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Sábado, 14 de dezembro de 2024

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A derrota da contrareforma é um alento para a democracia

A derrota do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), ao tentar impor ao país uma absurda contrarreforma política, soa como um alento à democracia em tempos tão reacionários no Congresso Nacional. Pelas propostas por ele engendradas a ferro e fogo –a ponto de destituir às vésperas da votação o presidente da Comissão Especial de Reforma Política, de seu próprio partido, por pontuais divergências-, levadas ao plenário da Câmara na noite de terça-feira, seria abolido o voto proporcional e o país passaria a adotar nas eleições de deputados o chamado “distritão”, seria institucionalizado o financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas, as eleições municipais e gerais seriam unificadas, assim como os mandatos, todos de 4 anos, com proibição de reeleição ao executivo.

Por mais que tente, não consigo enxergar em nenhuma das propostas do imperador do Legislativo nenhum avanço democrático, mas retrocessos típicos de períodos políticos conturbados como o que vivemos, e a racionalidade orienta que alterações tão profundas na Constituição da República não sejam feitas ao sabor do momento, ainda mais goela abaixo.

O“distritão” é exemplo típico. Ao raso argumento de que a população não consegue entender as razões e o funcionamento do sistema proporcional, que nada obstante assegura exatamente a “proporcionalidade” da representação popular no parlamento, inclusive de suas minorias, Mr. Cunha & Cia. vendiam o discurso fácil –e perigoso- de que os eleitos devem ser simplesmente aqueles deputados mais votados em cada Estado, sem qualquer ponderação quanto à representatividade que a sua linha ideológica, pretensamente representada por seu partido político, tenha alcançado nas urnas. Isso impediria a oxigenação política no parlamento, amesquinharia os partidos e consagraria definitivamente a eleição pela fortuna ou fama do candidato. Um aceno ao totalitarismo, que nesse particular colocaria o Brasil ao lado do Afeganistão e da Jordânia, únicos países a adotar o modelo para a eleição de deputados.

A constitucionalização do financiamento privado das campanhas, notadamente por empreiteiras, também veio embalada pelo argumento populista e inconsistente de que o financiamento exclusivamente público tiraria dinheiro de setores como saúde e educação para ser investido nas campanhas eleitorais. Financiar a democracia é tão importante quanto. E não enfrenta minimamente a realidade de que atualmente os financiados são também despachantes das empresas financiadoras junto ao governo e ao próprio Congresso, e de que não há nenhuma isonomia entre os candidatos, por isso a bancada majoritária é sempre empresarial. Por fim, não pode ser desconsiderado que essa proposta de emenda constitucional era um tentativa de tornar sem efeito a declaração de inconstitucionalidade do financiamento privado de campanhas eleitorais(ADI 4650, impetrada pela OAB, relator o min. Luiz Fux), já sacramentada por maioria de 6 votos no Supremo Tribunal Federal, mas cuja conclusão, providencialmente –para Cunha- vem sendo procrastinada há mais de um ano pelo pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes.

A unificação das eleições e mandatos de 4 anos para todos os cargos eletivos, com proibição de reeleição ao executivo, são também pretensões antidemocráticas que teriam como resultado não o barateamento das campanhas eleitorais e o impedimento de utilização da máquina administrativa pelos governantes –aliás, quanto ao ponto, parece melhor generalizar a desincompatibilização, como já ocorre quando o governador concorre ao Senado, por exemplo-, mas o fortalecimento da alienação política da população, que somente a cada quadriênio, em meio a uma campanha de divulgação curta e intensiva por centenas ou milhares de candidatos, seria chamada a optar de uma só vez desde a plataforma de governo nacional até as questões locais insertas nas propostas dos candidatos a vereadores.

A proibição da reeleição, por fim, vem sendo difundida como indispensável pelos mesmos que em 1997 reclamaram a sua aprovação e a alcançaram em meio a acusações e até confissões de mercancia. Representa na verdade a veiculação da ira de uma parcela da sociedade, e maior da classe política, contra a gestão federal que se estenderá por 16 anos, lá colocada e repetidamente mantida pela vontade da maioria da população brasileira. Seja esse ou aquele o governante federal, estadual ou municipal, quatro anos é pouco tempo para uma administração, e não existe sentido em vedar que o povo possa reconduzir aquele que tenha a sua aprovação. A alternância de poder, para ser saudável, não pode impor a descontinuidade administrativa como condição.

Se o sistema político-eleitoral brasileiro precisa de uma reforma, não era dessa.


José Renato de Oliveira Silva é advogado e professor.
zerenatoadv@hotmail.com

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