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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Prefiro morrer

O título do artigo é uma declaração feita, diante das câmeras do programa Comunidade, por uma senhora que está sendo despejada do seu ponto comercial no bairro do Porto, local que está sofrendo processo de Revitalização por projeto executado pela prefeitura Municipal de Cuiabá.

Esta é uma frase chocante, velha frase, muito conhecida por ter ficado famosa quando foi usada por um detento da prisão norte americana Alcatraz. Foi esta mesma frase que fez com que magistrados norte americanos, começassem uma investigação sobre os atos desumanos que eram praticados dentro do presídio. O abuso só foi descoberto quando um advogado ajudou um detento a provar em juízo que ficara confinado dentro de um porão escuro no Alcatraz, por três longos anos.

No júri, declarou que teve os nervos dos calcanhares cortados, obrigando-o a rastejar diante de seus algozes. Declarou-se culpado do crime explicando que preferia morrer a voltar ao Alcatraz. Este foi o fim do presídio, a descoberta dos abusos do sistema carcerário, fez seus muros serem rompidos, transformando sua história em um dos maiores exemplos de crueldade cometidos no sistema penitenciário americano.

Assim, ao ouvirmos a mesma frase ser proferida por uma senhora trabalhadora, mãe de uma filha de dez, ou onze anos, observamos que chegamos ao fundo do posso. Uma mãe prefere morrer, a ficar sem o local onde ganha o sustento para si e sua filha. É consciente de que sem estudo e sem condições de moradia, é melhor morrer.

Como podemos ficar insensíveis ao ver uma senhora dizer isso? Será que a vida humana não vale nada?

Eu mesma respondo, a vida do mato grossense não vale nada mesmo. Vale menos que as obras da copa, menos do que a revitalização de um bairro, menos que um VLT que só existe no papel, menos que qualquer coisa que só tem relevância na cabeça dos nossos representantes políticos, que por viverem em abundância, não enxergam a miséria em que vive mais de oitenta por cento da população.

É triste essa realidade. Detentos sob custódia do Estado morrendo de tuberculose nas celas fétidas das cadeias mato grossenses, idosos morrendo na fila do SUS, senhoras dando a luz a bebês nos corredores de postos da “Saúde” que modernamente é chamado de UPA, mudou o nome, mas tratamento continua o mesmo, ou pior, essa é a nossa realidade.

Entretanto, bilhões estão sendo gastos em obras sem sentido, oferece-se pão e circo, mas o povo já não aceita ir ao Coliseu. Estamos voltando mesmo a que Era? A das trevas? Ao tempo de Sodoma e Gomorra, ou ao tempo da peste negra?

Nunca se fez tanto por Mato Grosso. Nunca mesmo, acredito que jamais tinha ouvido uma mãe de família dizer diante das câmeras que prefere morrer a ser despejada. Isso é novo. Nunca se fez tanto por Mato Grosso em tão pouco tempo. Até que em fim nos igualamos aos Estados Unidos em algo. A frase já foi repetida, por uma brasileira, mas será que vai haver mudança como houve no Alcatraz?

Ana Angélica Pereira foi professora de português por 25 anos, e é advogada em Cuiabá
angelicapc10@hotmail.com

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