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Sábado, 14 de dezembro de 2024

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A justiça que mata

Relutei absurdamente para não expor o descaso a que eu e minha família enfrentamos com a justiça de Mato Grosso. Meu pai, um trabalhador de 60 anos e acometido de câncer de fígado desde o ano de 2003, passou a depender do bloqueio de valores das contas do Estado. Há quatro anos, o câncer avançou e foi para o pulmão e no Sistema Único de Saúde (SUS) não havia tratamento para ele. Para termos acesso a essa garantia foi necessário recorrer à justiça.

Em novembro de 2013 começamos a batalha judicial. O processo foi distribuído para a 3ª Vara da Fazenda Pública. O primeiro bloqueio só ocorreu em janeiro de 2014. Mensalmente tinha que ser feito um novo pedido no processo, pois o tratamento não poderia ser interrompido. Mesmo diante de comprovação da necessidade do tratamento, o Estado chegou a demorar duas semanas para garantir o valor que o custeava.

Em novembro de 2014 descobrimos que o câncer do pulmão tinha avançado e meu pai também estava com metástase óssea. Uma situação muito difícil que nossa família teve que enfrentar. Mas o pior ainda estava por vir.

Devido ao avanço da doença, o médico resolveu mudar o medicamento. Isso garantiria ao meu pai qualidade de vida e aumentaria as chances de eficácia no tratamento. Foi uma longa espera. Feito o pedido de novo bloqueio, o juiz Márcio Aparecido Guedes, substituto na 3ª Vara de Fazenda Pública, determinou o envio do processo para o Núcleo de Apoio Técnico (NAT) e só depois de alguns dias que o processo voltou para o gabinete.

Julgado o pedido em 20 de janeiro de 2015, o valor não pôde ser liberado porque o certificado digital do juiz, que garantiria a assinatura do alvará, estava vencido e sem previsão de resolução do problema, conforme informação do gabinete. Enquanto isso o paciente, meu pai, continuava esperando.

Ansiosos e ao mesmo tempo tomados pela indignação, eu e meu esposo fomos no dia 13 de fevereiro até o gabinete do presidente do Tribunal de Justiça, Paulo da Cunha, para informá-lo sobre a demora da decisão por conta de questões internas e burocráticas. Fomos recebidos pela assessora Patrícia, que foi muito solícita e atenciosa com o nosso pedido. Ela prometeu entrar em contato com o juiz e pedir celeridade na emissão do alvará.

Somente em março de 2015 meu pai teve garantido o tratamento. Ao longo deste mês ele passou muito bem. Sem dor, sem cansaço, sem enjoos e animado com a possibilidade do remédio estar dando certo. Porém, como sempre, a advogada teve que entrar com um novo pedido de liberação para dar continuidade ao tratamento. Otimista, não imaginava que enfrentaríamos outra longa peregrinação. Estava enganada.

Agora a 3ª Vara de Fazenda Pública, sob a responsabilidade da juíza Antônia Siqueira Gonçalves Rodrigues, determinou o encaminhamento do processo para manifestação do Ministério Público sobre a necessidade do medicamento. Acontece que, antes da primeira liberação de valores o processo já tinha respaldo do Núcleo de Apoio Técnico (NAT) do TJ e também do próprio MP. O processo que era em caráter de urgência ficou 20 dias no gabinete da 5ª Promotoria de Justiça Cível, com o promotor Almir Tadeu de Arruda Guimarães. O processo saiu da 3ª Vara para o MP no dia 04 de abril e só retornou no dia 24 do mesmo mês.

Enfim, no dia 18 de maio, a juíza Antônia Siqueira Gonçalves Rodrigues entendeu que realmente meu pai precisava do tratamento, mas já era tarde.

O que aconteceu? A saúde do meu pai não pôde esperar tamanha burocracia e o desserviço da justiça, do Ministério Público e do Estado de Mato Grosso. No dia 03 de maio, após dias de muita dor e cansaço, meu pai foi levado ao hospital e teve que ficar internado. O quadro dele se agravou muito e ele teve que ser transferido para a UTI no dia 08 de maio. Apesar da luta, no dia 16 de maio, sem o devido tratamento, meu pai não resistiu ao câncer e faleceu.

Eu não sou hipócrita de achar que se meu pai tivesse tomando o medicamento conforme foi prescrito ele jamais seria internado. Ele poderia ter tomado todas as doses e mesmo assim ser vencido pela doença. A minha indignação é a forma como a Justiça trata o cidadão. Eu entendo que para o bloqueio de dinheiro das contas do governo há que se ter embasamento para tal, mas precisa demorar tanto? Precisa todo mês pedir? Não basta ver um ente querido sofrer, a Justiça tem que massacrar ainda mais? Quantas pessoas estão na mesma situação ou pior a que meu pai estava? É inconcebível que um cidadão de bem tenha que passar por isso. Indignada! Afinal, para que serve a justiça de Mato Grosso? Para que serve o fiscal da Lei? Eu mesma respondo: - dor, revolta e descaso.


Hérica Teixeira Latorraca é jornalista em Cuiabá.
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