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Terça-feira, 23 de abril de 2024

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Aïnouz aposta em detalhes para falar de amor

Quando há alguns anos o produtor Rodrigo Teixeira convidou Karim Aïnouz para dirigir um filme inspirado nas canções de Chico Buarque, o diretor não teve dúvidas: Olhos nos Olhos. "Porque é a música do Chico que mais me toca, que me emociona, que mais ouvi quando me separei tantas vezes na vida", explica o diretor.

Com roteiro de Aïnouz e de Beatriz Bracher (de Os Inquilinos), o filme conta um dia na vida da dentista Violeta (Alessandra Negrini), de 40 anos, que, logo após se mudar para um apartamento em Copacabana, com seu filho adolescente e seu marido (vivido por Otto Jr.), vê sua rotina se revolucionar após descobrir, por meio de uma mensagem deixada no celular, que o marido a deixou. É a longa jornada dia e noite adentro desta mulher, que acaba de despencar no abismo do desamor e do abandono, de que trata Abismo Prateado. Para Negrini, este foi um filme difícil, uma vez que a ação está em cima da Violeta o tempo todo. "É ela, sozinha, agindo e reagindo em meio à cidade, quando o abismo se abre, quando o tempo para e ela, diante disso, tem de lidar com a dor e o desamparo. Foi um filme tão difícil, ou até mais, de se preparar do que de filmar", comentou a atriz sobre seu processo de filmagens e de preparação para viver Violeta.

Para Aïnouz, este era um filme em que, "por não ter muita história, destramado", a canção, e o tom, era crucial para conduzir a narrativa. "Eu queria que este fosse um filme desabusadamente romântico. Foi Olhos nos Olhos que permeou sempre o trabalho", comenta o diretor. "Há outras músicas do Chico que são lindas, mas que são mais narrativas, mais prosa. Esta canção tem algo de bonito, é mais poesia. Quem é você? Quem é meu bem? Mesmo por tocar meu ponto nevrálgico, é uma canção que me permitia imaginar mais. Quem é esta mulher que canta'quando você me deixou, meu bem?'? Qual o nome dela?"

Após longas premiados como Madame Satã e O Céu de Sueli, Aïnouz conta que desta vez quis fazer um cinema que não fosse tão calcado em momentos de ação e roteiro. "Talvez seja meu filme mais irregular, em que a mise-en-scène está muito mais próxima da pulsação da Violeta que de um preciosismo de enquadramentos. Este é um filme de sensações, que, não por acaso, as mulheres naturalmente sentem mais forte. Não sei como os homens processam o abandono, mas a dor do desamparo é algo humano. E é fisiológico. Dói mesmo", comenta o diretor, que teve com um dos grandes desafios representar, por meio das imagens, este nervo exposto que a dor deixou em Violeta.

Para Negrini, Violeta busca a cura. "É um momento de dor, mas, ao mesmo tempo, de superação. E de muita beleza", pontua a atriz, cuja atuação forte e ao mesmo tempo delicada dá à personagem a medida real do sofrimento. Cada expressão de Violeta, cada franzir de testa, cada gesto desajeitado, de alguém que se machuca tanto fisicamente quanto emocionalmente, traduz uma desorientação tão surreal quanto realista. "Quem nunca foi deixado e caiu neste abismo? Num nada em que se leva alguns dias para voltar a caminhar direito?", questiona o diretor.

Para Aïnouz, a beleza da jornada desta mulher também tem momentos de sensualidade. É nos planos e enquadramentos não óbvios escolhidos pelo diretor, nas imagens que transmitem muito mais sensações que fatos, que se traduz também a dor de Violeta. Nesta jornada, abre-se espaço até mesmo para momentos de sensualidade. "Quando, no meio da noite, Violeta conhece o cara da van e há uma energia que circula entre os dois, são os detalhes, aquilo que não é dito, os responsáveis por transmitir o que estão sentindo. Os pequenos gestos são sensuais. Gosto de deixar as coisas em aberto. Nunca perdendo o tom de que há, ainda que de forma muito leve, uma relação romântica entre eles."
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