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Base torta: proposta de nova visão não durou dois anos na CBF

Globo Esporte

 O trabalho que culminou na forte seleção alemã de Schweinsteiger, Müller e companhia não é de hoje. O pontapé inicial veio ainda antes da Copa do Mundo de 2002, quando o Brasil venceu os alemães com dois gols de Ronaldo. O trabalho passava, necessariamente e obrigatoriamente, pelas categorias inferiores. O que se vê menos nos 7 a 1 para a Alemanha ou nos 3 a 0 para a Holanda e mais nas últimas competições de base, quando o Brasil perdeu mais do que costume, é que no país uma proposta de renovação não durou mais do que dois anos.

A eliminação por 2 a 1 para a Holanda, em Porto Elizabeth, na África do Sul, em 2010, retirou Dunga da Seleção e abriu as portas para Mano Menezes em dezembro daquele ano. O então técnico do Corinthians indicou Ney Franco para coordenar as seleções de base, que levou Emerson Ávila para a sub-20 e Marquinhos Santos para a sub-17, todos profissionais com experiência em trabalhar com a garotada em clubes. Ainda em 2011, os primeiros resultados apareceram, com títulos em todas as categorias. Sul-Americanos foram conquistados no sub-15, sub-17 e sub-20, assim como o Mundial desta categoria, disputado na Colômbia.

Ganso e Neymar sustentaram o início do trabalho de Mano na seleção. Eles eram as estrelas ascendentes do Santos. Mas o fracasso na final das Olimpíadas de 2012, contra o México, a incapacidade para vencer os grandes adversários e a queda de Ricardo Teixeira derrubaram aos poucos Mano Menezes. Ney Franco aceitou proposta do São Paulo, Marquinhos Santos, do Coritiba, e restou apenas Emerson Ávila, que acumulou funções e foi demitido após a péssima campanha no Sul-Americano sub-20 do ano passado, na Argentina (uma vitória, um empate e duas derrotas). O fracasso na competição custou a demissão de Emerson Ávila e a chegada de Alexandre Gallo, que tinha rodado por 10 clubes brasileiros, mas nunca trabalhara com a base.

Para os especialistas em trabalho de base, a falta de continuidade de gestores, diretores e treinadores é o primeiro passo para o fracasso de uma política de renovação no futebol. Como os profissionais de base recebem menos do que quem trabalha em cima, uma oferta pouco mais vantajosa logo causa a troca - o caso mais emblemático era o de Ney Franco, que organizou, por exemplo, seminários com 38 coordenadores de base no país e conseguiu unificar o calendário dos clubes, além de criar uma nova competição nacional de divisões inferiores. Mas o plano de reunir treinadores e preparadores físicos de importantes clubes brasileiros, justamente para se iniciar a discussão de uma mínima padronização que facilitasse o trabalho nas seleções de base, ficou pelo caminho. Era parte do planejamento e um pedido hierárquico de Mano para Ney Franco, mas nunca foi colocado à frente.

- O Brasil parou no tempo. Ainda temos bons jogadores, mas os outros também têm. Antes, eles davam chutão e nós ficávamos com a bola. Hoje, nós damos chutão e eles tocam a bola - comentou Emerson Ávila, que está sem clube.

Enquanto esteve à frente da base na CBF, Ney Franco alertou para esse atraso do futebol brasileiro. Ele vê uma possibilidade de parceria entre clubes e a confederação para melhorar os campeonatos e ajudar na captação de atletas.

- Dentro de um novo pensamento de base, a CBF é importantíssima no processo. Só revelamos grandes talentos porque os clubes têm um trabalho intenso na captura do atleta. Mas é preciso montar um grupo de estudo na CBF, trazer gente de clubes, ex-atletas, profissionais que saem de universidades e que façam um grande trabalho nisso. A Holanda vem fazendo um bom trabalho. Todo país, com a exceção da Alemanha que é um caso à parte, é muito dependente dos clubes - disse Ney Franco, que espera montar no Flamengo um modelo que possa servir a outros clubes do país.


À frente do trabalho de base da CBF, recentemente Gallo conseguiu conversar com clubes brasileiros, algo que já vinha sendo feito pela equipe de Ney Franco, e ainda viajou para fora a fim de evitar novos casos de naturalização semelhantes ao de Diego Costa. Recentemente, um time sub-21 do Brasil venceu o torneio de Toulon, na França, um dos mais tradicionais da categoria. Mas também houve uma dura derrota para os EUA por 4 a 1 numa competição sub-15. A seleção brasileira voltou a ser batida pelo México no Mundial sub-17 (perdeu nos pênaltis nas quartas de final). Olhando mais para trás, o último título mundial sub-17 foi em 2003. Gallo não foi encontrado pela reportagem para falar sobre o trabalho na base.

