conhecer esse estado. Por sermos um casal de mulheres, a gente se surpreendeu positivamente, a experiência aqui tem sido muito legal. A Chapada é maravilhosa, já estamos querendo morar aqui”.
Transformando carro e estrada em casa
Antes dos três meses que estão vivendo na estrada, Liz e Mari já tinham feito pequenas viagens para testar como seria a vida nômade morando em Benê. A Pajero, que tinha sete lugares, foi adaptada para contar com espaço para dormir e cozinhar. O casal não tem ponto de chegada ou partida e explica que o roteiro de viagem é renovado a cada dia.
“No começo tinha um roteiro totalmente diferente do que estamos fazendo. No fim, acabamos nos abrindo, não temos um roteiro para seguir. Vai mudando no meio, porque vamos conhecendo pessoas que indicam coisas e lugares”.
Antes da aventura nômade, Mari tinha emprego de carteira assinada em um hospital. Ela conta que passou por momentos “adoecedores” na instituição quando não teve resposta para o pedido de licença-maternidade quando Moana nasceu. Problemas como esse, fizeram com que o pedido de demissão fosse uma escolha para ela.
“Quando decidimos que íamos viajar, fiz um pedido de afastamento não remunerado, porque existe essa possibilidade, só que eles me negaram. Quando eles negaram, foi a deixa para eu me demitir, porque não me cabia mais naquele lugar. É um misto no sentido de que amo meu trabalho e sinto saudade disso, mas pensando na instituição não me arrependo”.
Pajero foi transformada em casa por Mari e Liz, com direito a espaço para dormir e cozinhar na estrada. (Foto: Arquivo pessoal)
Já Liz precisou se adaptar ao modelo de teletrabalho durante a pandemia da covid-19, enquanto estava grávida de Moana. Atualmente, ela segue os atendimentos dos pacientes dessa forma. Para Mari, o período de viagens é como um ano sabático.
“É como se eu tivesse tirando um ano sabático, em algum momento se a gente decidir morar de novo em algum lugar, vou rever isso. Por enquanto, acho que é válido para gente, para nossa família e para as crianças”, conta a enfermeira.
A chegada dos seguidores, parcerias e publicidades também foi uma mudança na rotina do casal, que tem buscado transformar o perfil em uma ferramenta de trabalho para custeio da viagem.
“Agora já conseguimos muita coisa no sentido da própria viagem, que às vezes não é dinheiro, mas é uma troca de divulgação por hospedagem, algo que vai aparecendo pelo caminho. Tem gerado já alguns retornos financeiros, bem pouco, mas significativo nesse momento”.
Liz conta que, mesmo a quilômetros de casa, ela e a esposa sempre encontram pessoas acolhedoras que possibilitam a criação de vínculos durante a viagem. Em Chapada dos Guimarães, por exemplo, receberam o carinho de seguidores que se tornaram amigos.
“Hoje estamos em uma hospedagem que foi uma seguidora que indicou, ela disse ‘é a cara de vocês’, mas a gente nunca tinha visto ela e ela acertou. Estamos amando. Acabamos de fazer um peixe em uma folha de bananeira com várias pessoas que seguiam a gente já. É uma bolha que vai se formando, vamos criando vínculos, é muito especial”.