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Noé: Adaptação da HQ de Aronofsky volta-se para a moral dos homens e as suas variadas facetas

29 Abr 2014 - 14:15

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Divulgação

Noé: Adaptação da HQ de Aronofsky volta-se para a moral dos homens e as suas variadas facetas
No auge do filme 3D no mundo, os blockbusters cada vez mais se rendem à nova tecnologia, e exigem de seus roteiristas histórias épicas onde possam lucrar com seus elementos de espetáculo, e os ingressos nada modestos. Dos reboots nas franquias de ficção científica Star Trek e Star Wars, à era dos super heróis de histórias em quadrinhos, com a franquia MARVEL prevista até 2028 nos cinemas com contratos milionários para seus envolvidos, os filmes pipoca parecem apostar no sucesso do formato.

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Em busca de um roteiro grandioso, Darren Aronofsky – diretor de uma carreira também grandiosa que conta com “PI (1998)”, “Réquiem para um Sonho (2000)”, “Fonte da Vida (2006”),O Lutador (2008)” e o mais conhecido, “Cisne Negro (2010)” – sempre preocupado com a religiosidade em seus filmes, busca nos épicos bíblicos a escala que desejava para contar seu mais novo embate moral, e assimila elementos da fantasia dos blockbusters para afastar o seu Noé de seu semelhante religioso.


(“PI 1998”, “Réquiem para um Sonho 2000”, “Fonte da Vida 2006”, “O Lutador 2008”)

Agregando elementos de outras versões da passagem do dilúvio, o diretor que também é co-roteirista insere elementos Sumérios, Babilônicos e baseia-se em textos do Corão para complementar a atmosfera grandiosa de seu conto épico. Inspirado nas tragédias gregas e nos Épicos de Capa & Espada, Noé tem seu antagonista e luta não só com a ira divina, e com os próprios demônios, mas também com a imposição personificada em Tubal-Caim, ferreiro das escrituras que nas mãos de Aronofsky faz às vezes de rei dos humanos. Baseado em sua História em quadrinhos “Noé”, desenhada por Nicho Enrichon, o diretor que já havia criado uma história em quadrinhos antes de torná-la filme em “Fonte da Vida”, aproveita-se dos absurdos do universo dos quadrinhos para extrapolar certos conceitos.




Apaixonado pela ideia de aprofundar sua visão de Noé desde que ganhara um concurso aos 13 anos com um poema de sua autoria sobre o fim do mundo, Aronofsky viu no sucesso dos quadrinhos uma via para adaptar sua história. Em sua história, Noé é descendente direto da linhagem de Adão e Eva, e vê no peso da hereditariedade a necessidade de preservar tudo aquilo que foi oferecido aos seus no primeiro dos dias. Com uma visão unilateral do mundo, Noé é um homem que cresce com a ideia de que os de sua raça estão corrompidos pela ganância e o desejo. Afastado da sociedade, Noé vive numa terra inóspita a alimentar-se apenas de plantas e proteger os animais.

É quando a iminência da aproximação dos homens de sua terra se faz presente que o mesmo acaba por sonhar com o dilúvio que exterminaria a humanidade. Incumbido da missão que acredita ser sua, Noé inicia a jornada que lhe levará a construir a arca para salvar “aqueles que ainda vivem como no paraíso”, chamando a atenção de Tubal-Caim, rei dos homens que vê na arca a única possibilidade de salvar os seus da chuva que virá, mesmo que precise tomá-la à força.




A história, atemporal sobre uma terra que pode existir tanto no futuro quanto no passado de nossa raça, traduz para o cinema armaduras, roupas e diversos acessórios saídos dos quadrinhos e que parecem pertencer a diversos conceitos distintos e que tornam a terra protegida pelo criador um universo à parte ao nosso, onde anjos caídos tornam-se rocha ao entrar em contato com a terra, e trazem ao filme o tom fantasioso que colabora com as outras exceções fantásticas da trama. Com Golems de rocha, lobos escamosos e pedras de fogo fátuo, o roteiro deixa claro seu afastamento de seu equivalente católico, e talvez explique a morna recepção num dos países mais católicos do mundo como o Brasil, que pouco aderem ao mercado de histórias em quadrinho e para quem os trailers e propagandas tentaram vender uma adaptação religiosa e não uma aventura de fantasia.




Seguindo as passagens já conhecidas da trama, adicionando seus elementos e suas mensagens ambientalistas, o filme tem seu clímax não na sobrevivência ao dilúvio, mas na índole e na psique de seus personagens. Noé, que aos olhos da razão é um genocida perseguido por um sonho, ganha confiança por suas previsões de fato ocorrerem, mas carece de aproximação com o público. Seu fanatismo religioso, exposto ao máximo pela carranca dura de Russel Crowe – que construiu sua fama em outro Capa & Espada, “Gladiador” – não o coloca como herói, mas tem o tom correto para não transformá-lo em vilão, mas aos poucos, a jornada que no início parece correta, e os lados que antes pareciam tão justos, se mostram dúbios e incertos.

Se o filme de Aronofsky é morno como uma aventura épica de quadrinhos por carecer de seu ritmo ou do carisma de seus personagens, a história ganha na construção da dúbia moral dos homens e os questionamentos que levanta quando todos, cedo ou tarde, se corrompem pela insanidade de serem os últimos humanos vivos, e precisam buscar novamente em seus hábitos a compaixão outrora abandonada. Se é difícil simpatizar com o personagem de Crowe, também é difícil questioná-lo quando este decide que ninguém deve ser salvo, e os motivos parecem convincentes na tela. A visão do diretor é dura e implacável e afasta o espectador de um debate sobre suas decisões, e como o criador, Aronofsky não poupa esforços para demonstrar seu ponto de vista.




Repleto de imagens embasbacantes, e a sutil utilização do 3D para aproximar o espectador da escala grandiosa de seu filme – e que faça valer nos ingressos o custo alto de sua produção, já que só a arca foi construída inteira em set - Aronofsky entrega um trabalho de qualidades técnicas e ótimos pontos a serem discutidos sobre a religiosidade e as interpretações que os homens fazem de suas próprias percepções. Noé jamais conversa com o criador, o silêncio implacável dos céus após a tempestade deixa clara a visão do diretor de que a escolha sobre nossas atitudes e gostares cabe apenas a nós, os espectadores.




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