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Notícias / Comportamento

Seria melhor ter folga no Eid al-Fitr: Islâmica de Cuiabá não trabalha no Natal, mas tem que abdicar de suas próprias festas

Da Redação - Isabela Mercuri

Rebeca Segovia já foi católica e evangélica, mas foi no Islã que se encontrou. No ano de 2013, seu filho Enzo começou a freqüentar a Mesquita em Cuiabá, junto com um amigo. Depois de algum tempo levando-o ao local, ela decidiu conhecer um pouco mais sobre aquela fé. Enzo converteu-se em julho e Rebeca em novembro.

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Desde então, ela relata que seu relacionamento com Deus ficou mais forte: “Na oração nós fazemos aquele movimento de prostração, com a testa no chão, e quando eu faço isso é uma entrega total. Essa foi a mudança mais significativa na minha vida”.

Ser islâmica em Cuiabá, no entanto, foi um desafio. Rebeca conta que já passou por diversos momentos de discriminação por conta de sua religião estar aparente, já que ela usa o hijab (véu): “A gente vive em um Estado Laico em tese. Tem gente que me pergunta se muçulmano toma banho, já perguntaram se eu falo hebraico, se eu sou careca, se eu tenho câncer”. Ela, que trabalha no Tribunal de Justiça, afirma que o maior preconceito vem de seus colegas de trabalho.

“Uma senhora uma vez me disse: É legal esse negócio de pano na cabeça, né? Porque aí não precisa arrumar o cabelo! Eu falei pra ela que meu cabelo é mechado, hidratado, tem escova inteligente. A única diferença é que eu não mostro a minha beleza para qualquer pessoa”, conta.

Quando questionada sobre a convivência em uma sociedade majoritariamente cristã, Rebeca explica que o Islamismo não é o oposto do Cristianismo: “O profeta Mohammad confirmou o que Jesus falava, assim como Jesus confirmou Moisés. A diferença é que para nós não existe intercessor, nós nos relacionamos diretamente com Deus”.

Sentada em uma mesa redonda na sala de estar de seu apartamento, Rebeca conversa também com sua amiga Khadija, islâmica há mais tempo, e que explica algumas questões essenciais da religião. Ela explica que o islamismo está fundado em cinco pilares essenciais: a ideia de um Deus único e de que Mohammad é seu profeta e mensageiro; as cinco orações diárias; a caridade individual e o Ramadã e a peregrinação à Meca.


Henna nas mãos de Rebeca - tradição árabe

Deus único:
Allah é o mesmo Deus que o Deus cristão. A diferença está somente na língua em que a palavra é dita (Allah – Árabe);

Mohammad: Ao contrário de Jesus Cristo, ele não é considerado Deus ou filho de Deus. Ele foi um profeta que trouxe a palavra de Deus para a terra, mas não é adorado.

Caridade individual: Os islâmicos devem doar 2,5% do lucro ou para os irmãos necessitados ou para a Mesquita. Ao contrário do cristianismo, não são 2,5% do que é recebido, mas 2,5% do que sobrar depois de pagar todas as contas.

Ramadã: Jejum durante cerca de um mês, da hora que o sol nasce até a hora que o sol se põe. Neste período não é permitido consumir água, alimento ou fazer relação sexual.

Raj: A peregrinação à Meca pelo menos uma vez na vida e circundar a pedra sagrada (que tem a marca do pé de Abraão).

Khadija explicou, ainda, que os islâmicos seguem os três livros sagrados, Alcorão, Bíblia e Torá: “Mas nós seguimos os mandamentos da bíblia que são confirmados no Alcorão, porque como ela foi muito traduzida, os homens a modificaram de acordo com suas vontades”, explica.

As festas

No islamismo existem duas festas sagradas, o Eid al-Fitr, que marca o final do Ramadã, e o Eid al-Adha, dia em que os islâmicos recordam o sacrifício do profeta Abraão sacrificando carneiros.

Rebeca explica que nos países árabes são feitos quatro dias de festa para cada uma destas datas. No Brasil, no entanto, o máximo que ela consegue fazer é comemorar depois do expediente. “No dia do al-Fit a gente vai lá, faz oração, toma café da manhã e volta a trabalhar”, comenta Rebeca. “Eu penso que a gente deveria ter mais inclusão”.

Khadija completa com um desejo seu: “É muito melhor nos colocar para trabalhar nos feriados cristãos e nos dar a garantia de ter folga nas nossas festas”. O que elas conseguem fazer, às vezes, é organizar o banco de horas para comemorar essas datas.

Enquanto isso não acontece, elas continuam não indo trabalhar no natal. Mas explicam o que pensam da data: “Nós muçulmanos não comemoramos aniversário de nenhum profeta. Além disso, na bíblia não está escrito com certeza a data do nascimento de Jesus. Eu acredito, no entanto, que a melhor forma de reverenciar a Cristo seria cumprindo o que ele falou e amando uns aos outros, não se reunindo para beber álcool, comer carne de porco e falar feliz natal para quem você não gosta”, comenta Rebeca.

Cultura árabe


Café árabe não é coado

Uma das razões do preconceito com os islâmicos é a confusão entre o que é cultura árabe o que é, de fato, a religião. Khadija explica que muitas ideias erradas são passadas pela mídia. Enquanto elas tomam um café árabe (que não é coado), explicam que ‘ler a borra’, prática mostrada pela novela O Clone, é considerado “haraam” (pecado) na religião, já que o futuro só pertence a Allah.

Na sala de Rebeca há, ainda, um narguille: “Também é Haraam”, diz Khadija, “Não faz bem ao corpo, é dinheiro jogado fora, mas faz parte da cultura árabe”. Outros aspectos culturais que se confundem com religião são o uso da burka (só o hijab é obrigatório), o terrorismo e as hennas.

“Nós fazemos henna nas mãos para embelezá-las, porque não podemos usar esmalte”, explica Rebeca. O esmalte, para elas, impede que a água penetre nas mãos e as purifique antes de cada oração. Mas a henna não faz parte da religião: a que Khadija faz é, inclusive, de design indiano.
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