Há um bom tempo, o aproveitamento de jogadores da base brasileira diminuiu. Nesta Copa, como mostrou pesquisa do blog Na Base da Bola, oito jogadores não passaram por seleções de base: Victor, Thiago Silva, Henrique, Dante, Paulinho, Bernard, Hulk e Fred. Da equipe campeã mundial sub-20 de 2011, apenas Oscar - autor dos três gols na final contra Portugal - aparece no time de Felipão hoje. Ficaram pelo caminho nomes como Philippe Coutinho e Casemiro. No vice-campeonato da categoria de 2009, os destaques eram Alan Kardec, Alex Teixeira, Ganso e Giuliano. Olhando mais atrás, em 2007, David Luiz, Pato, Jô e Renato Augusto formavam o time que também fracassou.

A geração da Alemanha que vai disputar a final da Copa do Mundo já chamava a atenção, pelo menos na Europa, desde 2009. Seis jogadores que estarão em campo diante da Argentina, no domingo, às 16h (de Brasília), no Maracanã, conquistaram a Euro sub-21: O goleiro Neuer, os zagueiros Boateng, Höwedes e Hummels, e os apoiadores Khedira e Özil. Toni Kroos, que marcou duas vezes contra o Brasil, foi eleito o melhor jogador do Mundial Sub-17 em 2007, quando os alemães chegaram às semifinais. Götze também surgiu em competições de base. Lahm e Schweinsteiger, os primeiros frutos desse mapeamento, atuam nas seleções de base do país desde a sub-16.

- A gente precisa, de uma vez por todas, acordar para a realidade, que está na nossa cara há muito tempo. E não é por causa da derrota, é do modo de jogar do futebol brasileiro, o Campeonato Brasileiro é muito fraco, ninguém arrisca. Jogamos vários torneios contra times alemães. Eles mudavam de posição o tempo todo. O Götze no primeiro jogo foi meia, no segundo jogo, volante, e no terceiro, lateral-esquerdo. E isso para aprimorar os conhecimentos dele, no sub-20. Quando você vê a Alemanha hoje, quem é o primeiro volante? Ninguém e todo mundo. Schweinsteiger, Khedira, Kroos, saem para o jogo, e quando voltam, sabem exercer a função. Estou fazendo isso no sub-15 do Vitória, para obrigar os jogadores a pensar diferente, e há uma resistência muito grande - relatou João Paulo Sampaio, coordenador técnico da base do rubro-negro baiano.

Ganhar ou formar?

O dirigente do Vitória também é um dos que veem defeito na formação dos profissionais que trabalham com base no Brasil. “Aqui, qualquer profissional pode ser treinador. Lá fora, você faz dois anos de cursos, aqui, faz uma semana”, compara Sampaio. Francisco Adolfo Ferreira, especialista em gestão esportiva e criador do Centro de Excelência em Performance do Futebol (Ceperf), trabalhou no futebol e em categorias de base por mais de 10 anos. Ele publicou artigo após a derrota para a Alemanha de 7 a 1 e classificou a humilhação sofrida pela seleção brasileira como o “11 de setembro” do nosso futebol. Ele só acredita num processo a longo prazo de mudança no trabalho de base no país e na CBF.

- De dois anos para cá, até criaram (a CBF) um curso de capacitação. São três módulos longos. Imagina se um treinador do Pará vai conseguir se deslocar até a Granja Comary, com custo alto? Se é impossível colocar em cada capital, pelo menos é preciso regionalizar, democratizar mais isso. Se não, o cara vira treinador automaticamente, vira mero repetidor do que recebeu como atleta. Com um agravante, a maioria começa na categoria de base. E a formação tem que ser olhada com mais carinho. Falta visão científica e sobra empirismo - criticou Adolfo Ferreira.

A velha máxima de que "a base é para revelar talentos, não ganhar campeonatos" também sofre contestação. Para Ferreira, esta constatação é um discurso falso. Como exemplo, ele cita a saída de Emerson Ávila da seleção brasileira, após a campanha ruim no Sul-americano do ano passado.

- Essa conversa de que tem que formar, não vencer é um velho discurso hipócrita. Nos clubes grandes, se não conseguir resultado contra o rival, o cargo fica a perigo igualzinho no profissional, porque há a pressão normal, de conselheiros e dirigentes do clube. Há uma realidade diferente em clubes ligados a empresários, como o Audax, o Desportivo, da Traffic. Ali eles fazem um trabalho mais criterioso, sem tanta pressão por resultado, mais para revelar os atletas e vender - comentou o diretor da Ceperf.