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Terça-feira, 03 de dezembro de 2024

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Construção civil e arte drag: engenheiro se divide entre dois universos ao se transformar em ‘Camuleão Fresh’

Foto: Reprodução

Construção civil e arte drag: engenheiro se divide entre dois universos ao se transformar em ‘Camuleão Fresh’
O apelido “Camuleão” surgiu antes mesmo da drag queen do engenheiro civil Murilo Pleutin, de 29 anos, nascer no Halloween do ano passado, quando ele se montou pela primeira vez, por conta do potencial de Murilo em ser flexível e se adaptar, seja na infância evangélica, na adolescência “agro” ou na fase em que adotou o estilo andrógino. De Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), ele deixou a vida no interior para viver em Cuiabá, onde deixa seu lado artístico aflorar cada vez mais enquanto também se dedica ao universo da construção civil. 


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Com o nascimento de Camuleão, nasceu também o sonho de participar do Drag Race Brasil, versão brasileira do reality Rupaul's Drag Race, que teve a estreia da primeira temporada em agosto do ano passado. Enquanto assistia aos episódios, o desejo de se tornar uma drag queen passou a tomar conta dos pensamentos de Murilo, até que ele se transformou pela primeira vez para ir em uma festa de Halloween em Cuiabá. 

“Tive ajuda de uma irmã drag, a Eva Fresh, não tinha tanta habilidade ainda, não vou falar que estou completamente polido, porque tem muita coisa a melhorar, a gente sempre tem. Pedi para o estilista fazer a roupa, um vestido estilizado de múmia para ficar glamouroso, peguei uma ‘lace’ emprestada da Sophie Boomer e fomos para o Halloween”. 

Quando chegou na festa, o primeiro impacto de Camuleão foi surpreender os amigos de Murilo, que como não sabiam que ele aparecia montado, chegaram a não reconhecer o engenheiro civil, mas se tornaram incentivadores importantes de sua drag queen. “Agora estou há um ano fazendo as pessoas se surpreenderem”. 

É comum que muitas drags nasçam durante o Halloween, algo que se tornou um conhecimento empírico entre as artistas, conta Murilo. Para ele, isso acontece por ser um momento em que todos são convidados a se transformar, mostrarem que são boas sem serem alvos de críticas. 

“Inclusive, o termo drag é americanizado, aqui no Brasil nasceu como transformismo, mas como as tendências norte-americanas são maiores, o ‘drag queen’ ficou normalizado. No Halloween é uma época que a gente consegue se transformar, explorar mais essa arte e vai nascendo essa persona nova”. 

Outro conhecimento empírico do mundo drag, conta Murilo, são os sobrenomes que passam das mães drags para as filhas, como aconteceu com Camuleão, que agora carrega o sobrenome Fresh que ganhou da drag Alyssa Fresh, também mato-grossense. Quando o Drag Race Brasil abriu as inscrições neste ano, Murilo decidiu oficializar o nome Camuleão Fresh para carregar a família drag caso seja selecionada. 

“Quando fui montar a drag, pensava nos nomes e já tinha o apelido há tanto tempo, o pessoal já me conhecia assim, achava forte e original, então mantive o Camuleão. Entendi que já podia assumir o sobrenome da minha mãe drag, porque caso formos juntas ou separadas, temos o sobrenome da família para carregar. Isso é muito comum entre as drags, não são todas que colocam o sobrenome da mãe, mas acontece, a Alyssa tem outras filhas com o sobrenome Fresh”. 

Camuleão tem uma mãe drag, Alyssa Fresh, que lhe deu o sobrenome que pretende carregar na 2ª temporada de Drag Race Brasil. (Foto: Reprodução)

As várias faces de Camuleão 

Durante a infância em Vila Bela da Santíssima Trindade, Murilo frequentava igrejas evangélicas, mais tarde, começou a se identificar com o universo do agronegócio. Quando se mudou para Cuiabá para fazer faculdade, adotou o estilo andrógino, sempre mudando a cor e o corte de cabelo, além de se expressar através da moda. 

Em 2016, ele decidiu criar um canal no YouTube e foi quando adotou Camuleão, até então um apelido, como seu nome artístico. “Um amigo disse que eu era muito ‘camaleão’, porque mudava bastante, veio daí”. 

Quando se formou em 2018, Murilo deixou Cuiabá para trabalhar com construção civil, período em que lembra ter adotado sua fase “mais normativa” para se encaixar em um mercado de trabalho que carrega certa dose de machismo, conta. Para muitas pessoas ainda soa estranho um engenheiro civil que se dedica a arte de ser drag. 

“Naquela época, a era andrógina ficou na faculdade, tive que mudar minha postura para me inserir no mundo do trabalho. Mas, agora, depois de seis anos de formado, consegui ter a minha estabilidade e o meu nome para conseguir me dedicar a essa arte. Ainda assim as pessoas criticam: 'poxa, um engenheiro drag? Que palhaçada é essa?'. São culturas diferentes, mas é engraçado, gosto de brincar com isso, as pessoas ainda não acreditam, acham que é brincadeira que sou engenheiro e drag”. 

Murilo conta que em Vila Bela da Santíssima Trindade, por ser uma cidade pequena de interior, não havia muito espaço para se dedicar à arte drag. “A gente não tinha absolutamente nada artístico fora da nossa cultura local, como o Congo e o Chorado. Não via espaço para criar a minha drag ali, não vejo ainda, na verdade, temos alguns amigos que trabalham com cultura e tentam inserir”. 

