Rodrigo Cyrineu
Foi anunciado, com distinta empolgação, o deferimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do pedido cautelar formulado pelo Procurador-geral da República, Dr. Rodrigo Janot, na ADI 5104, suspendendo, assim, o artigo 8º da Resolução 23.396 do Tribunal Superior Eleitoral. O eferido dispositivo assim apregoava – verbis: “Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”.
Sustentou-se, então, violação à Constituição Federal, a qual diz ser atribuição do Ministério Público a requisição – e não mero requerimento – de abertura de inquérito diretamente à autoridade policial. Disse-se, ainda, que a determinação de abertura de investigação criminal por parte do magistrado implicaria violenta ofensa ao sistema acusatório, em franca inobservância ao dever de neutralidade e equidistância inerentes à atividade judicante.
Duas vozes se mantiveram firmes na defesa do entendimento do C. TSE, quais sejam, as de Dias Tóffoli e Gilmar Mendes, os quais, com muita propriedade, relembraram as raízes históricas desse entendimento retratado na Resolução 23.396/TSE e a perfeita harmonia com o nosso sistema constitucional, o qual não só permite, como até mesmo recomenda, a conformação das competências dos órgãos e instituições pelas leis infraconstitucionais.
O poder de polícia no âmbito eleitoral foi transferido ao Judiciário com a edição do Código Eleitoral de 1932 e com a criação do Judiciário Eleitoral, reformando-se, assim, o sistema de verificação interna das eleições, realizado pelas próprias Assembleias e Corpos Legislativos, para o sistema de verificação externa, a cargo de um órgão capacitado e aparelhado para tanto. Daí, repita-se, o surgimento da Justiça Eleitoral.
Outro motivo crucial para a criação da Justiça Eleitoral – e consequente atribuição do poder de polícia – foi o constante abuso praticado pelos coronéis do poder (coronelismo), que usavam do corpo militar e demais mecanismos públicos para condicionar o resultado da votação, resultando daí a costumeira vedação legislativa da presença da polícia nos locais de votação.
Indaga-se: quem exerce o poder de polícia no dia da votação? Responde-se: o Juiz Eleitoral e seus designados. Ora, está no Código Eleitoral! E veja-se: até hoje as polícias são submetidas ao Poder Executivo, faltando-lhes a independência funcional inerente ao Judiciário, o que acaba por comprometer a sua atuação livre e desembaraçada em razão das diretrizes e comandos do Poder Central do Governo (Estadual ou Federal), num país onde corre desenfreado o abuso do poder político e de autoridade nas pretendidas reeleições e no apoio aos sucessores governistas.
Isso, por si só, já justifica a submissão das polícias ao Judiciário no que diz respeito às investigações criminais-eleitorais. Mas aí se pontuaria: mas o Ministério Público detém independência funcional! Contra essa assertiva, reproduzo excerto do voto do Min. Gilmar Mendes referindo-se à arena eleitoral – verbis: “Então, a mim me parece que isso é um todo que se desenvolve, e é por isso que eu não sou capaz de rever esse modelo que vem funcionando, assim, sem óbice para a atividade do Ministério Público, mas com controle, numa área que é muito sensível, sujeita à partidarização, à politização, à atomização dos diversos interesses, à cooptação de segmentos de Polícia, de Ministério Público, ou a gente não sabe disto?”.
De mais a mais, como bem disse o Ministro Dias Tóffoli e o Ministro Gilmar Mendes, o Judiciário jamais estancaria uma investigação a troco de nada, aliás, exerceria, alvissareiramente, rígido controle nas medidas invasivas, não só para evitar futuras anulações, como também para preservar a imagem de candidatos que podem ser alvos de investigações direcionadas e infundadas que só terão como escopo jogar sua candidatura na lama.
Há de se lembrar, ainda, que o artigo 16 da Constituição Federal --- que veda a vigência de lei ou entendimento pretoriano elaborada(o) a menos de 1 (um) ano do prélio eleitoral ---, nas palavras de Gilmar Mendes, “é um saber de experiência feito”. O modelo pode até estar errado, teoriza Sua Excelência, mas seria correto decidir isso em sede liminar (cautelar), de afogadilho, às vésperas das eleições, ao arrepio do princípio da anualidade (ou anterioridade) eleitoral?
Derradeiramente, a par de todo o imbróglio e de toda a insegurança, fica a reflexão: diante das constantes anulações de investigações, muitas delas verdadeiras “pirotecnias” sem nenhum sentido, não seria a hora de se reformar a legislação processual para se introduzir, previamente ao juiz de instrução e julgamento, o juiz da investigação, responsável pela fiscalização dos atos investigatórios até o oferecimento da denúncia? Ganharia o jurisdicionado; otimizar-se-ia o sistema.
Rodrigo Cyrineu é Advogado Eleitoral