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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Herbie Hancock de volta ao futuro

Jovem pianista que Miles Davis escolheu para participar de seu clássico quinteto dos anos 1960, autor de temas imortais como “Watermelon man”, “Cantaloupe island” e “Maiden Voyage”, pioneiro tanto do funk eletrônico (com o álbum “Head hunters”, de 1973) quanto do hip-hop e do electro (com a musica “Rockit”, de 1983), o americano Herbie Hancock é um daqueles poucos mitos do jazz que se expandiram para além do seu estilo. E, na entrevista exclusiva ao GLOBO, por telefone, de Los Angeles, a propósito das apresentações que faz em agosto no Brasil — em São Paulo (dia 22, no Credicard Hall), Paraty (23, em show ao ar livre, no festival MIMO) e Rio de Janeiro (24, no Citibank Hall) —, o pianista diz aquele frase que todo apreciador de música um dia espera ouvir dele:

— Estou montando um grupo novo, com uma nova direção. Estou indo rumo à próxima coisa!
Colaboração anunciada

Os músicos já estão escolhidos. Entre eles, anuncia Herbie, tem um cara “que é produtor, mas também um criador de música eletrônica, chamado Flying Lotus”. Sim, o americano Steve Ellison, 29, sobrinho-neto da pianista de jazz Alice Coltrane (viúva do saxofonista John Coltrane), mestre do hip-hop experimental-abstrato (herdeiro de Miles Davis na fase “Bitches brew”), que deixou a imprensa musical de quatro com os álbuns “Los Angeles” (2008), “Cosmogramma” (2010) e “Until the quiet comes” (2012, eleito um dos melhores do ano pelos críticos do GLOBO). Há alguns dias, uma foto de Hancock e Flying Lotus juntos apareceu na internet, sem mais informações, provocando rebuliço. O pianista dá os detalhes.

— Só nos encontramos duas vezes até agora — conta ele. — A primeira foi só para conhecê-lo e apresentar o meu estúdio e um pouco do equipamento que eu tenho. Ele me mostrou um pouco da música que tinha no seu iPod, eu toquei um pouco da música nova que eu tinha, mas não fizemos nada ali. Da segunda vez, eu fui ao estúdio dele e começamos a trabalhar em algo. Basicamente, era um solo de bateria que ele pegou em algum lugar. E aí fomos colocando instrumentos, como um (piano elétrico) Fender Rhodes em uma parte... Quer dizer, nós e o baixista que trabalha com o Flying Lotus, Thundercat, que também vai fazer parte do grupo. Ele tem muita técnica e ainda canta.

Sim, Thundercat. Ou melhor, Stephen Bruner, 28, que já tocou com um time que vai da banda punk Suicidal Tendencies à cantora de neo-soul Erykah Badu e que nesta semana lança seu segundo álbum solo, “Apocalypse”, de jazz-funk futurista. Outro músico que faz Hancock se lembrar de quando tinha 23 anos e Miles Davis o chamou, junto aos então igualmente jovens Ron Carter (baixo), Wayne Shorter (saxofone) e Tony Williams para acompanhá-lo. O pianista, hoje com 73 anos, é só entusiasmo com a nova banda.

— Só ouvi dois CDs do Flying Lotus. Não tinha ideia do quão viajante era o som dele! O cara quebra as barreiras, ele realmente está na vanguarda da música. Alguma coisa do que eu ouvi me lembrou da banda que eu tinha, chamada Mwandishi (com a qual gravou em 1970 o álbum “Mwandishi”, de experimentos eletrônicos). Há muita variedade em sua música, belas melodias. Estou animado e curioso com o que podemos fazer. Lá vou eu novamente rumo ao desconhecido!

Para completar a banda que Herbie traz ao Brasil (mas que estreia, oficialmente, dia 14 de agosto, em Santiago, Chile), estão o baterista (e velho escudeiro) Vinnie Colaiuta e o indiano Zakir Hussain, um mestre da tabla, instrumento de percussão típico de seu país.

— Conheço Zakir há muito tempo, tocamos algumas vezes, muitas delas lá na Índia. E, mais recentemente, em Los Angeles, no Hollywood Bowl, em um concerto para a paz, num grupo com Wayne Shorter, Carlos Santana, Marcus Miller e Dave Holland, este no baixo acústico. Zakir é alguém que respeito muito, como ser humano e como músico. Ele vai dar outra dimensão à coisa.

Hancock conta que ainda não preparou nada com o novo grupo (“É nisso que vamos começar a trabalhar agora”, diz), mas indica o que deve sair dali.

— Tem algumas das minhas músicas antigas que podemos tocar, não sei se com Flying Lotus, mas certamente com o trio (Thudercat e Vinnie Colaiuta). E temos que descobrir em quais temas Zakir vai tocar. Podemos ter um show com bastante diversidade, não há necessidade de que todos toquem em todas as músicas. Vamos ver como a coisa vai funcionar — diz ele, que deve usar piano acústico, sintetizadores, vocoder, keytar e outros instrumentos eletrônicos, como que a sugerir uma volta aos tempos de “Rockit”. — Tem alguma relação, sim, com “Rockit”, aquele foi o ponto inicial. Já tem quase 30 anos. Hoje não consigo acompanhar mais as novidades da mesma forma que naquela época. Flying Lotus é algo novo para mim. Mas tenho ouvido muita coisa recente, como Pretty Lights, Skrillex e outros. Adoro o fato de que tudo muda, de que há novidades no horizonte.

Dia internacional do jazz

Mas nem só de atividades musicais tem sido feita a vida de Herbie Hancock ultimamente. Há dois anos, ele foi nomeado embaixador da boa vontade da Unesco para a promoção do diálogo intercultural. Nisso, ele visitou países como Camboja e Indonésia e levantou a ideia de organizar um Dia Internacional do Jazz, que neste ano teve a sua segunda edição, em 13 de abril. A participação de Herbie como músico se deu em um grande concerto em Istambul, no qual encontrou velhos amigos, como Milton Nascimento, Wayne Shorter e a baixista Esperanza Spalding.

— Foi realmente um evento, houve manifestações em todos os países. O Dia Internacional do Jazz começou em Auckland, na Nova Zelândia, e foi celebrado até mesmo na Coreia do Norte, na Síria, no Iraque, Irã e Afeganistão — conta. — Nosso foco principal é a paz, mas estamos atentos a muitos outros problemas do mundo, como a escassez de comida e de água, a falta de escolas, de habitações... Tudo isso afeta a capacidade das pessoas de se entenderem. Esse trabalho tem me ajudado a expandir meu conceito de utilidade. A música não é a única forma que eu tenho de ajudar a salvar o mundo.
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