Olhar Jurídico

Terça-feira, 16 de abril de 2024

Artigos

Um vício chamado Ministério Público

Houve um tempo em que o Promotor de Justiça incomodava-se quando alguém lhe perguntava quando seria promovido a Juiz de Direito e o Procurador de Justiça a Desembargador. Eu mesmo fui indagado inúmeras vezes. Chegaram até achar que me elogiavam dizendo: dr. O senhor já merece ser juiz...

Nunca me preocupei com isso. Sou da época que as pessoas mais humildes ou inscientes como eu, no alvejar da adolescência, acreditavam que para se chegar à Presidência da República devia, necessariamente, galgar a carreira militar, alcançar o generalato e então se habilitar a assumir a Nação.

Ministério Público, como o próprio nome enseja, impõe a opção pela missão pública. Deve ser missionário. E missionário exige, sobretudo, a opção pela causa. A exemplo de outros Estados, Mato Grosso tem atualmente, um Ministério Público mais estruturado, ainda que algumas deficiências possam ser contabilizadas. Em várias Comarcas as Promotorias de Justiça funcionam em prédios próprios e seus integrantes dispõem de auxiliares para dinamizar a prestação jurisdicional e a defesa coletiva da sociedade. Há pouco tempo, o Promotor de Justiça atuava sozinho, tal qual o artesão que lapida a sua obra prima.

Hoje não há mais como se confundir as carreiras entre magistrados e Promotores de Justiça. Estes estão, por definição legal, postados diretamente em Defesa da Sociedade.

É bom lembrar -, embora alguns insistam em esquecer -, que esses avanços só se tornaram possíveis quando lutamos bravamente por uma política nacional única para as carreiras e pela efetiva participação no orçamento, mediante duodécimos previamente assegurados.

Esses avanços só se legitimaram quando expusemos que além de importarem aos integrantes da instituição, respondia muito mais à necessidade da sociedade que tem o direito a um órgão independente e autônomo para defendê-la.

Com esse suporte, não há qualquer justificativa plausível para que a instituição não se envolva, de vez, no ataque ao que chamo de mazelas da sociedade.

Em todo Brasil, os integrantes do Ministério Público buscam caminhos para desempenhar, com eficiência, a missão de essencialidade à função jurisdicional do Estado, prevista no marco constitucional vigente, mormente quando confrontada com os reais interesses sociais.

Apesar da incessante luta, nem sempre a energia desprendida revela-se produtiva em resultados almejados pela sociedade. Tal dificuldade decorre, preponderantemente, da forma de enfrentamento dessas questões, por vezes, sem uma análise criteriosa dos fenômenos e da insciência em gestão pública, traço comum a muitos de nossos componentes.

Essa realidade só é alterada com a mudança na forma tradicional de atuação. E alguns já realizam, com eficiência, essa tarefa. O Promotor de Justiça moderno não pode esquecer que sua atuação deve enfrentar as condutas reprováveis socialmente e ao mesmo tempo, diagnosticar as causas, encetando, com o conjunto da sociedade, medidas capazes de modificar a repetição da situação evidenciada.

Nesse contexto, a atuação individualizada de um Promotor de Justiça não responde minimamente ao programa institucional. É até possível destacar esse ou aquele trabalho mas, certamente não se terá a prática transformadora que justifique a nossa importância.

Nesse ajuste, é indispensável a participação da sociedade. É um absurdo a falta de informações que a sociedade tem em relação ao trabalho dessas estruturas e, reconheça-se, por equívocos cometidos na formatação de instituições fechadas, supostamente insensíveis ou imunes às críticas e com exagerado desprezo aos demais ramos do conhecimento que não a escola de direito.

Para que esse “novo” seja incorporado ao dia a dia de nossa atuação é indispensável um atuar diverso daquele tradicional. Apesar da complexidade que a questão pode apresentar, é, na verdade, muito simples. Basta avaliar os reais resultados (na visão do interesse da sociedade) alcançados e mapear o trabalho futuro. Trata-se, portanto, de mera produção e interpretação de dados. E, sobretudo, de decisão política em nível estratégico.

Em todos os Estados da Federação está se sedimentando o entendimento sobre a imperiosa necessidade de atuação planejada do Ministério Público. As instituições estão envolvidas em processos para definição de planejamento estratégico; discussão dos pontos positivos alcançados com as experiências já desenvolvidas e, sobretudo, avaliação das razões de insucesso de algumas iniciativas de atuação planificada.

Ao tratar de estratégia de atuação, não é possível descurar, como já dito, que um ponto preponderante é o diagnóstico do ambiente externo, pano de fundo para delineamento dos rumos a serem seguidos no desenvolvimento de qualquer missão.

O trabalho planejado permite a redução dos recursos necessários à sua consecução, aos mesmo tempo e que permite a maximização dos resultados obtidos. Sobre isso não qualquer nota divergente em nosso meio.

Portanto, se de um lado a transformação das unidades de execução em instâncias gerenciais é o caminho para consecução do desiderato traçado no planejamento estratégico, por outro, cabe à chefia da instituição incutir em seus membros, a avaliação permanente dos resultados obtidos, corrigindo as imperfeições porventura verificadas. E mais: delinear o norte a ser perseguido , a partir de discussões com o conjunto da instituição.

Enfim, repete-se o ciclo: gestão do negócio....

A doutrina administrativista aponta como método de gestão científica a priorização de medidas que relevem a obtenção de resultados, sendo indispensável, para tanto, a definição de metas, a eleição dos meios para alcançá-las, a execução acompanhada paulatinamente, permitindo a redefinição de rumos e a ao final, a avaliação dos reais resultados obtidos para que o planejamento do próximo período não contenha os erros detectados no passado.

Nesse modelo de gestão, as metas institucionais devem guardar coerência com as metas políticas e com a demanda da sociedade.

Por isso que Ministério Público é um Vício..


Edmilson da Costa Pereira é Procurador de Justiça, ex-Corregedor Geral do Ministério Público e integrante do Conselho Superior do Ministério Público

Comentários no Facebook

Sitevip Internet