Olhar Jurídico

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Artigos

Amazônia ontem e hoje*

“O tempo presente e o tempo passado/ Talvez ambos estejam presentes no tempo futuro, / E o tempo futuro contido no tempo passado.” T. S. Eliot, Norton Queimado.

Lançado em junho de 1970, o Decreto-lei n. 1106 criou o Plano de Integração Nacional (PIN). Dentre as principais iniciativas do plano se destacavam a construção de rodovias e projetos de colonização na Amazônia, e projetos de irrigação no nordeste brasileiro.Temendo a ocupação por potências estrangeiras, o Estado brasileiro incentivou a ocupação amazônica.O slogan do período sintetiza aquele temor: "integrar a Amazônia [com brasileiros] para não entregar [a Amazônia para estrangeiros]."

A colonização da Amazônia pode ser divida em 3 fases.A primeira se identifica com o Plano de Integração Nacional (PIN). Destacam-se entre os principais objetivos desse plano: a construção de estradas como a Transamazônica e a Cuiabá/Santarém e projetos de colonização agrícola.

A segunda vai de 1974 à 1980, através do Programa Polamazônia, e estimulou a formação de fazendas de gado e a extração de recursos naturais. Reduções de tributos e benefícios fiscais incentivaram a ocupação, principalmente no norte de Mato Grosso e sudeste e leste do Pará.As fazendas da Volkswagen do Brasil, com 140 mil hectares, ou da multinacional Liquigás Group, com 566 mil hectares exemplificam o modelo dessa fase.

A terceira fase, iniciada nos anos 80, promoveu novos assentamentos rurais e mega projetos amazônicos.Um dos projetos foi o Polonoroeste, financiado pelo Banco Mundial.

Em todas as três fases, recursos subsidiados estimularam a colonização amazônica (não existia preocupação com os efeitos ambientais e sociais do financiamento de novos desmatamentos amazônicos ou mesmo com o desenvolvimento sustentável.) Assim, o imposto de renda dos fazendeiros era reduzido desde que projetos agropecuários fossem implementados na região da Amazônia Legal.Tambéma política de crédito fomentava investimentos não necessariamente empregados na produção agrícola. Não foi rara a aplicação desses recursos subsidiados no mercado financeiro (especulação financeira).

Impulsionados por tais incentivos, pelo sonho de ser proprietário rural e pela possibilidade de melhoria de vida, brasileiros de norte à sul se animaram a deixar suas regiões para ocupar a Amazônia.Mas se a atratividade da ocupação amazônica ocorreu em função de terras baratas e crédito atrativo, a promessa do desenvolvimento da infraestrutura se frustrou, acentuando problemas sociais e ambientais na região.

A reação aos problemas ambientais criados, sendo o desmatamento o maior deles, ocorreria nos anos 90.Porém, a nova percepção governamental conflitava com a percepção dos habitantes da Amazônia, ainda marcada pela exploração infinita dos recursos naturais (reconheça-se, ainda parcialmente existente).

Do ponto de vista econômico e social, a colonização recente amazônica produziu um emaranhado de relações econômicas e sociais, organizadas ou não, tudo isso disposto numa área de 60% do Brasil e abrigando mais de 20 milhões de pessoas. Qualquer política presente para a Amazônia não pode desconsiderar isso, tampouco como a Amazônia atual se formou.


*Artigo 6 da série de artigos Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.
Rinaldo Segundo, promotor de justiça no MPE/MT e mestre em direito (Harvard Law School), é autor do livro “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia: menos desmatamento, desperdício e pobreza, mais preservação, alimentos e riqueza,” Juruá Editora.
Sitevip Internet