Mas isso não significa que o engenheiro civil não carregue a cultura da cidade natal com orgulho e promete, caso for selecionado para o Drag Race Brasil, levar referências nos looks e performances. 

“Eu amo minha cidade natal, o que puder levar da cultura dela, levarei comigo. A cultura de Vila Bela é muito linda, temos o mês de julho com as festas do Divino Espírito Santo, o Congo e o Chorado, julho é um mês com festas praticamente todos os dias”. 

Atualmente, Murilo vive uma fase diferente daquela em que precisou adotar um estilo normativo para atuar como engenheiro civil. No local em que trabalha, os colegas de trabalho sabem da existência de Camuleão e, inclusive, o chefe dele já esteve no Drag Dinner, evento criado em parceria com Alyssa Fresh e Sophie Boomer para divulgar a arte drag. 

“Não foi um problema, pelo contrário, meu chefe, por exemplo, participou do Drag Dinner, que é o evento que organizo. Então, já me viram montado e já viram as performances, não tive problemas nesse trabalho, pelo menos não chegou nada ofensivo ou de repressão até mim, eles gostam de participar e vão bastante. Isso é muito legal”. 

Os pais também já estiveram no Drag Dinner para assistir a uma performance de Camuleão, um momento que ficou marcado pela emoção de tê-los na plateia. Murilo conta que ser drag nunca foi motivo de preconceito entre a família. 

“Minha mãe já tinha me visto montado por fotos e vídeos, mas ela me assistiu pela primeira vez na 2ª edição do Drag Dinner, em setembro. Veio ela, meu padrasto e uma prima, foi lindo ver eles se divertindo comigo. Rolou até bastante emoção nesse dia, porque além da minha mãe, estava a mãe da Sophie Boomer, conseguimos tocar bastante gente com esse incentivo da família, que é algo muito importante”. 

Camuleão e a mãe, que esteve na 2ª edição do Drag Dinner, evento criado por ela, Alyssa Fresh e Sophie Boomer, para assistir a performance. (Foto: Arquivo pessoal) 

Sonho de participar do Drag Race Brasil 

Desde o ano passado, Murilo aguarda o momento de se inscrever na segunda temporada do Drag Race Brasil. Enquanto assistia às provas do programa, que envolvem habilidades artísticas, lipsync (dublagem), atuação e comédia, ele já se preparava para o futuro, criando os próprios roteiros e pensando em figurinos. Por isso, quando as inscrições abriram, ele já tinha o roteiro de um monólogo cômico praticamente pronto para gravar. 

“Enquanto minha drag nascia, eu assistia o programa e ia pensando em tudo. Escrevia letra nos desafios de canto, pensava em atuações, fui vivendo junto para me preparar. Foi algo muito importante. Durante o programa, temos que imitar artistas e deixá-los cômicos também, para mim essa veia de comédia é forte, porque consigo improvisar e responder de uma forma engraçada se for necessário”. 

As drags engraçadas e caricatas sempre foram as preferidas de Murilo, mas ele reforça que Camuleão não se prende a uma só estética ou identidade, já que também ostenta figurinos e maquiagens glamourosos.

“A Camuleão é uma drag polida, glamurosa, esteticamente falando, com looks bonitos e exuberantes, mas é engraçada ao mesmo tempo, gosta de usar a comédia, fazer o pessoal rir e causar aquele desconforto inesperado, estar fazendo 'sério' e depois do nada vira uma comédia, gosto de surpreender”. 


Camuleão coloca pitadas de comédia em suas performances para surpreender o público. (Foto: Reprodução) 

Em Rupaul's Drag Race subcategorias foram criadas e se popularizaram para descrever os estilos das drags. “Elas podem ser, entre outras, pageant queens, beauty queens, fishy queens, comedy queens, goth queens, big girls, campy, club kid e genderfuck. Os termos são quase literais (significando, respectivamente, drag queens de concurso, de beleza e hiper femininas; drag queens de comédia e góticas; drag queens gordas, “cafonas”, de estética club kid e genderfuck) e nos permitem observar as formas de organização estética de uma arte drag norte-americana, que vê necessidade em separar, categoricamente, artistas de acordo com seu peso e tamanho (no caso das big girls, termo usado para designar drag queens gordas) ou com seu grau de “realismo” (no caso das fishy queens)”, explica João Bertonie em “NASCEMOS NUS E O RESTO É DRAG: Problemas de gênero em RuPaul’s Drag Race”. 

Murilo e Camuleão possuem personalidades completamente diferentes, conta o engenheiro civil, que se descreve como tímido e acanhado. Algo que muda quando se transforma na drag que em uma das performances apareceu vestida de chef de cozinha, mas em determinado momento, para dar a pitada de comédia, revelou o “Ratatouille” debaixo do chapéu, causando gargalhadas entre o público. 

“Acredito que a única coisa em comum que o Murilo e a Camuleão Fresh têm é a força de vontade, de sempre crescer: o Murilo, enquanto engenheiro, e a Camuleão, enquanto drag”. 

Se não for selecionada para o Drag Race Brasil neste ano, Murilo não pretende desistir. “Pode ser que aconteça agora, mas eles vão acompanhando a evolução também, porque eles não pegam só gente 100% boa em tudo. Então, essa amiga me disse: faça e se não der certo, ano que vem você vai fazer de novo, uma hora vai dar certo, mas não desista desse sonho”. 
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