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A responsabilidade civil pela perda de uma chance

Julio Cezar Rodrigues

Responsabilidade civil é uma ideia que surge a partir da noção elementar de que aquele que pratica uma conduta que causa dano a outrem, tem o dever de providenciar a reparação. Com efeito, poderíamos entender este aspecto da responsabilidade como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em razão de sua ação ou omissão. Portanto, a responsabilidade civil emerge de um princípio (poderíamos afirmar até que fundamental) escorado na teoria de que ao violar um dever jurídico, seja através de um ato lícito ou ilícito, surge, em contrapartida, o dever de reparar.  

Interessa-nos aqui o tema da responsabilidade civil pela perda de uma chance, o que vem a ser um desdobramento da teoria da responsabilidade, a qual evoluiu, após a atenção dispensada aos casos concretos que são levados ao mundo jurídico, ao patamar de abarcar a responsabilidade não apenas para os casos em que alguém provoca um prejuízo direto e imediato à vítima, mas sim, por ter, com a conduta comissiva ou omissiva, impedido outrem da oportunidade de uma “chance” (possibilidade, ocasião) de ter alcançado um resultado útil, ou então, apenas pelo fato de haver privado esta pessoa de evitar um prejuízo.

Houve uma demora significativa até que a doutrina e a jurisprudência aceitasse a teoria da perda de uma chance para embasar ações indenizatórias, uma vez que seria dezarrazoado alguém ser condenado a reparar outrem em virtude de um evento que não aconteceu, ou seja, entendía-se não haver uma certeza a fundamentar o suposto prejuízo.

No Brasil, o Código Civil de 2002 não faz alusão a esta forma de responsabilidade civil, ficando seu estudo sob os auspícios da doutrina e jurisprudência, sendo que ainda não temos uma pacificação quanto a esse entendimento. Os doutrinadores mais conservadores e tradicionalistas ainda são reticentes quanto à aceitação dessa teoria, pois entendem que tal se dá em um campo de incerteza, contingencial e hipotético.

Contudo, ao se deparar com determinados casos concretos, fica evidente que a teoria tem uma razão de ser e um propósito muito claro, que não afeta o bom senso, tampouco a lógica jurídica. Existem situações fáticas em que a ação ou omissão de alguém, provocando um ato ilícito, conforme positivado pelo direito material (artigos 186, 187 e 927 do CC/02), retirou de outrem a possibilidade de exercitar um ato futuro que lhe renderia (mesmo em tese) um benefício ou evitaria um prejuízo. Perceba que estamos a falar sobre eventos que certamente aconteceriam e pelo qual a pessoa lesada havia ser preparado ou detinha competência/conhecimento/habilidade que fazia emergir probabilidade real de obter aquilo que almejava.

Não é outro o entendimento de Sergio Cavalieri Filho[1] ao asseverar que a perda de uma chance acontece quando “em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, (...). Deve-se entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda”.

Enfim, no que tange às chances perdidas, malgrado as diversas tipificações existentes (dano emergente, lucro cessante ou até mesmo dano moral), o que importa é possibilitar uma interpretação tal, que, em havendo uma oportunidade (chance) perdida, e, sendo esta de natureza factível e real, ela integrará o patrimônio da vítima, e, portanto, possuirá valor econômico, podendo, assim, ser indenizada.

Algumas situações que poderíamos citar como exemplo para aplicação da teoria em comento, diz respeito a perda de um direito por parte do cliente de um advogado, que, ao agir de forma desidiosa, impediu o acesso ao judiciário de seu cliente ou, também, o médico que ao deixar de realizar o correto diagnóstico do paciente, ocasionando o retardo no tratamento e, como consequência, a morte ou sequela deste, ou então, de um aluno de cursinho pré-concurso que perde a oportunidade de realizar o certame, visto que o cursinho não faz sua inscrição, pela qual havia se responsabilizado.

Perceba que nos exemplos acima, verifica-se estarem presentes os pressupostos da responsabilidade civil. Houve a “conduta humana”, no caso o advogado, o médico e o fucionário do cursinho foram negligentes (deixaram de fazer o que deveriam ter feito); houveram “danos”, ou seja, o cliente do advogado não obeteve a sua pretensão via judiciário, o paciente do médico morreu e o aluno do cursinho não pode realizar a prova. Talvez a análise do “nexo causal”, ou seja, se a conduta praticada pelo agente infrator está relacionada com o dano que a vítima sofreu, seja a mais complexa. Temos que existe um nexo (liame) quando a conduta praticada pelo agente ocasiona o dano que deverá ser objeto de reparação. Nos exemplos citados o cliente do advogado, obviamente poderia não ter obtido sentença favorável no judiciário, o paciente do médico poderia ter morrido mesmo que o diagnóstico fosse efetuado precocemente e o aluno do cursinho poderia ter reprovado na prova. Estamos no campo das probabilidades. Contudo, o inverso também é verdadeiro: cliente do advogado com sentença provida; paciente do médido estar vivo e o aluno aprovado no concurso. Foram retiradas destas pessoas a “oportunidade”, a “chance” de poderem obter aquilo que almejavam. Essa “chance” não era um exercício de futurologia vazio. Pela análise do caso concreto, havia probabilidade estatística significativa de conseguirem seu intento. Assim, configura-se a “perda de uma chance” que trouxe prejuízos e que deve ser reparada pelo agente causador nos termos do Código Civil.

É preciso admitir que não se trata de uma tarefa fácil aplicar a teoria da perda de um chance, até porque, esta ainda é relativamente recente em nosso País e, portanto, ainda suscita muitas discussões. Até que haja sedimentado o caminho para a aplicação desta teoria, e não se caia na já famosa “indústria do dano moral”, demandar-se-á de nossos julgadores extremo bom senso e razoabilidade para interpretar com justiça os casos que realmente se amoldam aos objetivos da teoria da perda de uma chance.

 
Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)

[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. pág. 71
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