Notícias / Literatura
Pen drive de uma nota só
Iuri Ibê Gomes e Rodrigo Maciel Meloni
Meloni
Um isqueiro de caminhão chiava ao longe.
Era pequeno.
Fazia chamas parceladas.
Uma a cada contento.
Dois olhos de um gato simétrico pisaram em ovos.
Era o primeiro aviso. Depois do acidente, quis dançar.
Colou com cuspe a metade de baixo da perna esquerda com a parte superior correspondente.
não ficou muito bom, contudo o arremendo lhe mantinha em pé.
procurou pelo outro olho que lhe tinha pulado a cara fora, no momento exato do acidente. Não achou.
seu tórax, torcido como pano de chão pelas leis da física lhe dava uma mobilidade mórbida-graciosa.
Quando entoava, com seu corpo esquálido, uma coreografia bizarra e sinistra de Like a Virgin, transportava o urubu - seu único companheiro - para um clipe do Michael Jackson dirigido pelo Tim Burton.
E ele era a própria cara da felicidade.
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Enquanto isso, ao fundo, o carro ardia em chamas.
Simples
Os faróis estavam pela metade, iluminando o caminho a conta-gotas.
Não se tinha noção do que viria pela frente.
E quase que do nada, um precipício, um abismo.
A queda foi feia, uma bela desgraça.
Triste e desfigurado, olhou para o lado e viu a placa de aviso.
Placa essa que adrede ele mesmo havia jogado fora.
Meloni
Chama Zozi, ela tem o fim.
Simples
Foi embora, manco e triste e desolado.
Uma imagem boa para ser fotografada ou ilustrada em cores fortes.
Aos poucos tirou a poeira dos ombros, acertou a coluna e endireitou os olhos.
Ecoou em si mesmo por incúria, e exangue decidiu navegar.
O oceano de outrora estava seco.
Sabia desde já que teria de navegar a seco.
E sem esperanças de uma nova maré.
Pensou para consigo diante do espelho fragmentado em pedaços freudianos.
Pensou algo insondável. Estava diante de tanta vontade, de tanto desejo; inúmeros os ensejos que cravavam sua mente.
A mente, nada mais que um fraco e manco entendimento da alma.
Cansara de decisões, perguntas e respostas.
Ficou entre o fim inerte e o começo galopante, ante, ante.
Não ventava mais. As nuvens também se cansaram.
Já não era mais um monumento a diversão, sequer uma estátua ao gozo. Já não gozava mais de status nenhum. Um, um.
Situação penosa, onerosa.
Os ombros voltavam a se debruçar sobre sobre.
Seus olhos caíam definitivamente ao horizonte.
Agora, regurgitava não só lembranças e esperanças, vomitava demônios whitmanianos.
Simples
O vento, é óbvio, não respondeu.
Indagou-se sobre o paradeiro da menina Madeleine, sobre as supernovas em seu peito e sobre a consistência do que nã se desmancha no ar.
Eram muitas perguntas para um momento não tão apropriado, convenhamos.
Saiu a caminhar simplesmente, belos passos mancos, em falso.
Falso em sentido literal, pois queria ficar parado regurgitando lembranças - por puro exercício fisiológico.
Queria diferir a vontade de ferir os próprios sentimentos.
Mas era inevitável: um refrão necessário diante de estrofes tão alexandrinas.
Parou em frente à ponte, e hesitou um salto.
Não cabia a ele aquela decisão.
Meloni
Perdido entre tantas contruções meta-meso-filosóficas, cansou-se das aspas, afins e amenos.
Dropou 32 polegadas entre entranhas. As de uso próprio.
aquelas com as quais horas antes - 32 segundos para ser mais exato - lhe auxiliavam a defecar o mundo.
Aquilo tudo só podia ser uma piada dorothiana.
Um meio morto meio vivo de perna colada a cuspe, uma bela canção em decomposição.
Se inquiriu: Oh, e agora, Dor casimiriana, o que me reservas dentro de um futuro tão hussista?
Já não posso mais ser Otelo de mim mesmo!
A resposta, veio logo. Em forma de capô, que acabara de se desprender da carcaça intelegível que se tornara seu carro vermelhusco. Estava ele ali, enterrado ao lado de seu guia, expelindo parafusos e sentimentos sobre o dono seu.
A peça de metal chapada abrandou sobre seu rosto infimamente esmagado, pastelando-o ainda mais ao chão.
Definitivamente não era um príncipe de sorte. Tal perístase era por um tanto quanto demasiada para ele.
Infortúnio tamanho, tal qual o peso de cem mil dores em um único centímetro.
O que fizera para merecer tanto, ingadou ao vento.
Simples
De forma rasa ele profundamente filosofou por uns instantes.
Cousa de ébrio de dor, maluco da pedra, político das idéias vagas.
Queria entender como aquilo pôde acontecer, como ele se deixou levar pela idéia de voltar ao tempo em que nada o dividia.
O corpo já não respondia aos comandos, nem aos pensamentos.
Desenhou no ar um aforismo nietzschiano.
Quis pagar para ver, pois o preço da queda foi alto.
Logo para ele, tão incompleto quanto o sorriso de Chet Baker.
E tão belo quanto uma música inacabada, em eterna construção melódica.
aspasVou tentar ser um pouco Bukowski da próxima vezaspas, aconselhou-se.