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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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MÚSICA E ATITUDE

' Legião, batidão e lambadão: não somos tão jovens' (Confira crítica)

Foto: Divulgação

Thiago Mendonça vive Renato Russo no cinema

Thiago Mendonça vive Renato Russo no cinema

Vi o filme Somos Tão Jovens depois de todo mundo e não vou dar pitaco. O que me chamou a atenção, no entanto, foi outro personagem, o Hermano Vianna. O cara que ‘colocou a Legião no circuito’, como mostra o filme, anos depois ia ‘descobrir’ e influenciar novos estilos e artistas independentes. A tal reportagem sobre a cena punk brasiliense que a película mostra foi publicada em 1983. Cinco anos mais tarde, o irmão de Hebert anteciparia estudo sobre um movimento completamente desconhecido fora da periferia do Rio de janeiro. Em 1985, concluiu “O Mundo do Funk Carioca”.

Hermano foi mais longe, não só desvelou, mas também interferiu no estilo. Na época em que o funk carioca continha basicamente variações da batida de Planet Rock, de Afrika Bambaata, o pesquisador ‘surrupiou’ a bateria eletrônica do irmão músico (uma DR-110) e colocou na mão de um tal de Luis Fernando Mattos da Matta, ou melhor, DJ Marlboro. Ao saber do episódio, o orientador de Vianna no estudo, o antropólogo Gilberto Velho, fez troça: “é como dar um rifle para um chefe indígena”. O resultado da ousadia saiu em 1989, no disco Funk Brasil, o primeiro a ter MCs cariocas. O autor da obra, DJ Marlboro, não pode deixar de agradecer Hermano em uma nota na contracapa: “o responsável pelo massacre, afinal foi ele quem deu o rifle ao chefe indígena”.


Hermano Vianna e DJ Marlboro anos após o responsável pelo massacre entregar o rifle para o cacíque do funk

O olhar de Hermano Vianna ainda continua por movimentos musicais que nasceram depois do advento do punk brasiliense e do funk carioca, como o lambadão cuiabano. “Assistimos ao nascimento de indústrias de entretenimento popular que já produzem os maiores sucessos musicais das ruas de todo o país sem mais depender de grandes gravadoras e grandes mídias para construir sua rede de difusão nacional. É o caso do funk carioca, do forró eletrônico cearense, do tecnobrega paraense, do arrocha baiano, do lambadão cuiabano, da tchê gaúcha. Todas essas músicas são produzidas na periferia para a periferia, sem passar pelo centro”, declarou em entrevista concedida antes da recente explosão do arrocha. Em outras palavras, as bandas não precisam mais ir ao “eixo” para existirem de fato, caminho feito pela Legião Urbana e que encerra o filme.

A revolução na maneira de produzir e difundir o próprio conteúdo – sem precisar sair da periferia – foi fruto da revolução tecnológica da qual a internet faz parte. Isso fez com que artistas tivessem possibilidades inimagináveis às bandas retratadas em Somos Tão Jovens. A tecnologia da informação não só permitiu a produção dentro dos núcleos marginais (com o perdão do paradoxo), como possibilitou sua expansão para outros nichos como uma sequência natural, sem precisar de Hermanos Viannas como a Legião.

As novas ferramentas permitiram uma produção autônoma, mas não serviram para derrubar velhos preconceitos. Pelo contrário. O que se vê hoje, principalmente nas redes sociais, são verdadeiras trincheiras contra o ‘mal gosto’ dos sons populares. Essas manifestações repetem discurso moralista e elitista. Até ai nada de novo. Samba, tango, jazz, afrobeat, rap, etc., todos sofreram esses mesmo preconceitos em seus nascedouros. O punk também. Curioso é que muitos dos atuais membros da atual marcha contra o ‘mal gosto’ são remanescentes dos movimentos retratados em Somos Tão Jovens, ou simplesmente fãs das bandas ali encenadas. São a geração coca-cola.



Bonde das Maravilhas executa o quadradinho de oito e divide opiniões. Até argumentos matemáticos (?) são usados para pormenorizar música e dança. Para o filósofo Michel Foucault, “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações”. Ameaçar o rompimento dessa lógica traz suas consequências. 

E os argumentos contra as músicas populares são justamente pelos ritmos gozarem de direitos reivindicados pela juventude de outrora. Voltando ao longa metragem: o filme sobre fase da vida de Renato Russo retrata o nascimento da cena punk brasiliense. O movimento setentista tinha como bandeira o “faça-você-mesmo”, reclames por liberdade de expressão e comportamento. Uma das principais características do ritmo é a simplicidade das composições e a inabilidade de alguns músicos. Além das já elencadas bandeiras do punk, o rock historicamente já encampou lutas como pela liberdade sexual. Alguma semelhança com o funk ou lambadão etc.? Talvez nós é que não sejamos mais tão jovens assim. Geração coca-cola zero.


* Lucas Bólico – jornalista, editor-chefe do Grupo Olhar Direto, pesquisador de música marginal e autor do livro-reportagem “A desforra da periferia, sobre lambadão cuiabano.
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