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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Uma fenda na justiça e uma esperança na república

Paulo Lemos/Divulgação

Como é de conhecimento público e notório, a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso está em pleno processo de escolha do novo Ouvidor.

Contudo, talvez o que muitos ainda não saibam, e sequer tem notícia de experiências análogas, apesar de existir (a exemplo da Ouvidoria de Polícia do Estado de Mato Grosso), a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública deve ser ocupada por alguém não integrante da carreira de defensor público, que possua vida pregressa cândida e comprovado histórico de militância político-social nas áreas afins ou análogas de atuação da própria Defensoria Pública.

Agora, em que pese serem requisitos necessários, o mais importante não é nada disso. O que realmente distingui esse modelo de ouvidoria pública dos demais existentes – e são muitos - é o fato de o ouvidor ser escolhido a partir da manifestação da vontade soberana da sociedade civil organizada, onde entidades do terceiro setor exercem o direito fundamental da cidadania e do sufrágio por intermédio do voto na formação da lista tríplice entre os candidatos habilitados. E no atual certame, trinta e quatro entidades, de altíssima e reconhecida representatividade regional e nacional, se credenciaram para ocupar esse importante espaço da cidadania, e três candidatos se dispuseram a concorrer ao tão nobre cargo.

Outra prerrogativa desse modelo de ouvidoria, que não se pode perder de vista, trata-se da investidura de mandato ao candidato eleito, por período certo de dois anos. Ou seja, não está a se falar nem em cargo de provimento em comissão de livre nomeação e exoneração (cargo de confiança), muito menos de cargo de provimento efetivo com plano de carreira (cargo concursado), mas, sim, num cargo que possui natureza híbrida, muito próxima, senão idêntica, aos dos agentes políticos detentores de mandatos eleitorais.

Esse arcabouço normativo não foi criado por acidente. Na verdade, ele é fruto de uma reformulação de paradigmas da relação sociedade civil/administração pública, inspirado em experiências exitosas da tradição escandinava e mesmo de parte da América latina, do ombudsman.

Quando da aprovação desse modelo de ouvidoria na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública Brasileira (LC nº 80/94, alterada pela LC nº 132/09), o legislador, ouvindo as vozes das ruas e da própria Associação Nacional dos Defensores Públicos, pretendeu destacar na Instituição um posto avançado de cidadania, onde os servidores (membros e funcionários públicos) e os servidos (usuários e população em geral) se encontrem e interajam, a fim de promover uma aliança e sinergia entre todos, em prol do aperfeiçoamento dos serviços prestados à sociedade e do amadurecimento cívico e cidadão da população beneficiária, tornando todos responsáveis por essa construção coletiva.

Porém, os espaços de participação social, num paradigma de radicalização da democracia, como sendo direito fundamental do grande soberano no estado democrático de direito, o povo, não podem ficar reféns de um único posto (ouvidoria). Eles devem ir além mar, até as profundezas do orçamento participativo, mesmo nas instituições do sistema de justiça – afinal, os recursos geridos por elas são tão públicos quanto os geridos pelo Legislativo e o Executivo -; até o conselho consultivo da ouvidoria, preenchido por entidades da sociedade civil, com propósito de auxiliar e controlar a atividade do ouvidor; até o momento aberto nas reuniões do Conselho Superior da Defensoria Pública, onde representantes de entidades do terceiro setor tenham direito à vez e voz, para levar suas angústias e contribuições à Administração Superior da Instituição; além da possibilidade de conferências e seminários, não só para educação de direitos, e, também, para a troca de teses jurídico-sociais, muitas das vezes já desenvolvidas por entidades sociais que fomentam a defesa de direitos humanos; etc..

Outra hipótese de participação social é a audiência pública, tal como será realizada no próximo dia 21 de novembro do corrente ano, a partir das oito horas da manhã, no auditório Deputado Milton Figueiredo, na Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, para, exatamente, debater o papel político-social tanto da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso quanto de sua Ouvidoria.

A única razão de ser e de existir do Estado é servir a sociedade. E a contrapartida da sociedade é de auxiliar e participar. Se isso não estiver ocorrendo, é sinal que as coisas estão subvertidas.

Quando é que chegará o dia em que as pessoas de bem, tanto das instituições sociais quanto das públicas, não se sentirão forasteiras neste mundo subvertido?

Enquanto os primeiros acreditarem que são donos daquilo que não é deles, tal como verdadeiros coronéis, e os segundos continuarem dormindo em berço esplendido, tal como zumbis, pouca ou nenhuma mudança teremos em nosso país, para a evolução e/ou revolução de ambos os lados e a queda do muro que os separam.

Agora, no dia em que os agentes públicos se conformem com o fato de que a coisa pública não pertence a eles, mas, sim, a toda população, bem como em que a sociedade não se omitir do processo político, antes, durante e depois, e passar a manejar com freqüência os diversos instrumentos de participação social previstos no Direito Convencional (tratados internacionais) na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais brasileiras, certamente haverá conquista para todos.

Quando uns e outros assumirem seus papéis e respeitarem uns aos outros, deixarão de haver “lados opostos”, e passará a coexistir “unidade com diversidade”, superando a síndrome da republiqueta de bananas, onde todos poderão proclamar que vivemos em uma verdadeira e efetiva República.

Paulo Lemos – Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, advogado, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MT, Secretário do Conselho Diretor do Instituto Beneficente Boas Novas de Responsabilidade Social e ex-Vice-Presidente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul da União Nacional dos Estudantes.

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