Imprimir

Artigos

Quando a Justiça se torna injusta

Itallo Leite

A Justiça de Mato Grosso iniciou 2020 mais cara e, consequentemente, mais longe da população. Em vigor desde o dia 1º de janeiro, a Lei 11.077/2019 reajustou os valores das custas judiciais no estado e, assim, inviabilizou o acesso de parte da população que não tem como arcar com os novos valores. É fato que a tabela está defasada, uma vez que a legislação até então em vigência era de 2001. Mas nem por isso a atualização foi justa, já que extrapola os limites suportáveis pela sociedade e estabelece o critério econômico como filtro do acesso à Justiça.
 
A seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT) vem, desde antes da aprovação da lei, ainda em 2019, dialogando com diferentes interlocutores em busca de uma lei mais justa e condizente com a realidade da população. E estamos falando de um contexto pré-pandemia, quando as condições econômicas do nosso país caminhavam para uma estabilidade que foi retirada do horizonte pela crise provocada pelo novo coronavírus.
 
Na época, Assembleia Legislativa, Poder Executivo e Poder Judiciário receberam nossas manifestações, mas sem acatar ou discutir mais profundamente as sugestões apresentadas. Recorremos, por meio do Conselho Federal da OAB, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguimos adiar o início da vigência da lei, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, em um ano.
 
Mas o dia chegou e os novos valores já surtem efeito. Entre os principais aumentos, estão as custas iniciais para distribuição de uma ação, que teve o percentual praticamente dobrado e o custo da interposição de recurso, que passou de R$ 200 para 3% sobre o valor da causa. Isso sem falar dos adicionais de taxas que passaram a ser cobradas.
 
Não há como aceitar os percentuais adotados para a atualização dos valores, por mais que estivessem defasados. Concordo que a máquina pública precisa de receita, mas de modo algum este aumento deve inviabilizar o acesso à Justiça, condição indispensável para uma sociedade democrática e justa. O reajuste precisa de cálculos transparentes e pertinentes a nossa situação econômica. Só com um estudo ampliado, que envolvesse diferentes representantes da sociedade civil, será possível estabelecer uma tabela realista. Temas como esse não dizem respeito apenas a um ou a outro Poder, são de interesse público e o que é público requer debates e aprovação coletiva.


Vale lembrar que grande parte da população está precisando, mais do que nunca, recorrer à Justiça neste momento de crise e aumentar as custas é dar as costas para quem precisa. Falo aqui não somente das pessoas em situação de extrema pobreza, mas de pequenos empresários, pessoas desempregadas, novos trabalhadores autônomos, e inúmeros mato-grossenses que buscam por seus direitos.
 
A OAB-MT está aberta ao diálogo, como sempre, para dar voz aos advogados e aos cidadãos. Nós não vamos ser agentes passivos nessa tentativa de precificar aquilo que é um direito fundamental do cidadão, o acesso à Justiça.
 

Itallo Leite é advogado especialista em Direito Público (com ênfase em Constitucional, Administrativo e Tributário) pela UVA/RJ, tenho MBA Executivo de Direito em Gestão e Business Law pela FGV/RJ, Diretor Nacional da CONCAD, Presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de MT e participa semanalmente do podcast Direito em ação.
 
Imprimir