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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Teatralização do Judiciário

A advocacia mato-grossense tropeça na falta de diálogo institucional. Recentemente, mais um colega foi alvo de ação e, agora, condenação por usar expressões consideradas caluniosas. Não é preciso ser jurista para saber que o advogado é um meio de acesso ao poder judiciário e, por isso, a profissão é classificada constitucionalmente como essencial à administração da justiça. No entanto, após 25 anos da Carta Magna, há juízes que ainda teimam em ignorar o termo “essencial”, tratando os advogados como classe à parte, do outro lado do balcão, não equiparáveis em prerrogativas. Essa noção de confronto não está de acordo com a visão conciliatória e contributiva da Constituição de 1988.

O mobiliário judicial é uma velha discussão afeta inclusive a teses de sociologia jurídica. Vetusto conjunto de teatralização, conforme disserta A. Garapon. Numa sala de audiências, é possível concluir o que já está pré-convencionado: o juiz num tablado superior, tendo sobre a cabeça geralmente um sacrifício ou o mote artístico de deusa clássica diáfana e ameaçadora, além do martelo que representa a força, o poder, a imposição; ao lado direito, a acusação representada pelo braço ministerial – apenas uma longa manus estatal – e, em oposição, o advogado: longe das alturas do cimo judicial. Um cidadão comum que observa essa arquitetura de poder, já sabe de antemão quem manda, quem pode, contra quem luta. Daí que A. Garapon afirma que o processo é uma recriação, teatralização, reprodução de um conflito sob a ótica de um novo intérprete e jugo de outros poderes. Os debaixo pedem, suplicam, estendem as mãos.

O “essencial” parece ser descartável. Os advogados mato-grossenses sofrem. Sofrem com denúncias por desacato, por ações indenizatórias em função de termos que usam em defesa dos clientes. Sofrem com a demora injustificável de um aparelho caro que não entrega a prestação jurisdicional em proporção com o que ganha. Sofre, enfim, por pedir como favor o que seria uma obrigação de um simples direito de consumo – quem paga a conta do Poder Judiciário é o povo e o povo não está representado por um juiz; o povo que clama ao Estado deposita no advogado a esperança para contribuir com a justiça que reclama. O povo está tão mal amparado que sofre com uma defensoria pública sem condições de combatividade mínima, em crises orçamentárias graves, demandando investimentos maciços que nunca chegam.

As esperas insólitas de processos kafkianos, a burocracia anestesiada dos protocolos às conclusões, processos que se arrastam por anos sem providências concretas, o aparelho mal treinado e que recebe os advogados de forma hostil, tudo contribui para que nos sintamos, nós os advogados, um corpo estranho ao que deveria ser orgânico. “Essencial” é letra morta numa realidade em que a advocacia pode sofrer com os caprichos de um juiz que não dá acesso aos autos ou pede que o advogado se justifique; de um promotor que afirma o segredo de autos nos quais o advogado está habilitado para negar cópia; de um desembargador que se furta em bem receber os procuradores; de ministros que pretendem elaborar agendas complexas de modo a afastar o livre acesso do advogado aos gabinetes.

A advocacia mato-grossense parece muda. Há muitas alternativas para mudar o cenário de mútuas incompreensões. Seminários conjuntos? Não são feitos. Relatórios de atendimentos regionais? Não são feitos. Publicações doutrinárias e jurisprudenciais? Nunca foram realizadas. Representações ao Conselho Nacional de Justiça? Não são feitas.

Provavelmente, o receio de desagradar constrange a nossa representação. Mas o advogado – assim como o juiz, o promotor, o defensor, o procurador – não existe para agradar. Mas existe menos ainda para se calar. É imperioso que a Ordem dos Advogados do Brasil mobilize-se para esclarecer aos magistrados a nossa função, ilustrando todo o segmento jurídico sobre nossas prerrogativas. Não apenas em teoria, mas em estudos de casos mato-grossenses onde tantas vezes um tribunal superior debelou ilegalidades contra a advocacia. Até mesmo o próprio TJMT tem sido terreno firme para a salvaguarda das prerrogativas, mas patina em decisões contraditórias aqui e ali.

Já basta. Estamos vivendo uma crise de administração judiciária. Juízes muito produtivos e juízes pouco produtivos: essa oscilação só prova que o sistema está dependente da boa vontade individual e não se rege por um modelo inteligente e impessoal. Liberação de alvarás, agendamento de audiências, retardo na prestação jurisdicional, férias alongadas, carência de pessoal, burocracia excessiva: tudo penaliza o advogado e, com ele, a sociedade. É hora de reagir. Os advogados têm condições para que, sob a coordenação da Ordem dos Advogados do Brasil, expor à sociedade um relatório pormenorizado do que ocorre nesse estado-continente. Não faz por não querer. E nos deixa falando sozinhos, tratando de interesses que deveriam ser coletivos. Isso vai mudar.



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