O musical começa como qualquer outro filme da Disney, mas ao decorrer da trama os espectadores vêem serem desconstruídos, um a um, os contos de fadas retratados ali. Uma das últimas cenas – e aqui exposta no início por sua tamanha importância à história – traz uma frase que resume o recado que eles querem passar: “Tome cuidado com o que você diz às crianças”.
Na trama central, um padeiro descobre que está sob o feitiço de uma bruxa que o deixou infértil, e que ele e sua esposa têm que ir até a floresta e trazer quatro ingredientes para fazer uma poção que reverteria esse feitiço. Os ingredientes são “uma vaca tão branca quanto o leite, um capuz tão vermelho quanto o sangue, um sapatinho de ouro e um cabelo tão amarelo quanto milho”
A história não é o que mais importa. Misturando Cinderela, João e o pé de Feijão, Rapunzel e Chapéuzinho Vermelho, o roteiro mostra o que acontece depois do ‘Felizes para sempre’, e avisa que pode não ser tão bom assim.
Cinderela está insatisfeita e descobre que era apaixonada pelo que idealizava do príncipe. Este, também admite que se apaixonou pela mulher que sempre corria dele, mas a rotina deixou o amor para escanteio, o que fez com que ele traísse a princesa com uma camponesa (também casada).
Cinderella (Foto: Reprodução)
O príncipe, inclusive, tem o ego inflado e a certeza de que poderia conquistar toda e qualquer mulher do reino. Quando tenta seduzir a camponesa (que é, por acaso, mulher do padeiro), diz a célebre frase que traduz sua personalidade e quebra o ideal do príncipe encantado: “Fui criado para ser charmoso, não sincero.”
O príncipe encantado e a camponesa (Foto: Reprodução)
Chapéuzinho canta uma música que deixa ainda mais explícita a relação de sua história com um caso de pedofilia:
“Mamãe disse, vá direto
Não se atrase, não se distraia
Eu deveria ter seguido seu conselho, mas ele parecia tão legal...
Ele me mostrou coisas
Coisas tão bonitas [...]”
Já João, que trocou sua melhor-amiga-vaca (branca como leite) por feijões mágicos, invadiu a terra dos gigantes no céu e roubou moedas de ouro e uma harpa, além de derrubar o pé de feijão e matar o gigante, o que acarretou a ira de sua esposa, que desceu para destruir o menino e acaba quase destruindo a vila inteira.
Rapunzel tem um caso de amor com o irmão do príncipe da Cinderela, que é igualmente narcisista e patético. Ela vai embora com seu amor depois de ser punida pela ‘mãe adotiva’, que no caso é a bruxa que puniu o padeiro e sua esposa.
A bruxa, Meryl Streep, é quem causa todos os pensamentos e divagações n os personagens, mas ela mesma também tem contradições e problemas psicológicos. Em primeiro lugar, a poção que ela fez o padeiro conseguir tem o único fim de fazê-la bela novamente (qualidade que perdeu quando o pai do padeiro roubou seus feijões mágicos).
Além disso, ela é uma mãe super-protetora (mãe de Rapunzel), que não deixa a filha sair da torre e conhecer o mundo por si mesma. Como consequência, é abandonada pela filha, que foge com o príncipe-narciso.
Voltando à cena do final (citada no começo do texto), vemos todos os personagens confusos, tentando matar a giganta que veio atrás de João, e culpando uns aos outros pelo caos que se instaurou. A bruxa, então, mostra para todos eles o quanto eles erraram (roubaram, desobedeceram aos pais, viveram uma fantasia) e, mesmo assim, só a bruxa que é sempre colocada como má. Ela desaparece, deixando diversos pensamentos na cabeça dos que assistem.
O roteiro não é original, mas sim adaptado de uma peça que existe desde os anos 80. A grande questão é que a Disney – criadora dos mundos mágicos e cheios de fantasia – pegou o discurso que existe contra os contos de fadas e reproduziu, ela mesma.
A classificação indicativa do filme é de 12 anos, o que mostra que ele não é para as novas crianças, mas sim para aquelas que assistiram Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida e tantos outros, e guardaram na memória a ilusão da vida perfeita.
Um príncipe infiel, uma criança de rouba, uma garota que mente para os pais,duas camponesas infelizes no casamento: se a Disney não está pedindo desculpas pelo cuidado que ‘não teve’ ao iludir as crianças por eras, está ao menos acatando à ideia de um público muito mais crítico a essas crenças.
Serviço
"Caminhos da Floresta" está em cartaz nos três cinemas de Cuiabá. Clique AQUI, AQUI e AQUI para conferir os horários.
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