Olhar Jurídico

Sexta-feira, 29 de março de 2024

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O direito e a sociedade

O Supremo Tribunal Federal, ao entender pela execução da pena, a partir do julgamento pela segunda instância, isto é, pelos Tribunais Estaduais e Federais Regionais, independentemente do trânsito em julgado, optou por aplicar e prevalecer o direito da sociedade, coletivo, sobre o direito do cidadão, individual.

Na prática, ao autorizar execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação e a partir do julgamento pela segunda instância, o STF apenas ordenou a obediência da lei processual, vale dizer, a execução provisória do julgado, pois sendo sem efeito suspensivo o recurso especial e o recurso extraordinário, as suas interposições não impedem a expedição do mandado de prisão após o julgamento da apelação, mesmo que a sentença tenha permitido a liberdade até o julgamento definitivo.

Esse entendimento decorre de o acusado ter sido condenado em primeiro grau e ter a sua condenação confirmada pelo Tribunal, pois a prisão a partir desse segundo julgamento e antes de sua condenação se tornar definitiva não viola o princípio constitucional da inocência, o qual assegura que o nome do acusado não seja lançado no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

O artigo 27, §2ª, da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, não ofende a Constituição Federal nem foi revogado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que, por sua vez, não impede a privação antecipada do condenado, se a mesma estiver prevista no Ordenamento Jurídico interno de cada país, como é o caso da polêmica decisão do STF, que tratou de prisão decorrente de sentença condenatória recorrível.

E não há falar que o princípio da presunção de inocência do acusado, ou melhor, o princípio de não culpabilidade se apresenta com presunção absoluta, pois, se assim fosse, não se permitiria, antes da sentença com trânsito em julgado, referida no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, a adoção e a execução de qualquer medida coativa contra o acusado, como a prisão provisória e a prisão preventiva.

Conforme a teoria dualista da escola clássica, o processo penal se divide para dois lados: o interesse público à repressão do crime e o interesse do indivíduo ao reconhecimento de sua inocência.

Em circunstâncias normais, há de prevalecer o interesse no reconhecimento da inocência. Em circunstâncias anormais, onde a sensação de impunidade deixa perplexa e indignada a sociedade, deve ser invertido esse interesse, de modo a prevalecer o interesse público na repressão do crime, com o rigor da lei, sobretudo na execução provisória da condenação.

O maior problema da sociedade não é o problema somente de origem moral, como pretendem alguns, nem tampouco um problema exclusivamente econômico-financeira, como afirmam outros, mas antes de tudo um problema de caráter jurídico.

Na vida social, o Direito tem de predominar, porque seus princípios regulam a vida em sociedade. Sem o Direito a sociedade não se organiza, exatamente porque sociedade quer dizer organização.

O quadro social que assistimos nos transmite um sinal de tempos com sintomas dissolventes: delinquências e improbidades, com impunidades. O trabalho nobre vai sendo substituído pelo trabalho falsificado. A corrupção e a violação à ordem jurídica, em nome do dinheiro, passam a ser regras. É preciso ter dinheiro e não mais ser honesto, como advertiu Rui Barbosa.

Dir-se-ia estarmos assistindo, como triste realidade, o fim do Direito, atacado pelo erro, pela vaidade e pela má-fé dos homens. Sim, quer isso dizer que a sensação de impunidade, até agora consentida pelas instituições, está a exigir que o Direito tenha defesa e que o STF, na sua missão constitucional, compete o dever de promovê-la, em nome da justiça nacional.

É preciso estabelecer uma nova ordem com a implosão da impunidade: o crime não compensa!

A não ser assim, poderíamos viver o estado de decadência do Império Romano, a partir do quarto século. É que ao lado da odiosa corrupção de costumes, o Direito conseguiu ser a única verdade viva, cabendo aos Ministros da nossa Suprema Corte buscar inspiração na passagem histórica: Roma sobreviveu no Direito. Antes em Roma, hoje no Brasil, o Direito salvou e salvará a Nação.


Zaid Arbid é advogado
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