É muito conhecida a figura do burrinho que anda sendo acalmado e seduzido pela espiga de milho que se mantém sempre à sua frente, posto que pende de uma vara presa ao lombo do próprio animal. Por mais que ele ande, a distância que o afasta da cobiçada iguaria é sempre a mesma.
Passados 25 anos da promulgação da Constituição de 1988, ainda temos uma série de promessas constitucionais não cumpridas. Especialmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas, há vários dispositivos pendentes de regulamentação e/ou de leis. Enquanto isso, a nossa sociedade acumula riquezas e alguns fazem fortunas.
Sem adentrar nas complexas indagações decorrentes de um modelo de Constituição dirigente, é certo que direitos sociais catalogados como fundamentais ainda não foram implementados.
A proteção da relação de emprego (contra a despedida imotivada); a proteção do salário; a participação nos lucros e resultados; a proteção em face da automação; e a participação na gestão das empresas são exemplos desse déficit legislativo.
Por outro lado, em matérias e anúncios que pretendem enaltecer o Projeto de Lei que amplia a terceirização – PL 4330/2004, alega-se uma suposta morosidade em sua tramitação.
De fato, o Projeto tramita no Congresso nacional há 10 anos. Esse dado, todavia, não legitima a proposição nem torna imperativa sua aprovação.
É necessário ponderar, também, que os dados de 2013 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do IBGE, sinalizaram um recuo no já lento processo de redução das desigualdades na distribuição da renda. A renda média aumentou mais no topo da pirâmide.
Essas informações revelam que o contingente de 1% dos brasileiros mais ricos ainda ganha quase cem vezes mais que os 10% mais pobres. E, certamente, os terceirizados encorpam o segundo grupo.
Como referido, há um quadro de morosidade bem maior no que diz respeito à garantia de direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, o que contribui para o aprofundamento do fosso que nos torna uma sociedade muito desigual.
E não é essa a promessa da constituição cidadã. Ao contrário, ela anunciou o propósito de construir uma sociedade livre, justa e solidária, que visa erradicar a pobreza e a marginalização, por meio da redução das desigualdades sociais e regionais.
Voltando na nossa história, encontramos uma passagem interessante sobre as promessas adiadas e a técnica de sacrifícios no presente, para os trabalhadores, justificadas por ofertas de ganhos futuros..
Nas proximidades do ano 2000, o jornalista e escritor gaúcho Eduardo Bueno reescreveu capítulos dos primórdios da colonização brasileira. Introduziu elementos humanos que deram viço a períodos pouco conhecidos ao início da ocupação do nosso território.
Em “Náufragos, traficantes e degredados”, um episódio é particularmente extraordinário. Narra a trajetória dos primeiros portugueses abandonados na região da Ilha de Santa Catarina, atual Florianópolis, em 1516.
A convivência com os índios pôs bravos e desajustados marinheiros em contato com histórias de riquezas que existiriam no interior do continente. Em 1924, a expedição de Aleixo Garcia deslocou-se até o Peru por uma espécie de trilha com cerca de 1200 Km, que já era conhecida pelos índios: a Peabiru. Movidos pela ambição e pela promessa de fortuna chegaram à região do rei branco (Império Inca) e da montanha de prata (Potosi).
Os objetos que trouxeram, de ouro e de prata, foram utilizados para encantar e alucinar outros navegantes que passavam pela costa brasileira, também ávidos por acumular riquezas, a participar de novas expedições.
Já naquela época, a técnica da sedução envolvia os encantos da futura abundância reservada aos participantes, pois “havia tanto ouro e tanta prata no rio de Solis que todos ficariam ricos, e tão rico seria o pajem[serviçal] como o marinheiro”. Acontece algo semelhante nos sacrifícios a que são expostos os trabalhadores, em nome de um suposto futuro melhor para todos.
Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho em Mato Grosso.
leomar.daroncho@mpt.gov.br