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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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O direito de defesa em procedimentos investigatórios

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Sancionada na última terça-feira (12 de janeiro de 2016), a Lei nº 13.245/2016, que alterou sutilmente o inciso XIV do artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), bem como inseriu no mesmo artigo o inciso XXI.

Porém, em que pese a leve alteração em nosso estatuto, a qual certamente passará despercebida pelos advogados que não militarem na seara criminal, é evidente que a mudança na prática criminal, principalmente na fase pré-processual, será extremamente significativa, motivo pelo qual merece breves considerações.

A principal alteração no inciso XIV se deu na substituição da expressão “repartição policial” por “qualquer instituição responsável por conduzir investigação”. A regra que já valia para as delegacias, mesmo que na prática não era aplicada conforme determinação legal, agora abrange o acesso do advogado a outras instituições responsáveis por conduzir investigações de qualquer natureza, como o Ministério Público e a Comissão Parlamentar de Inquérito.

Contudo, mesmo com essa alteração, a preocupação dos que militam na área permanece, qual seja, se a legislação será, na prática, devidamente obedecida ou se permanecerá o costumeiro desrespeito ao direito de defesa. Por exemplo, reza a lei que é direito (subjetivo) do advogado “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital” .

Como se vê, o inciso XIV prevê expressamente a desnecessidade do instrumento de procuração para que o advogado tenha acesso aos autos da investigação, quando não estiver resguardado de sigilo, e muito menos exige que o advogado requeira previamente, por escrito, o acesso aos autos à autoridade que preside a investigação. Todavia, infelizmente, tais práticas são corriqueiras no dia-a-dia, isto é, em determinadas instituições o advogado somente tem acesso aos autos da investigação, principalmente quando ela possui grande repercussão na imprensa, mediante prévio requerimento e deliberação da autoridade que preside o feito.

Em outras palavras, na prática, o direito subjetivo do advogado em ter acesso aos autos da investigação somente é exercido mediante deliberação da autoridade que a preside. Caso o advogado necessite com urgência de uma cópia de um documento que se encontra nos autos de uma investigação, muitas vezes para cumprir uma determinação judicial ou administrativa, ele primeiro deverá aguardar a deliberação da autoridade responsável sobre o seu requerimento. Inadmissível!

Críticas à parte, cumpre destacar ainda que a referida legislação inseriu o inovador inciso XXI ao art. 7º do Estatuto, que dispõe ser direito subjetivo do advogado “assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;”

Referido inciso torna obrigatória à presença do advogado durante o interrogatório, sob pena de nulidade absoluta do ato e de todos os elementos investigatórios dele derivados (fruits of the poisonous tree), sendo desnecessário demonstrar o prejuízo ocasionado à defesa.

Ademais, contemplou a alínea “a)” do referido inciso a possibilidade do investigado apresentar as suas razões e quesitos, oportunizando, assim, a contraprova na fase pré-processual, garantindo o contraditório ao investigado. Com efeito, o projeto original da lei, de autoria do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, previa ainda a alínea “b)” ao inciso XXI, que permitia ao advogado requisitar diligências no bojo da investigação, entretanto houve o veto nesse ponto pela Presidente Dilma, haja vista que poderia ensejar a interpretação de que a requisição do advogado seria de caráter mandatório, o que hipoteticamente geraria embaraços no âmbito das investigações e prejuízos à administração da justiça.

Não obstante, nada impede que o advogado requeira diligências à autoridade responsável pela investigação, a qual deliberará sobre a sua conveniência, bem como juntar a sua contraprova nos autos da investigação.

Por outro lado, vale destacar o §12 que prevê que a inobservância dos direitos subjetivos do advogado previstos no inciso XIV ocasionará a responsabilidade criminal e administrativa por abuso de autoridade da autoridade responsável, podendo, nesses casos, o advogado requerer o acesso aos autos ao juiz competente.

Em suma, a referida legislação nada mais fez do que garantir em nível infraconstitucional o que a Carta Magna (LV, art. 5º) e a Suprema Corte, mediante a Súmula Vinculante nº 14, já garantiam há muito tempo, ou seja, o amplo direito da defesa em participar dos procedimentos administrativos investigatórios.

Portanto, com todo respeito a quem tem posicionamento diverso, não há mais espaço para dúvidas de que o nosso sistema processual penal é predominantemente acusatório e não misto (inquisitivo na fase pré-processual e acusatório na fase processual), isto é, a iniciativa probatória deve ser necessariamente das partes, permitindo ao investigado produzir a contraprova desde o início da persecução penal, e não apenas no processo que não raras vezes somente é instaurado após anos de investigação.

O engano do sistema misto se encontra principalmente no fato de que a prova que é colhida na inquisição da fase pré-processual pode ser transportada integralmente para dentro do processo e que, somente então, pode o acusado contestar os elementos colhidos pela autoridade administrativa.

Dessa forma, a referida lei veio demonstrar que o sistema acusatório é imperativo no moderno processo penal, em tempos que se predomina o discurso em prol das prisões de figuras públicas e grandes empresários, na maioria das vezes consubstanciadas no famoso instituto da delação premiada, esquecendo-se que o investigado deixou de ser mero objeto da persecução penal, assumindo a sua devida posição como parte passiva.

Foge a minha pretensão achar que com a entrada em vigor da referida lei todos os problemas serão solucionados e que a partir de agora as garantias e direitos serão respeitados, muito pelo contrário, falta-se muito para efetivar o sistema acusatório em nosso ordenamento, apesar de ser certo que o constituinte por ele optou. Por exemplo, uma mudança que ainda se anseia é justamente o impedimento do magistrado que atuou na fase pré-processual conduzir e julgar o processo em juízo, haja vista que já se inicia o processo contaminado apenas com os argumentos do membro do parquet ou da autoridade administrativa.

Espera-se com a entrada em vigor da referida lei que caminhemos para um processo verdadeiramente acusatório, do início ao fim, ou, ao menos, seja adotada a separação dos autos da investigação com os autos do processo, no intuito de se evitar que pessoas sejam condenadas com base na “prova” inquisitorial, ou seja, naquilo que foi feito na pura inquisição.

Enfim, cumpre refletir e parafrasear Ruy Barbosa: “A acusação é sempre um infortúnio enquanto não verificada pela prova”.

Fabian Feguri é advogado especialista em Direito Penal e Processual Penal e sócio do escritório Spinelli & Feguri Advogados.
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