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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Precisamos falar sobre o trabalho infantil

Conforme estimativas da UNICEF, cerca 168 milhões de crianças e adolescentes são submetidos a situações de trabalho infantil no mundo inteiro. Somente no Brasil, segundo dados da PNAD 2015, são 2,7 milhões. 2,7 milhões de futuros professores, engenheiros, médicos, advogados e quiçá cientistas que, entre tantas outras profissões que poderiam ter desejado exercer, têm, diariamente, seus sonhos interrompidos e suas vidas marcadas para sempre.

Destes 2,7 milhões de brasileirinhos, 208 perderam a vida nos últimos 10 anosem razão do trabalho precoce, em um universo de 38.257 acidentes, dos quais 23.100 foram graves, acarretando, por exemplo, amputações de membros. São 208 famílias órfãs de seus rebentos. 208 pequenas vidas ceifadas abrupta e violentamente e outros 23.100 pequenos seres mutilados, tudopara garantir a prosperidade de grandes empresas, intermediários e aliciadores, que não hesitam em se utilizar de mãodeobra barata e precária, contanto que o resultado final seja a geração de lucro.

Mas seu vizinho trabalhou desde criança e não morreu, não é mesmo? Seu amigo aprendeu, desde cedo, a profissão do pai e hoje tem seu próprio negócio; sonhava em ser psicólogo, mas, tudo bem,tornou-se dono de uma pequena sapataria de sucesso no bairro. Aquelamenina de família humilde do interiortomava conta dos irmãos menores e realizava o serviço doméstico desde os oito anos de idade para que seus pais pudessem garantir o sustento da família; abandonou os estudos eo sonho de tornar-se enfermeira, mas, tudo bem também, hoje sabe dar valor ao trabalho e já ensina sua filha de sete anos a seguir seus passos.

São todas situações cotidianas, embora invisíveis para grande parte da sociedade. Sob o manto de falsas verdades que se sustentam há anos no imaginário do senso comum e ao som de argumentos como o de que “é melhor trabalhar do que ficar na rua”, milhões de crianças e adolescentes vêm sendo explorados ano após ano no Brasil e no mundo, afastando-se do caminho da educação e perpetuando o ciclo da pobreza.

É nesse momento, então, quearealidade vem à tona. A realidade dura e seca, que vem para revelar que o trabalho precoce mata, sim; que o trabalho precoce deforma, mutila, gera doenças e chagas que, por vezes,podem até não se fazer notar ao primeiro olhar, mas se manifestam na forma do embrutecimento, do olhar vazioda criança que cedo demais foi obrigada a se tornar um jovem adulto e da frustraçãopelo sonho que jamais saiu do papel.

A essas crianças e adolescentes, vítimas do trabalho precoce, é preciso descortinar um horizonte de novas esperanças. É preciso garantir-lhes a tão proclamada proteção integral, como determina a Constituição Federal, além de educação, lazer e tempo para que sejam, de fato, crianças. É preciso que a sociedade não se cale diante do problema invisível, que reflita, discuta as nuances que o envolvem, que denuncie toda e qualquer espécie de exploração e, por fim, que veja e trate nossas crianças e adolescentes como o que verdadeiramente são: nossa prioridade absoluta.
 

Jéssica Marcela Schneider é Procuradora do Trabalho
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