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Notícias / Comportamento

Professora quilombola conclui mestrado sobre educação e identifica racismo até nos livros didáticos

da Redação - Isabela Mercuri

A professora quilombola Gonçalina Eva Almeida de Santana, moradora do quilombo de Mata Cavalo desde que nasceu, há 42 anos, defendeu em fevereiro deste ano sua tese de mestrado sobre a educação em sua comunidade. Nos dois anos de pesquisa, identificou que há alguns professores focados em trabalhar os saberes locais. No entanto, há muito caminho a se percorrer, já que foi identificado racismo até mesmo nos livros didáticos.

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A tese “Saberes e fazeres quilombolas: um olhar sobre as práticas pedagógicas da área de ciências humanas da escola de Mata-Cavalo” foi feita com orientação da professora Profa. Dra. Suely Dulce de Castilho, do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Seu objetivo era verificar se a prática na Escola Estadual Quilombola Tereza Conceição Arruda estava de acordo com as orientações curriculares para a educação quilombola, e se os professores estavam falando sobre os etnosaberes, utilizando uma mistura do conteúdo científico com o saber local da comunidade.

“A luta por educação formal sempre foi uma luta dos matacavalenses, do meu bisavô, da minha bisavó, da minha mãe e o meu”, contou ao Olhar Conceito. “A gente luta por uma educação diferenciada, um currículo que constrói uma imagem positiva do negro,  o reverso do que vem sendo feito nos últimos 500 anos”.

Com seu trabalho, Gonçalina descobriu que, quando os professores são formados nas áreas de ciências humanas e têm mais tempo de serviço, eles trabalham estas questões. No entanto, para o ‘professor polivalente’, que tem menos tempo na área, falta formação para que faça esse trabalho com mais aperfeiçoamento, com mais riqueza.

Na Escola do quilombo de Mata Cavalo trabalham tanto professores quilombolas quando não quilombolas. Para Gonçalina, a diferença é nítida. “Quem é da comunidade já vive esses saberes e tem o compromisso com essa educação diferenciada. Com os que não são, a gente tem que fazer a formação para que eles conheçam e saibam a importância de se trabalhar o saber diferenciado”.


Escola Estadual Quilombola Tereza Conceição Arruda (Foto: Google Earth)

A importância, de acordo com a pesquisadora, está em desenvolver a autoestima dos alunos e fortalecer a identidade quilombola deles, e a ideia de pertencimento e orgulho. “Outrora, antes que fosse feito este trabalho diferenciado, as pessoas negavam, muitas vezes, tinham vergonha de se reconhecer como quilombolas. Hoje as crianças se identificam com orgulho, quem fazia chapinha está assumindo o cabelo cacheado, conhece a sua origem, de onde veio, e quando a gente levanta essa autoestima, a gente levanta também o querer de saber mais”, explica. Hoje, por exemplo, há mais de 40 matacavalenses cursando nível superior.

Como consequência indireta deste orgulho, está também a capacidade de se defender ou pelo menos identificar melhor situações de racismo. “Evitar, não tem como. Mas antigamente muitas vezes as pessoas sofriam racismo e se contentavam em dizer que foi um momento de raiva. Hoje não. Elas estão preparadas para argumentar contra o racismo”, afirma.

Racismo este que, inclusive, foi encontrado nos livros didáticos da escola estadual, principalmente por meio de estigmatização dos negros. Como resposta, a comunidade está construindo seu próprio material didático, que será utilizado a partir de 2020.

Dia da consciência negra

Para tratar do orgulho negro e quilombola, e em alusão ao Dia da Consciência Negra, foi realizado na última terça-feira (19) a 8ª feira cultural da Escola Estadual Quilombola Tereza Conceição Arruda, com apresentações culturais, exposição de artesanato, de comidas quilombolas, seminários sobre sementes crioulas, dentre outros. Aberto à população, o evento contou com a presença de alunos de escolas de Cuiabá, Várzea Grande, Poconé e Livramento.

Para Gonçalina, a data é importante para homenagear e lembrar de heróis negros que ficaram no anonimato. “Com este 20 de novembro, temos a oportunidade de divulgar heróis que viviam anonimamente, até mesmo dentro das nossas próprias casas. E também de mostrar que o negro não tem mais ascensão social por conta de falta de oportunidade e do racismo. A gente aproveita essa semana para fazer esse tipo de conscientização e sensibilização, e repetir que o negro é inteligente, sabe fazer, mas a oportunidade lhe é tirada”, finaliza.
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