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Estudo da UFMT mostra como Lady Gaga "empoderou" símbolo nazista de opressão aos gays

Da Redação - Isabela Mercuri

Durante a Segunda Guerra Mundial, os campos de concentração nazistas possuíam um sistema de diferenciação das pessoas condenadas à morte por meio de formas geométricas. Nas roupas dos homens homossexuais, eram colocados triângulos cor-de-rosa. Esta marca, por muito tempo, foi símbolo de homofobia, morte e sofrimento. Foi pensando em desvendar a mudança de significado do triângulo rosa no trabalho da cantora americana Lady Gaga, que Brendon Silva Coelho, estudante de letras da Universidade Federal de Mato Grosso (campus Barra do Garças), decidiu o tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), entregue neste ano de 2018.

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Brendon é fã da cantora desde 2009, e se auto-intitula um ‘little monster’ (como são chamados os membros do fã-clube de Gaga). “Quando ela sangrou em um palco, na premiação do VMA, eu pensei ‘Nossa, que mulher doida! E eu amo isso’. Desde então, fiquei obcecado pelo trabalho dela. Lady Gaga é definitivamente uma artista magnífica em tudo aquilo que ela faz, seja atuando, compondo, cantando, performando”.

Apesar de todo o amor e admiração, ele nunca tinha pensado em estudar o trabalho da artista. Até que, no penúltimo semestre do curso, durante a disciplina ‘Análise de Discurso’, se encontrou. A professora Águeda Borges – que se tornou, depois, sua orientadora – abraçou a ideia.

Como pesquisador acadêmico, Brendon precisava de um ‘problema’ de pesquisa.  “O problema da pesquisa foi justamente esse deslocamento de sentidos do triângulo rosa, que no Holocausto Nazista tinha um significado de incompreensão, morte e derramamento de sangue inocente, e obteve outro significado tempos depois, como um símbolo de luta e resistência dos homossexuais. Para o melhor entendimento, é como a cruz na qual Jesus Cristo foi morto e crucificado, que hoje é símbolo do mártir, sendo assim reconhecida como um símbolo sagrado para algumas pessoas ou religiões. É em cima desse valor e significado atribuído aos símbolos que fiz meu trabalho.”.

Para chegar à conclusão, o graduando se baseou principalmente em teóricos que estudaram, antes dele, os discursos, como Michel Pêcheux, Foucault e a brasileira EniOrlandi. “De um modo geral, pesquisei o objeto ‘triângulo rosa’ e sua ressignificação, a construção do sujeito Lady Gaga e a interpelação de outros discursos que  motivaram a cantora a trabalhar esse conjunto conceitual de Born This Way (letra, música, vídeo). Percorri outras esferas de pesquisas, como por exemplo: a homossexualidade na bíblia, na sociedade, no campo científico/biológico, a construção dos símbolos na história da humanidade e a cultura da música pop e suas ideologias”.

Conhecida por seu trabalho fora do convencional e provocativo, Lady Gaga é um dos maiores ícones do mundo LGBT. Em ‘Born This Way’, que se tornou um hino de aceitação, ela canta: “Don't hide yourself in regret / Just love yourself and you're set / I'm on the right track, baby / I was born this way (Born this way)” (Não se cubra de arrependimentos / Apenas ame a si mesma e você estará bem / Eu estou no caminho certo, baby / Eu nasci assim).             
                                                         



O videoclipe desta música começa e termina com o triângulo rosa. “A história deste símbolo me causou muita inquietação desde então. Foi aí que me dei conta de que ela quis dar um novo significado a ele, pois a letra da canção fala justamente de auto-aceitação, superação e empoderamento”, explica Brendon.

Segundo o agora professor, algumas pessoas ofereceram certa resistência em aceitar seu tema. Todas elas, no entanto, de fora da Universidade. “Uma pequena parcela acha que meu trabalho não possa contribuir para nada (e para ser bem sincero, não dou a mínima). Os acadêmicos em si ficaram fissurados pela história que rodeia o estudo (principalmente os do meu curso). Os professores e a banca amaram (uma professora até chorou depois que apresentei o videoclipe no meio da apresentação da monografia)”, lembra.

No país que mais mata LGBTs no mundo (144 mortes em 2016), compreender a necessidade de ressignificar símbolos como o triângulo rosa, transformado em uma marca de aceitação, é necessário. Mais que isso, entender de que forma os artistas conseguem fazer essa mudança, é uma forma de compreender as estratégias da comunicação. “Espero que meu trabalho contribua para a compreensão da arte engajada e quase sempre incompreendida da cantora Lady Gaga, e que a história por de trás do triangulo rosa sirva para a conscientização da homofobia, de uma sociedade que sempre impôs padrões heteronormativos desde os primórdios dos tempos marginalizando todos aqueles que não pertencem a ela”, finaliza Brendon.

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