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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Maraiwatsede

Depoimentos confirmam ocupação indígena de Suiá Missú no Araguaia

Foto: Aprosum

Em protesto na BR-158, fazendeiros alegaram que a Funai fraudou a demarcação de Maraiwatsede deslocando a reserva para sobre as terras remanescentes da antiga fazenda Suiá Missú

Em protesto na BR-158, fazendeiros alegaram que a Funai fraudou a demarcação de Maraiwatsede deslocando a reserva para sobre as terras remanescentes da antiga fazenda Suiá Missú

Depoimentos colhidos ao longo do processo judicial sobre a posse das terras de Maraiwatsede obtidos pelo Olhar Jurídico contrariam a tese sustentada pelos fazendeiros da Associação dos Produtores da Gleba Suiá Missú (Aprosum) de que a Fundação Nacional do Índio (Funai) manipulou laudo antropológico para justificar a demarcação da reserva sobre as terras remanescentes da fazenda Suiá Missú e de que a área em litígio jamais foi de ocupação tradicional indígena.

Dentre as diversas pessoas ouvidas pela Justiça e que acompanharam o desenvolvimento da antiga fazenda, destacam-se os relatos de dois padres salesianos e de um antigo funcionário da sociedade entre o grupo Ometto e o pioneiro Ariosto da Riva, os quais mantinham a propriedade no fim da década de 1960.

Os três confirmaram em juízo que a área já era ocupada por xavantes quando tornou-se a maior propriedade rural do mundo, latifúndio com mais de 165 mil hectares.

Ocupação

O almoxarife Dario Carneiro trabalhou para a fazenda entre 1963 e 1968 e relatou à Justiça ter ouvido do próprio Ariosto da Riva e da família Ometto declarações de que as terras, adquiridas em 1962, eram habitadas por xavantes quando da instalação da fazenda Suiá Missú. Ariosto da Riva chegou inclusive a fotografar os xavantes que encontrou na área e com os quais buscou manter convivência pacífica. Mais tarde, quando os Ometto se associaram a Riva, estes já sabiam da existência dos indígenas na área.

Carneiro manteve contato direto com os xavantes e chegou a aprender o idioma. Ouviu dos índios que, de acordo com as histórias de conflitos com tribos dos carajás, sua permanência na área já durava pelo menos 150 anos. A parte de floresta era usada para caça e os índios moravam no cerrado, mas tudo era considerado território deles. Semi-nômades, mudavam as aldeias à medida em que a caça escasseava. Vestígios dessas perambulações são os cemitérios – um deles, próximo da pista de pouso aberta no latifúndio.

Antigamente, contou o ex-funcionário, havia duas aldeias dentro do perímetro da Suiá Missú, uma com 180 indivíduos e outra com cerca de 130, esta, inclusive, de nome Maraiwatsede (algo como “floresta medonha”, no idioma xavante). A mais longe, ainda assim dentro da área, distava cerca de 60 quilômetros da posterior sede da fazenda, onde os índios de ambas as aldeias chegaram a se unificar devido a laços de parentesco.

Transferência dentro do perímetro

Já o padre italiano Mario Ottorino Panziera, que trabalhava nas proximidades desde 1962 (mais especificamente na reserva São Marcos, onde os salesianos já trabalhavam com xavantes) revelou em depoimento no processo judicial que, embora os Ometto fizessem o possível para manter a convivência pacifica com os índios, a relação deles com os peões tornava-se promíscua. Foi quando resolveram levá-los para uma área de cascalheira ainda dentro da fazenda, mas a aproximadamente 12 quilômetros de distância ao norte da sede.

Porém, a área não era adequada para a sobrevivência dos indígenas. Terreno alagadiço, o local era repleto de poças de água parada e sofria uma proliferação de mosquitos. As casas onde os índios ficavam eram mais apropriadas para pernoites de períodos de caça que para a moradia, o que o próprio padre relatou ter sentido na pele.

Ele relatou uma “tempestade” de mosquitos e um ambiente “doentio”. Os xavantes recebiam alimentos fornecidos pela fazenda de duas a três vezes por semana e se ressentiam da falta de coleta de frutos e palmitos da área original, que estava sofrendo desmatamento.

Devido a essas condições insalubres, os padres e os Ometto conseguiram, junto à Força Aérea Brasileira (FAB) – em audiência com o brigadeiro Eduardo Gomes – auxílio para uma nova transferência dos xavantes, desta vez para a reserva de São Marcos, em aviões. Os xavantes de lá aceitaram receber em sua aldeia cerca de 200 pessoas, com quem conviveram bem até 1966, quando a presença de homens brancos gerou um surto de sarampo que matou cerca de 20% dos índios dali.

Território

Ouvido em juízo, o padre Bartolomeo Giaccaria, também italiano da ordem salesiana, informou que os índios sempre entenderam aquela permanência como provisória, também sempre desejando retornar às terras de onde foram retirados.
Ele mesmo afirmou ter publicado livros a respeito da etnia xavante e mencionou um deles, intitulado “Xavante, Povo Autêntico” (uma parceria com Adalberto Heide, publicado pela Editora Salesiana Dom Bosco).

Na obra, o padre incluiu uma descrição cartográfica do território xavante em Mato Grosso da qual já constava a área de Suiá Missú – todas as informações haviam sido coletadas dos próprios xavantes.

A versão é contestada pelos fazendeiros da Aprosum, e também com base em depoimentos indígenas. Desde os últimos desdobramentos do litígio na esfera da Justiça Federal (que determinou a desintrusão dos não-índios da área após plano a ser elaborado pela Funai), os posseiros têm contado com apoio de anciãos xavantes que negam a ocupação tradicional das terras em questão. Eles alegam que a Funai deslocou a área na demarcação e a justificou por meio de laudo antropológico fraudado que nem teria contado com perícia no local.

Os anciãos apoiaram protesto da Aprosum contra as decisões judiciais desfavoráveis, bloqueando por cerca de uma semana a rodovia federal BR-158, que interliga as cidades do entorno da reserva Maraiwatsede, na região do Araguaia. Eles inclusive se dirigiram para Cuiabá acompanhando delegação de fazendeiros que buscou uma saída política junto ao governo estadual para resolver o impasse a semana passada.

Paralelamente, eles anunciaram recursos a serem interpostos esta semana no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) para apontar afrontamentos a leis federais na demarcação de Maraiwatsede e a inconstitucionalidade do processo.

Também será interposta uma medida cautelar no STJ para emprestar efeito suspensivo aos recursos diante de decisão da Justiça Federal, anunciada na semana passada, determinando prazo de dez dias para a Funai elaborar o plano de desintrusão.



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