Olhar Jurídico

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Artigos

Lei Maria da Penha: a prisão resolve?

A lei Maria da Penha é de 2006. Já em 2008, 1.834 pessoas estavam presas em virtude dela (1.825 homens e 9 mulheres). Em 2011, 3.074 presos (3.062 homens e 12 mulheres). O total de encarcerados representa 0,6% dos 514 mil presos em 31.12.2011. Em quatro anos, houve acréscimo de 68%. Fonte: DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional (dezembro de 2011).

A prisão, no caso da violência de gênero (machista), é a solução ou constitui um fator criminógeno, porque o sujeito sairia da prisão mais bruto, mais raivoso, mais irado, mais vingativo? Qual seria a solução? Mais repressão ou medidas educativas corretivas? Foi isso que discutimos dia 13.10.12, no 12º Congresso Nacional de Derecho Penal e Criminologia, em Punta del Este (Uruguay).

Os três conferencistas (Maria Acale, da Espanha; Mariana Maret, do Uruguay e eu) chegamos a conclusões muito parecidas. A violência de gênero é uma forma brutal de discriminação e tem forte ancoragem cultural. Mas a sociedade não é alimentada somente por leis, que muitas vezes não passam de instrumento de dominação e poder. Temos que prestar atenção também na cultura.

Um dos grandes desafios do século XXI é a educação não sexista, nem machista nem feminista. Constitui nosso dever (e obrigação) ensinar as crianças a resolverem seus conflitos de forma racional, conciliatória. Não há como esperar melhora nos índices de violência sem ensinar ética para todos, sobretudo para as crianças. Ética entendida como a arte de viver bem humanamente (Savater).

Viver bem humanamente significa viver respeitando todas as pessoas. Se respeitamos todos, por força do princípio da reciprocidade, também seremos respeitados. Quando não respeitamos as demais pessoas, também seremos tratados como animais.

No plano jurídico, não constitui solução a chamada “sexualização do direito penal” (que ocorreu na Espanha), ou seja, punir a mesma agressão (recíproca) de forma mais grave para o homem. Sem publicidade sexista, sem direito penal machista ou feminista.

O femicídio (ou feminicídio) – morte de uma mulher por um homem – está na ordem do dia. Chile e Peru já o preveem. Argentina está agora discutindo o tema. Na reforma do CP brasileiro o femicídio aparece como forma qualificada de homicídio. Mas a mudança da lei, por si só, é suficiente? O populismo penal acredita nisso, acredita que o endurecimento da pena seja a solução para o problema. Eu tenho outro ponto de vista.

Enquanto não mergulharmos fundo na questão da educação (não sexista), pouco ou nada faremos para mudar o trágico (e patético) cenário de violência machista no Brasil, que a cada duas horas vitimiza uma mulher. São 11 assassinatos diários, sendo que 7 são cometidos por namorado ou ex-namorado, noivo ou ex-noivo, marido ou ex-marido. O que fazer?

Em relação aos criminosos violentos perversos não há como imaginar outra medida que não seja a prisão. Não estamos dispostos a pagar o preço de conviver com criminosos violentos perigosos. Fora deles, a melhor solução talvez seja a escola, em período integral, com recolhimento noturno monitorado eletronicamente. Aulas de ética e cidadania o dia inteiro, fomentando a convivência humanitária, a reafirmação dos valores essenciais para o desenvolvimento humano.

Em lugar de gastar somente com a construção de presídios, grande parte desse orçamento deveria ser destinada para a construção de escolas de educação ou de reeducação, pouco importando se se trata de rico ou de pobre (porque todos necessitamos continuamente aprender ou reaprender Ética e valores fundamentais para a convivência humana).



Luiz Flávio Gomes – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Comentários no Facebook

Sitevip Internet