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Dunga quer Neymar mais líder, fala de Ganso e diz: "Brasil terá dificuldades"

Globo Esporte

 A primeira convocação de Dunga só será divulgada no fim de agosto. Mas ele já tem três nomes por posição. Sabe quem quer como líder da equipe e o que o Brasil precisa fazer para recuperar-se do fracasso na Copa do Mundo de 2014. Falou de Neymar a Paulo Henrique Ganso; da maneira como a seleção brasileira deve atuar ao perfil dos jogadores. O treinador manteve-se fiel a seu estilo na entrevista ao "Fantástico", exibida no último domingo.

Nesta quarta-feira, o GloboEsporte.com divulga a íntegra do bate-papo com o novo treinador da seleção brasileira. De volta ao comando da equipe após a passagem de 2006 a 2010, Dunga elogiou o desempenho de Neymar com a camisa amarela. Mas fez questão de deixar claro que o atleta ainda tem pontos a evoluir para ajudar ainda mais o Brasil em campo.

- O Brasil vai criar uma estrutura pra que ele possa ser o diferencial. Que ele possa exercer toda a sua qualidade técnica, mas ele precisa ser participativo, ele tem que ser um exemplo para os demais. Se o Neymar vai, os outros têm que fazer. Se o Neymar... os outros têm que seguir. Ele precisa ser esse referencial. Ele tem esse carisma em todos os sentidos. O Neymar precisa melhorar ainda em termos de liderança. É difícil falar assim para vocês, mas ele precisa cobrar dos outros também.

Sobre as eliminatórias para a Copa de 2018 (a disputa começa em setembro de 2015), Dunga admitiu que o Brasil não terá vida fácil. Para ele, outras seleções evoluíram com o passar dos anos e darão trabalho à Seleção.

- Se nós colocarmos por resultados, a Argentina chegou em segundo (na Copa do Mundo), então ela está um passo à frente. Mas não é questão do melhor ou não. A questão é que o Brasil vai ter muito mais dificuldades nessas eliminatórias que as demais porque o Brasil tem agora concorrentes como a Colômbia, Equador. Temos o Paraguai, que ficou fora da Copa e tem ótimos jogadores... a própria Argentina, o Chile, então vamos ter concorrentes muito fortes e temos que estar preparado, trabalhar muito e saber que vai ser difícil, que vai ser complicado. Mas que nós temos condições de pela nossa capacidade, pelo nosso talento, dar a resposta.

Você já disse que não vai vender sonhos. Mas o que você pode garantir hoje para o torcedor brasileiro?
- Eu acho que a minha forma de ser, como eu sempre trabalhei. Que a gente tem muito trabalho, muito comprometimento, que os jogadores vão pensar na seleção brasileira, vão trabalhar para a seleção brasileira. Que o que vai falar mais alto é a camisa da seleção brasileira, independentemente dos nomes ou não, a referência será sempre a Seleção.

Durante esse tempo que ficou afastado do futebol, você estudou? Se preparou? Acompanhou o futebol mundial? O que fez para ser treinador do Brasil?
- Viajei algumas vezes pra Europa, acompanhei o futebol europeu... Temos que ver que as seleções europeias, todos os jogadores jogam em seu país ou muito próximos ao seu país. Eles conseguem ter essa integração. Então é muito mais fácil eles jogarem um futebol europeu, estilo europeu, do que o jogador brasileiro. O que é o futebol brasileiro? É o drible, a criatividade... Quando o jogador vai com 16, 17 anos para a Europa, o treinador europeu já coloca ele dentro desse limite. E se nós pegarmos esses jogadores que foram pra Europa nenhum deles é titular absoluto na sua equipe. O Brasil começa a perder nesse aspecto.

O futebol brasileiro está atrasado?
Dizer que o Brasil está atrasado se deve ao fato de que não ganhamos títulos ultimamente. Mas se a gente pensar bem, nossos jogadores estão todos na Europa. São jogadores de qualidade. Agora nós não temos que pensar somente nos jogadores, achar somente que o nosso futebol... A nossa forma de raciocínio é que deve também ser mudada para um futebol mais competitivo. Por exemplo, todo mundo falou maravilhas do futebol ofensivo na Copa do Mundo. Aí eu faço uma pergunta pra quem está nos ouvindo. Todo mundo marcava atrás da linha do meio de campo. Cinco, dez metros atrás da linha do meio de campo. Ué, onde que está o time ofensivo? Isso é uma tática que surpreendeu o adversário pra criar um campo de contragolpe. Nós não falávamos que tínhamos que jogar com três, quatro ou cinco atacantes? A maioria dos times não jogava com cinco atacantes. Jogava com no máximo um. Mas, sim, a diferença é que eles chegavam com três, quatro, cinco. Aí começa a mudar. Troca de velocidade, troca de bola, inverter a bola de um lado pro campo, de uma lateral pra outra, o que nós fazíamos. Eles não estão fazendo mais nada do que o Brasil fazia há dez anos. Será que não será o momento de repensarmos: "bom, nós temos que voltar a fazer o que fazíamos anteriormente. Temos que fazer melhor e bem."

Você acha que o Brasil não fez isso nessa Copa?
- Teve dificuldade. O Brasil fez bem na Copa das Confederações, já na Copa do Mundo teve essa dificuldade de jogar mais compacto, de ter essa troca de velocidade, coisa que os europeus conseguiram fazer bem, principalmente a Alemanha. E o mais interessante é que a gente parece que descobriu a Alemanha agora. Está todo mundo falando maravilhas, falando do treinamento. A Alemanha sempre teve isso. Agora, eles melhoraram. Eles fizeram com tempo mais curto, investiram mais, deram mais prioridade em mais aspectos. Por exemplo, se nós pedirmos no Brasil que o Müller regresse pra marcar, fechar o meio de campo, todo mundo vai dizer que o treinador é louco. A Alemanha fez isso. O Robben, que é um jogador de qualidade excepcional, veja a participação dele na parte coletiva. É isso que o Brasil tem que ter. Todos os jogadores têm que ter participação tanto na parte defensiva quanto na ofensiva. E nós temos ainda nossa forma de pensar. Não, o jogador talentoso não tem que participar. Não. Ele tem que participar. porque a equipe tem que dar sustentação ao jogador talentoso, assim como ele tem que colocar todo seu talento na parte coletiva. O futebol, por mais que ele seja coletivo, em determinados setores do campo ele é um duelo individual: um contra um. Por que nós temos que ganhar? Porque nós temos o talento. Então, o drible tem que ser o diferencial. Você tem que botar um jogador um contra a um, driblar, e nós vamos ficar com um jogador a mais naquela chegada ao ataque. Ou na velocidade ou na técnica.

Ou no improviso...
- No improviso, nós temos que fazer isso.

Pretende seguir a mesma orientação que você teve pra Copa de 2010 em relação à privacidade?
- A privacidade vai existir, sem dúvida nenhuma. Mas a gente vai ter, como sempre teve, com assessor de imprensa, que vai conversar com todo o pessoal da imprensa. Ver o que eles querem, o que eles desejam, como foi feito na África do Sul, e vai nos passar. A partir daí, nós vamos decidir, num colegiado dentro da CBF, como foi em 2010, e tomar as decisões. Mas, agora, repito, o combinado não é caro. Você não pode combinar comigo que você quer uma hora e amanhã você querer duas, quatro, cinco. Aí vai ficar difícil. A seleção também tem que ter um planejamento, assim como você (jornalista).

E a renovação do time?
- O time já é bastante renovado, bastante novo. Nós sempre falamos em renovação, mas vamos pensar na Holanda. Os três da frente são acima de 30 anos (Sneijder, Van Persie e Robben). Nós vamos na Alemanha e temos três ou quatro com mais de 30. Então é esse conceito que a gente tem que passar para o torcedor. É uma estabilidade que se cria entre jogadores mais jovens e jogadores de uma certa experiência. Quando as coisas não andam bem, esses jogadores mais experientes vão ter que dar suporte para essa juventude. Não pode querer renovar tudo de uma hora pra outra e dar oportunidade. Nós vamos ter até dezembro justamente pra dar oportunidade pra alguns jogadores que não estiveram na seleção brasileira. São jogadores que estamos observando o rendimento porque nós temos que descobrir novos atacantes para o futebol brasileiro. Temos que buscar jogadores com 26 ou 27 anos que já estejam há três ou quatro anos na Europa. Vamos ver alguns outros nomes que atuam na Europa e alguns que saíram recentemente do Brasil.

O Neymar falou em Philippe Coutinho, Lucas, Oscar e Bernard pra 2018.
- Vai depender deles. Mais do que nós, vai depender deles. A chance já foi dada, você deu os nomes. Agora depende deles.

A seleção joga em função do Neymar?
- Diria que é diferente. Não jogar em função do Neymar, o Neymar vai jogar em função da Seleção. O Brasil vai criar uma estrutura pra que ele possa ser o diferencial. Que ele possa exercer toda a sua qualidade técnica, mas ele precisa ser participativo, ele tem que ser um exemplo para os demais. Se o Neymar vai, os outros têm que fazer. Se o Neymar... os outros têm que seguir. Ele precisa ser esse referencial. Ele tem esse carisma em todos os sentidos.

O que você descartaria, não repetiria, por exemplo, que foi feito na Copa do Brasil?
- O marketing é bom, mas ele só vem após o jogo. Eu tenho que jogar, eu tenho que... As pessoas precisam falar muito mais do que eu faço no campo do que eu faço extracampo. Aí começa a ter validade. O Gilmar já falou, por exemplo, a questão do chapéu. O chapéu é importante? Nós perdemos um guerreiro. Um grande guerreiro, que era o Neymar. Mas nós tínhamos que pensar no menino que está entrando no lugar dele. Quem é que vai ter a grande responsabilidade de substituir o Neymar, que é uma coisa complicada, difícil, porque é uma referência mundial? A nossa energia, o nosso foco, teria que ser no menino que está entrando.

Você acha que faltou isso?
- Cada um tem um ponto de vista. O meu ponto de vista é esse. Porque nós estamos indo para uma guerra, uma Copa. Então nós temos que dar o suporte pra aquele que está substituindo.

E quando o marketing atrapalha?
- Quando você se preocupa mais com o fora do que com o dentro de campo. O dentro de campo é tudo. Você não pode colocar o marketing sem você ter resultado dentro de campo. Porque com o passar do tempo você vai pagar isso. Veja bem, vou falar, não é uma crítica, mas é normal. Aí a imprensa vai falar, mas o cara pintou o cabelo, ele usa dois brinquinhos... e com razão! Porque você criou uma expectativa, chamou uma responsabilidade desnecessária. Primeiro você ganha, primeiro você faz seu trabalho. Aí depois você cria a expectativa, depois você faz o marketing. Não o inverso.

Mas às vezes não atrapalha os jogadores se sentirem como guerreiros e não como jogadores de futebol profissionais?
- Sim, mas o guerreiro é a questão do combate, da coletividade. Não deve ser uma coisa extraterrestre. É um jogador de futebol. Justamente por isso. Quem vai substituir um grande personagem que saiu precisa se sentir querido, tem que se sentir aproximado. Saber que ele vai ter uma missão, entre vírgulas, quase impossível. Então todos têm que estar próximos a ele. E nós o deixamos e fomos nos preocupar com quem não ia para o jogo.

Você falou de falta de privacidade. O que destacaria como falta de privacidade em 2014?
- Eu acho que tudo tem que ter limites e tudo tem que ter horário. Tem que ter horário para o torcedor, tem que ter horário para a imprensa. Mas também tem que ter horário para as coisas internas ficarem mais privadas. Por exemplo, todo treinamento ser filmado. Isso cria uma expectativa, cria... O torcedor fica vendo as brincadeiras e o torcedor não consegue entender. Essa brincadeira foi após o treino. Mas se você passa todas essas imagens, quem está lá fora fala: "eles só brincam." A Alemanha ia caminhar na praia, não ia um batalhão de jornalista atrás. Eles iam lá. Então tinham todos os seus horários respeitados. Isso é o mais importante de tudo. Você respeitar os horários de cada um, respeitar a privacidade. E saber, lógico, que a imprensa tem que ter notícia, tem que filmar. Mas tem um limite.

O que tem a dizer da Holanda? Eles levam as mulheres nas viagens e elas ficam na concentração
- É outra mentalidade. É outra mentalidade.

Não funciona no Brasil?
- É outra cultura. Nós somos latinos. Por exemplo, a Alemanha levou as mulheres, mas elas não foram na final. Ficaram no hotel. A Alemanha é diferente, mas eles têm horários, eles cumprem horários, eles cumprem as determinações e é outra filosofia. Eles já são acostumados com isso desde os 14 anos. É uma convivência diferente. Nós somos acostumados já com umas regras entre aspas mais rígidas, então pra conseguir fazer isso tem começar lá desde os 14 anos.

O que você tiraria como exemplo dessa campanha anterior?
- Ter a coragem de tomar as decisões que foram tomadas. Temos que tomar as decisões, assumir a responsabilidade. Tem que transmitir... É sua e você deve assumir.

Você se refere por exemplo à escolha do Bernard no jogo?
- Sim, a escolha do Bernard. O treinador só tem uma chance. Uma dá certo. E todos nós temos a chance, eu me coloco como torcedor, de falar após o acontecido. Aí deu certo, deu errado. Eu sabia que ia dar certo, eu sabia que ia dar errado. A gente só fala da obra pronta.

Vendo de fora, você sentiu um desequilíbrio emocional da Seleção?
- Não posso dizer da Seleção. Você pode falar de um ou outro. Mas uma seleção com jogadores experientes como o Brasil tem, a qualidade, eles jogam em clubes importantes, jogam decisões da Liga dos Campeões, tudo, não tem porque ter esse desequilíbrio emocional.

Deixa eu voltar em 2010. Naquela partida contra a Holanda foi uma situação de descontrole emocional? Os jogadores ficaram em campo você saiu para o vestiário. O que você sentiu naquele momento?
- Não. Foi o erro e não tem descontrole emocional. Foi o erro que aconteceu durante o jogo. E ir para o vestiário foi como eu sempre fiz. Quando ganhava também esperava os jogadores dentro do vestiário. É aquilo que eu te falo, você não precisa mostrar a tua emoção. Tenho que mostrar a minha reação, a minha emoção pra quem está sob o meu comando. Eles precisam ser protegidos e quem está no comando é quem assume a responsabilidade. Teve a jogada da expulsão, mas se nós pegarmos o passado nós vamos ver outras situações que ocorrem em Copas. O Zidane é um cara nervoso? Deu uma cabeçada sem bola. Maradona é um cara nervoso? Deu uma cabeçada sem bola. O Leonardo é um cara nervoso? Não. É uma circunstância de jogo. Não tem como prever isso.

A CBF descartou um técnico estrangeiro, chegou-se a levantar essa hipótese antes da escolha do seu nome. Mas você vai buscar informações lá fora junto com outros técnicos?
- Sim, sem dúvida. Com outros ex-jogadores que têm uma visão do futebol, que têm uma visão de posicionamento, como jogam. Eu quero a informação, que ele me diga e eu vou lá olhar. Por exemplo, o Boban (croata que atuou pelo Milan na década de 90) falou que os laterais precisam ser altos porque todos os gols de cabeça saem nas costas dos laterais. Mas essa mentalidade é europeia. A Croácia joga com quatro zagueiros. Não jogam com laterais. Se vai dar certo no Brasil ou não, não sei.

Talvez experimente isso na Seleção?
- Difícil eu experimentar. O Brasil tem laterais bons. Nós temos que usar os nossos.

Essa diferença de mentalidade seria um dos motivos pelos quais você acha que o Brasil deve ser comandado por um técnico brasileiro?
- Sem dúvida nenhuma. Um técnico estrangeiro vai ter muitos problemas no Brasil. No Brasil, nós deveríamos ter a paciência que tiveram com o treinador alemão. Ele perdeu a Copa do Mundo, a Eurocopa e veio para o Brasil. Será que nós íamos ter essa paciência? Um trabalho a longo prazo que os europeus fizeram.

Precisamos de clubes mais fortes? Como fazer pra conseguir isso, na sua opinião?
- Os nosso clubes, em termos de estrutura, melhoraram bastante. Temos centro de treinamento, estrutura, condições de trabalho. Estávamos muito defasados. De três, quatro anos para cá, isso melhorou muito. Temos que continuar melhorando, dando esse suporte. E principalmente tem que ter um planejamento pelo menos de médio a longo prazo. Quando você faz um planejamento, segue à risca esse planejamento. Nós trocamos principalmente no que toca o material humano. Começa o campeonato, dali três, quatro meses, troca todo time e o treinador fica a ver navios. Você não consegue montar uma estrutura.

Por que não se consegue esperar mais?
- Porque tem a questão financeira e o clube tem que vender. Tem a questão que alguns jogadores não são mais do clube, são de empresários. Então quando surge a oportunidade é vendido. Então tem que se repensar nisso a médio prazo pra ter uma condição de trabalho melhor.

Você quer mudar as estruturas do futebol brasileiro?
- Não tenho essa capacidade, é quase impossível. Mudar a estrutura do futebol brasileiro vai depender de muita gente, do treinador, jogadores, jornalistas, deputados, mudar as leis. Isso é muito complicado. Hoje, você imagina assim: um clube investe em três, quatro mil crianças, dos oito anos aos 14 anos, alimentação, estudo, preparação... Independentemente se for o melhor, mas ele investe. Com 14, 15 anos você precisar fazer um contrato e aproveitar o rapaz por três anos. Aí vem alguém e leva esse jogador embora.

Isso você acha que dá pra mudar?
- Dá para mudar, tem que ser mudado. Por que o que é a diferença? A nossa essência do futebol, a forma de trabalhar, um jogador que vai pra Europa com 14, 15 anos ele não está ainda preparado fisicamente, tecnicamente, mentalmente pra suportar uma pressão de mudar de país.

Qual foi o pior momento da seleção brasileira?
- Pra dizer a verdade, o Brasil nunca teve o pior momento. Tivemos momentos um pouco mais negativos, mas o futebol brasileiro ele é tão rico que a cada ano produz bons jogadores. Logicamente, quem gosta de sonhar diz: "não tem mais um Pelé!" Pelé é um mito. Um mito não vai sair toda a hora. Temos que trabalhar em termos de quantidade, elevar o nível dos jogadores médios, e quando surgir um jogador dessa capacidade vamos fazer a diferença. Mas não vai sair todo dia. O próprio Neymar, veja bem, já colocaram ele com 17 anos para jogar no Santos. Imagina se ele tivesse começado com 20 anos?

Como competir com essas seleções, com esse futebol europeu, que está ganhando força no mundo todo?
- A nossa essência é o drible, a qualidade, é o talento. E aí nós temos também que investir no talento. Quando eles chegam numa certa idade, nós temos que mostrar que ele precisa colocar o talento em prol do coletivo. Antigamente, o alemão não sabia dar um drible. Agora você pega o Schweinsteiger, joga a bola por trás, joga de cima, cabeceia. Ficamos parados no tempo. Eles também aprenderam. Eles também sabem fazer isso. Agora nós temos que melhorar. Se sabíamos fazer isso antes, agora nós podemos fazer melhor.

Quando vê o Neymar jogando o que ele jogou nos últimos anos, você não se arrepende de não tê-lo levado pra Copa de 2010? Ele e o Ganso?
- Não é a questão de arrependimento. Você tem que pegar o momento de 2010 e não pegar o momento de agora. Quando eu estava em 2010, eles (imprensa) botavam um jogador jogando dez anos atrás com outra camisa e não com a camisa do time em que atuava naquela momento. Foi mais ou menos o mesmo com o Neymar. Em 2009, em dezembro, ele não era titular do Santos. Era reserva. Tivemos janeiro de férias, voltou a jogar em fevereiro e nós só tínhamos um amistoso em março.

Mas ele (Neymar) comeu a bola nesse primeiro semestre.
- E qual é a garantia que ia ter o mesmo rendimento na Seleção? Você lembra de 66? Naquela Copa, seis ou sete jogadores tinham quatro ou cinco jogos com a camisa da Seleção. E o que aconteceu em 66 ninguém fala. É minha formação de não ficar falando, mas eu estudo, nós lemos. Na história da seleção brasileira, todos os jogadores que foram com poucas experiências na seleção brasileira não foram bem.

Se pudesse voltar no tempo, em 2010, você o convocaria?
- Hoje eu mudaria toda a situação. Mudaria tudo. Você convocaria o Ganso hoje? Tem que jogar no São Paulo. Se jogar no São Paulo é tranquilo. Ele se machucou muito. Temos que ter paciência com o jogador jovem porque ele vai oscilar. Ele não vai ser regular e ter um crescimento. São poucos os diferenciados. Às vezes é assim com o jogador que não está jogando bem. Todo mundo fala que é bom, que ele devia estar na Seleção e ele acaba não crescendo emocionalmente. Ele pensa: "está todo mundo falando". Todo mundo está falando, mas você está jogando? Está tendo rendimento? Está sendo eficiente? Está sendo competitivo? Não. Ele se esconde atrás daquilo que falam: "todo mundo fala bem de mim, todo mundo me elogia, então é o treinador que está errado." Isso acontece nos clubes e acontece na Seleção. A culpa nunca é do jogador é sempre do treinador.

Você disse que espera ter 1% da paciência do prêmio Nobel da paz Nelson Mandela. Paciência especificamente com o quê?
- Com tudo.

Você faz terapia?
- Não.

Nunca fez?
- A minha terapia é conversar com os velhinhos, com cabeça branca, trocar experiência de vida.

É uma boa terapia, aliás.
- Boa terapia porque eles não vão me falar de futebol. Mas vão falar da vida, do que passaram, do sacrifício. Então nada melhor que os cabecinhas brancas para conversar com eles.

Como a sua família encarou esses últimos anos?
- Acho que minha família é muito unida, muito tranquila. Meus filhos sabem das dificuldades que têm, meu filho trabalha no futebol também. Sabe das cobranças, você tem que engolir muita coisa atravessada, mas não adianta. A principal coisa que eu coloco para os meus filhos é que não adianta ser vítima, não adianta. O "não" você já tem. A crítica você já tem. Então tem que tentar através do resultado mostrar o contrário.

Sua mulher, quando soube da notícia, falou alguma cosia (retorno à Seleção)?
- Não vai se meter nessa de novo... É verdade?

Ela perguntou?
Eu falei, é verdade...

E ela?
- Minha mulher sempre me apoia. Não tem problema.

Foi difícil estrear como técnico em 2010? Faltou calma e segurança?
- Quanto à segurança, adrenalina, era a mesma coisa de hoje, a vontade de fazer, de trabalhar. Seguramente faltou calma no momento de tratar com a imprensa e, principalmente, de eu não assumir responsabilidades que não eram minhas.

Assumir responsabilidades que não eram suas?
- Que não eram minhas. Responder de assuntos que não tinham nada a ver com aspecto técnico, aspecto do campo. Criou-se uma imagem de que eu era um carrancudo, não falava com ninguém. Mas como era minha primeira experiência como treinador, eu estava muito mais preocupado com as coisas de campo, de aprender com as pessoas da comissão técnica que estavam ao meu lado, de me ater aos pormenores, do que propriamente o que se passava.