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HC Coletivo e Legitimidade Ativa: uma visão.

Pablo Pizzatto

Para o Supremo Tribunal Federal, não há como se olvidar da dimensão funcional e teleológica da larga legitimação ativa conferida ao Habeas Corpus, de modo que a jurisprudência sobre o tema indica a adoção, como parâmetro, dos legitimados para a impetração do mandado de injunção coletivo, na forma do art. 12 da Lei n.º 13.300/2016, tal como decidido HC 143641.

De fato, no bojo do HC 143641 restou decidido que legitimidade ativa ao HC coletivo deve ser reservada aos atores listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. Nada obstante – e com todas as vênias de estilo –, tal limitação, em se tratando de instrumento de Habeas Corpus, de natureza ampla e fundamentalmente instrumentalizável, não faz nenhum sentido, a não ser por violar a larga legitimação ativa conferida ao Habeas Corpus pela CRFB/88.

Ante ao que representa a garantia constitucional do Habeas Corpus, não parece haver explicação jurídica razoável para tal limitação na legitimação ativa, se a razão mesma do Habeas Corpus coletivo é justamente proteção à liberdade, e de grupos.

Limitar o rol de legitimados à impetração do Habeas Corpus coletivo desnatura a essência, a razão mesma do que é o Habeas Corpus, como uma garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer coação ou violência na sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Bem se sabe que o Habeas Corpus, seja individual ou seja coletivo, constitui-se como um instrumento pétreo colocado à disposição dos indivíduos pela Constituição Federal de 1988, para proteger seus direitos fundamentais de liberdade. O Habeas Corpus é de suma importância, não apenas por constar na CRFB/88, mas, e sobretudo, por se encontrar estabelecido no rol dos direitos fundamentais. Por essa razão, também existe – e deve existir – uma ampla legitimidade ativa à sua impetração, prescindindo-se, inclusive, de capacidade civil ou postulatória para os impetrantes. É condição para a efetividade da garantia do Habeas Corpus, que a legitimidade seja ampla à impetração.

Aspecto importante é que, dada a natureza da garantia, a impetração do Habeas Corpus não exige, sequer, capacidade postulatória. O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) estabelece que “não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou Tribunal” (art. 1º, §1º). Além disso, bem se sabe que pode até mesmo ser concedido de ofício pelos Juízes e Tribunais, haja vista o princípio da indisponibilidade da liberdade, sendo dever do magistrado zelar pela sua manutenção.

E como, então, limitar a legitimidade ativa para a impetração, na modalidade coletiva? Não fica evidente a lesão que se está causando à CRFB/88?

Não vinga, data venia, o argumento do Supremo Tribunal Federal, de que a “dimensão funcional e teleológica da larga legitimação ativa conferida ao Habeas Corpus” significaria restrição no rol de sujeitos que poderiam questionar atos abusivos que atinjam, muito e quanto mais, a liberdade de uma coletividade. É justamente – com a devida vênia – o contrário; a dimensão funcional e teleológica da larga legitimação ativa conferida ao Habeas Corpus recomenda que seja o instrumento abertamente utilizável, seja ele na modalidade individual seja ele na modalidade coletiva.

A dimensão funcional e teleológica da larga legitimação ativa conferida ao Habeas Corpus não passa à ilharga do fundamento maior que o Estado Democrático de Direito busca garantir: o respeito às liberdades civis, às garantias fundamentais e aos direitos humanos, visando transformações na sociedade e a correção do arbítrio do Estado.

A possibilidade do Habeas Corpus na modalidade coletiva deve ser interpretada de forma convergente com a Constituição Federal, que deu máxima amplitude ao sentido da garantia e ao seu conceito, à sua abrangência e à sua aplicação, com o fim de garantir, de forma eficaz e adequada, a proteção ou o restabelecimento da liberdade de locomoção cerceada de forma injusta ou arbitrária, de modo que limitar o rol de sujeitos ativos constitui desarrazoada e contraditória medida.

Se é a liberdade um direito que atinge toda uma coletividade, não é razoável, nem mesmo viável, que só o rol específico de legitimados possa buscar esse direito na Justiça. Qual seria o argumento fundante de tal premissa, limitando a possibilidade de pleitear na Justiça o direito à liberdade de locomoção, condicionando tal pleito a um rol de sujeitos?

Bem, se nem capacidade postulatória se exige à impetração, muito menos deve se exigir que ao Habeas coletivo o sujeito ativo esteja expressamente consignado em rol legal, sob pena de franca limitação ao acesso à Justiça. Limitar o rol de sujeitos ativos à impetração do Habeas Corpus coletivo representa uma quebra na finalidade de garantir a máxima efetividade ao direito de liberdade de locomoção, uma elitização.

A tendência, em termos de ações com caráter coletivo, é justamente ampliar o rol de legitimados, dadas as proporções que os conflitos de interesses assumiram na modernidade, o que não é diferente nas relações opressivas do Estado com o indivíduo.

Neste sentido, é de se dizer que justamente com o fim de ampliar o rol de legitimados às ações coletivas, o Código-Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América faz conferir expressamente, em seu art. 3º, legitimidade ativa a qualquer pessoa física para a defesa dos interesses ou direitos difusos dos quais seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato; bem como ao membro do grupo, categoria ou classe para a defesa dos interesses ou direitos difusos dos quais seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base e para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos.

Direito fundamental de primeira grandeza, a liberdade de locomoção deve ser garantida de todas as maneiras imagináveis, de forma ampla, efetiva e eficaz, sem qualquer condicionante ao Habeas Corpus como legitimação ativa ou algo do tipo, uma vez que, quando se trata de uma injusta ameaça ou coação à liberdade de locomoção, a exigência de formalidades como a sujeição do pleito somente ao interesse de um ou outro legitimado acaba por tornar inviável o exercício e a proteção plena da liberdade de ir, vir ou ficar.

É evidente que o direito de liberdade de locomoção não pode sofrer com rasuras ou ausências em sua proteção só pelo fato de o respectivo remédio constitucional ter que se sujeitar ao interesse de uma ou outra entidade legitimada, arrolada de forma categórica e taxativa em um texto que disciplina o processo e o julgamento do Mandados de Injunção individual e coletivo.




Vida longa e mais liberdade ao Habeas Corpus!




Pablo Pizzatto é Advogado e Sócio-Fundador do Escritório Curvo e Pizzatto, que atua em Cáceres e região, na seara de Direito Público.




















 
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