Olhar Conceito

Terça-feira, 23 de abril de 2024

Notícias | Literatura

Editores e livreiros relembram evolução e apontam desafios da indústria do livro

RIO - Mais livros, mais festivais literários, mais autores. O mercado editorial cresceu nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 90, quando se tornou mais profissional e competitivo. Sempre presente desde a fundação do GLOBO, em 1925, a cobertura do mundo dos livros ganhou mais espaço em 1995, com a criação do Prosa (na época, Prosa & Verso).

O suplemento surgiu para seguir de perto uma produção cada vez maior, que continua a pautar também outros espaços do jornal, como o Segundo Caderno. Entre 1990 e 1995, o número de títulos no país passou de 22.479 a 40.503, dobrando também o faturamento com a venda de livros (cerca de R$ 900 milhões contra 1,8 bilhão). Acompanhar a evolução desse mercado gigante ainda é um desafio para editores, escritores e livreiros.

— O mercado editorial brasileiro se tornou muito competitivo nos últimos 20 anos. O surgimento de várias editoras e a chegada ao Brasil de grupos internacionais contribuiu para a profissionalização do setor — avalia Marcos Pereira, sócio da editora Sextante e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

Realizada anualmente desde 1990 pelo Snel e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a pesquisa da produção e vendas do setor editorial revela uma maior variedade no mercado. Entre 1990 e 2014, o número de títulos quase triplicou (de 22.479 para 60.829), mas o número de exemplares vendidos duplicou (de 212 milhões para 435 milhões), o que sugere mais títulos com tiragens menores. As listas de mais vendidos refletem transformações econômicas e sociais do país nos últimos anos.

— Duas décadas atrás, as listas estariam compostas em grande parte por títulos de ficção literária e não ficção sofisticados. Também havia uma forte participação de obras nacionais. Elas refletiam o consumo concentrado no segmento de alto poder aquisitivo. Hoje, a lista reflete um consumo mais vigoroso e também mais popular, como títulos infantojuvenis, livros ligados a filmes e fenômenos pop globais. Raramente aparece um título literário — diz Roberto Feith, consultor, editor especial e representante nas entidades de classes da Objetiva e da Companhia das Letras.

FUSÕES E MERCADO DIGITAL

Fundador da Objetiva, Feith participou de uma das grandes transformações recentes do mercado nacional: a chegada dos conglomerados editoriais internacionais. Em 2005, a espanhola Santillana comprou 76% das ações da Objetiva. Em 2011, foi a vez de a Companhia das Letras ter 45% de suas ações comparadas pela britânica Penguin, que no ano seguinte se fundiu com a americana Random House. Em 2014, o grupo Penguin Random House comprou selos da Santillana, entre eles a Objetiva, o que abriu a porta para que a Companhia das Letras se tornasse a nova dona da Objetiva.

O interesse estrangeiro pelo mercado nacional se justificava pelas vendas crescentes no país. Uma das referências foi o sucesso de “O código da Vinci”, publicado aqui pela Sextante. Pouco antes do lançamento, em 2004, Marcos Pereira revelou ao GLOBO sua aposta no então pouco conhecido livro de Dan Brown. Era uma sugestão do pai de Marcos, Geraldo Pereira, fundador da Sextante, que convenceu “com seu entusiasmo os filhos a apostarem na praia da ficção, praticamente inexplorada pela Sextante, que nasceu há cinco anos especializada em autoajuda e espiritualidade”, contava a reportagem.

Atingido em cheio pela crise econômica este ano, com recessão anunciada — tema da reportagem de capa do Segundo Caderno em 4 de junho —, o mercado editorial tenta se adaptar à revolução do livro digital, que ainda não chegou de vez no país. Em 1995, a primeira edição do Prosa & Verso já mencionava uma polêmica sobre isenção de impostos para livros eletrônicos (na época, em CD-ROM), antecipando futuras discussões, como a extinção do papel.

“O livro eletrônico não ameaça o livro impresso”, previa o editor Sérgio Machado, do Grupo Record, entrevistado na reportagem. Nos anos seguintes, as páginas do jornal comentariam os desdobramentos do digital, abordando temas como os aspectos econômicos do e-book, os novos caminhos da edição com a autopublicação e a entrada da Amazon no mercado.

Em 2001, uma reportagem do GLOBO explicava o crescimento da Bienal do Livro, que servia de medida para o fortalecimento do mercado editorial no país. A primeira edição, em 1983, teve apenas 88 expositores e um público ínfimo. Dez bienais depois, o evento registrava a visita de 560 mil pessoas em 11 dias e um “faturamento de R$ 20 milhões pela venda de 1,620 milhão de livros, 410 mil a mais que há dois anos”, apontava o texto. Na próxima Bienal, em setembro, está prevista a presença de 150 expositores.

— A Bienal do Rio conseguiu se tornar um grande programa familiar e juvenil, trazendo para o Brasil autores consagrados que foram tratados como celebridades — diz Pereira.

FLIP COMO REFERÊNCIA

Outro evento que serve como exemplo do fortalecimento do setor é a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Em 2004, o GLOBO fazia um balanço da segunda edição do evento, que “atraiu editores e agentes literários de todo o mundo e consolidou-se como um grande sucesso no calendário cultural do país”. A reportagem também citava uma “torcida do contra” que teria que “inundado” o mercado editorial pouco antes. Onze anos depois, o modelo inaugurado pela Flip se expandiu por todo o país, que viu uma multiplicação de festas literárias.

Apesar do sucesso desses eventos em torno de autores e livros, ainda se lê pouco no Brasil. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada ao Ibope em 2012, concluiu que a parcela de não leitores aumentou de 45%, em 2007, para 50%, em 2011. Em 2014, cerca de 435 milhões de exemplares, incluindo didáticos, foram vendidos no Brasil — número considerado ainda modesto em um país com 200 milhões de habitantes.

Sócio da Livraria da Travessa, que abriu em 1986, na Travessa do Ouvidor, e hoje tem sete lojas no Rio e uma em Ribeirão Preto, Rui Campos acompanhou todas as transformações dos mercados desde que começou a trabalhar com livros, há 40 anos. Ele acredita que “sempre houve pouquíssimas ações” de políticas públicas para o setor do livro nesse período.

— Uma discussão que acompanhamos há muitos anos é a da lei do preço fixo para livros, que prefiro chamar de “lei do preço justo” — diz. — Seria um benefício para todos. Muitos consumidores pensam que ela acabaria com os descontos, mas a médio prazo haveria uma redução real do preço médio dos livros. Ela permitiria o aumento das tiragens e da bibliodiversidade e a redução do poder do best-seller.

Para Campos, a formação de leitores é “a grande questão do país hoje”.

— O desafio é aumentar a oferta e o acesso aos livros. A popularização de festivais como a Flip, a defesa da lei do preço fixo e a expansão de livrarias como a Travessa fazem parte desse movimento. Estamos todos no mesmo barco.
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet