Olhar Conceito

Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Notícias | Cinema

PLOT TWIST

O Grande Mestre: Primavera, inverno, outono... E as cinzas do passado de Wong Kar Wai

14 Mai 2014 - 11:00

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

O Grande Mestre: Primavera, inverno, outono... E as cinzas do passado de Wong Kar Wai
Nos trabalhos do diretor chinês Wong Kar Wai, falar sobre o passado é elemento recorrente e seus filmes estão sempre carregados de carga emocional sob um passado lúdico que permeia os sonhos do diretor. No passado também se situam os filmes de artes marciais e cavalaria, os Wuxias, gênero extremamente difundido no ocidente nos anos 70 e que perdeu sua força com o passar dos anos. No passado se situam não pelos enredos, que há muito tempo englobam elementos do presente para alimentar suas tramas, mas por evocarem um apreço pelo movimento e a plasticidade do mesmo que já não atrai os consumidores de batalhas computadorizadas de fácil compreensão.

Leia maisDark Horse: Os eternos imaturos e a geração do escapismo aos olhos de Todd Solondz

O gênero que ganhara novamente seu brilho e notabilidade com “O Tigre e o Dragão” de Ang Lee, que restaurara sua excelência e como um Wuxia, carregava consigo os dramas profundos, as histórias de amor e as lutas dançadas e batalhas de cavalaria muito bem amarradas numa trama cruel situada na china antiga, no inicio dos anos 2000 voltou a ter apelo no cinema ocidental e gerou filmes ímpares como “Clã das Adagas Voadoras”, “Herói” e até mesmo abriu espaço para as comédias absurdas de Stephen Chow como “Kung fu Futebol Clube” e “Kung fu Hustle”, mas não ganhara grandes adições nos últimos anos.



Seis anos antes do filme de Ang Lee, e vinte anos antes de seu mais novo trabalho, Kar Wai já havia visitado o passado e as artes marciais em “Cinzas do Passado”, seu único filme sobre o gênero em toda a sua carreira até então. A trama que girava em torno de um espadachim que apagava suas memórias ao beber um vinho encantado, tinha a poesia dos dramas Wuxias, e a lente estilizada de Kar Wai sobre o passado destes homens afiados como lâminas, mas quebrados como tais nestes caminhos repletos de honra e desilusões amorosas.

Obcecado com o passado, e o seu poder nas escolhas das pessoas no presente, Kar Wai o revisitara em todos os seus trabalhos, seja no casal intocável de “Amor à flor da Pele”, ou no jornalista que escreve sobre o futuro enquanto cita seu passado em “2046”, ou até mesmo em sua primeira visita ao ocidente em “Um beijo Roubado”, onde a história acompanha pessoas presas aos antigos erros de sua vida, o diretor sempre se mostrara consciente e preocupado com o efeito das memórias nas pessoas, e em “O Grande Mestre”, semibiografia de Ip Man - mestre de artes marciais responsável por popularizar o Wing Chun – não seria diferente.



Narrando não só a vida do homem que se tornaria mestre de Bruce Lee, mas criando um panorama de todo o Kung fu na china durante a época da ocupação Japonesa nos anos 30 e durante a guerra civil finalizando-se em 50, Kar Wai faz mais uma homenagem ao passado que tanto preza. A trama que se inicia com um mestre ancião anunciando sua aposentadoria para dar espaço ao novo, o filme se questiona do início ao fim quando é hora de deixar de olhar para trás.

Contando a história de três expoentes nas artes marciais e seus respectivos estilos e encontros com Ip Man, a trama segue uma linearidade obtusa que separa a história em estações emocionais, onde a atmosfera onírica e inebriante das lentes voltadas aos mais inusitados lugares evoca os sonhos de alguém que revisita as memórias do passado, e a narrativa em off reforça o apelo. Preocupado com o impacto dos golpes, a precisão, e o movimento, o diretor desacelera as lutas e busca nos closes e na predileção pelos elementos externos para expressar a beleza da dança marcial. Entre gotas de água, neve e vapor, os mestres e seus discípulos desferem seus golpes como lanças, espadas e silvam no ar por segundos, mas respeitam a gravidade de seus impulsos, diferente dos populares predecessores que desafiam a física a dançar sobre a água e repousar sobre as árvores.



A trilha e os efeitos de cor e velocidade, comuns ao trabalho de diretor, voltam para estilizar ainda mais o gênero preocupado com a exaltação do movimento em cena. Entre o ouro e as mil cores dos vestidos e dos bordéis chineses da época, Kar Wai insere um tom sépia que transforma seu filme em um apanhado de fotografias antigas, e como tais carregam a beleza estática dos planos em slow motion. “Kung Fu não é espetáculo” diz o mestre ao novo discípulo, e o filme o deixa claro ao inserir as lutas em contextos históricos reais e trazer para o ringue o drama de toda uma nação e a uma tradição que se desmanchava com o passar dos anos e o avançar das guerras.

Não seria um Kar Wai sem um amor impossível, e “O Grande Mestre” arranja espaço para as desilusões amorosas e os momentos de carinho entre mãos acostumadas à luta. E entre os dramas da guerra, as lutas pela honra e os ensinamentos sobre como ver o mundo e suas mudanças, Kar Wai destila sua corriqueira melancolia entre os corpos que se abraçam no ar enquanto defendem seus clãs. Tão ímpar quanto seu primeiro trabalho Wuxia, “O Grande Mestre” registra com saudosismo o passado e os valores que se perderam com o tempo, e resgata com paixão os desejos daqueles que lutaram para que estes conceitos se perpetuassem no tempo. Se depender do grande mestre Kar Wai, o passado não será esquecido tão cedo, nem sua beleza.



*Thales de Mendonça tem 23 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.



Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet