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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Pimenta é refresco!

Eduardo Mahon/ Divulgação

O julgamento do mensalão agasalha uma ironia. Suprema ironia, para usar um trocadilho. É que o STF acolheu parcialmente as acusações formuladas em desfavor de parlamentares e outros. A condenação gerou uma gritaria por parte dos condenados que pretendem espernear às cortes internacionais, a fim de reclamar o duplo grau de jurisdição que não houve. É aí que está a graça: o foro de prerrogativa, simplesmente conhecido como foro privilegiado, tão querido por ocupantes de cargos com essa proteção, está sendo questionado por quem poderia mudar a lei e se prejudicou por manter um privilégio. 

Curioso que a confiança exacerbada na impunidade, na prescrição e até mesmo na absolvição fez com que os parlamentares mantivessem o foro de prerrogativa. O dispositivo está plasmado na Constituição da República, regulando o direito ao foro especial de parlamentares e executivos, listados nos arts. 102, I, ‘b’, ‘c’e 105, I, ‘a’. Por conexão, são atraídos para o juízo superior os acusados conjuntamente, de acordo com o art. 78, IV do Código de Processo Penal. Manteve-se esse privilégio por décadas até que uma condenação no Supremo Tribunal Federal desabou nas cabeças parlamentares.

E a ironia não acaba. Considerando que a denúncia foi apresentada no ano de 2007, poderia estar muito bem prescrita a pretensão punitiva, se não houvesse mais o foro privilegiado. Isso porque um processo desta complexidade dificilmente seria julgado em oito anos e, considerando as condenações por corrupção passiva (pena mínima de dois anos), formação de quadrilha (pena mínima de um ano) e lavagem de dinheiro (pena mínima de três anos), eventualmente poderiam prescrever em 2011 e em 2013, por força do art. 109, IV e VI do Código Penal (antes da reforma de 2010, porque se aplica a lei mais benéfica, no caso).

Sabemos que a lei processual penal aplica-se de imediato, mesmo em processos em curso. Bastava então que os legisladores – os mesmos que foram condenados pelo STF – tivessem mudado a legislação processual para que, a um só tempo, agradassem a sociedade e alcançassem a prescrição, pondo fim ao foro privilegiado. Essa mudança simples que se justificaria sob qualquer ponto de vista, porque legal e moral, aproveitaria para a própria defesa dos parlamentares, já que o processo seria remetido à primeira instância e jamais acabaria em 2011 e 2013, prosseguindo por longos anos. A prescrição seria, portanto, inevitável.

Podemos afirmar categoricamente que foi a manutenção de um privilégio a causa do infortúnio dos supostos privilegiados. Autêntica vitória de Pirro, como diriam os classicistas. Foi um dos raríssimos caros, o primeiro que tenho notícia no mundo jurídico, onde um favor processual virou-se contra os favorecidos. As assessorias jurídicas, digladiando-se por um novo enfoque no enquadramento da tipologia penal, não atentou para o fato de que a supressão do foro privilegiado seria ovacionado pela sociedade, ao mesmo tempo em que garantiria a prescrição. Confiou-se demais na perspectiva da absolvição e, assim, o que era privilégio converteu-se em ônus.

Sobram cenas patéticas. Parlamentares que, inconformados com a condenação pelo supremo foro que sempre buscaram, reclamam da ausência do duplo grau de jurisdição, isto é, não têm para quem recorrer. É um fato. No entanto, perguntamos por qual razão eles mesmos, parlamentares, não modificaram a lei, acabando com o foro privilegiado que os levou a uma condenação relativamente célere e dura. O esperneio às cortes internacionais vai virar piada. É o caso em que os próprios réus poderiam ter resolvido a situação, de forma doméstica. Uma vez mais, comprova-se a sabedoria dos adágios populares, pelos quais se ensina não arder a pimenta no olho alheio.

Eduardo Mahon é advogado.

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