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ENTREVISTA ESPECIAL

A palavra do delator não pode ser tida como verdade absoluta, analisa professor de Direito Penal; confira entrevista

03 Jan 2016 - 17:04

Da Reportagem Local - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Paulo Victor Fanaia Teixeira

A palavra do delator não pode ser tida como verdade absoluta, analisa professor de Direito Penal; confira entrevista
Quem acompanha o Olhar Jurídico nesta virada de ano está se deparando com uma série de entrevistas e reportagens que buscam responder e questionar expressões comumente usadas nesse segmento do jornalismo, o da cobertura jurídica. O foco tem sido naquilo que foi destaque ao longo de 2015: “Delação Premiada” e “Medidas Cautelares” são algumas delas, além da conhecida e polêmica “tornozeleira eletrônica”. Infelizmente, são raros os políticos mato-grossenses que já não tenham passado noites em claro por uma destas expressões. Como tudo é relativo e para o bom jornalismo quanto mais análises, melhor, seguimos na busca do entendimento destes e outros assuntos. Para se posicionar a respeito, conversamos com o advogado Ricardo Spinelli. Ele questiona a colaboração premiada, analisa medidas cautelares e nos responde se nesse ano de 2015 a justiça foi feita. Leia, analise e comente.

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“Vamos trabalhar sobre colaboração premiada, que trata de um gênero no qual a delação premiada é uma espécie. Pro Brasil, essa lei que está em vigor agora não é uma novidade, o Brasil já tinha previsões normativas sobre a delação premiada em outras legislações, como a lei dos crimes hediondos, a lei sobre a organização criminosa, temos a primeira lei sobre lavagem de dinheiro, a lei sobre proteção de testemunhas, a lei de drogas e a lei de leniência que traz um paradigma sobre a forma de revelação, visando combater máfias de cartel e crimes de corrupção na seara econômica [...] Então o que vem a ser a colaboração premiada? Nada mais é que um mecanismo de se obter provas. Quando falamos em gênero, e eu falo que a delação é uma espécie da colaboração, porque quando falamos em delação premiada, o próprio artigo 4º da lei 12.850/2013 traz o possível resultado daquela colaboração que você faz. Dentro dos incisos se fala sobre a identificação de autores, de participes das ações criminosas. Logo é preciso demonstrar a prática do crime que você cometeu e delatar. Por isso falamos em delação. Mas quando falamos em colaboração como um gênero, você pode não delatar nem incriminar ninguém, mas trazer informações visando prevenir crimes, trazer informações sobre a estrutura de uma organização, suas tarefas, sem delatar ninguém. Ou seja, a colaboração premiada é um gênero o qual a delação é uma espécie, basicamente, um meio de obtenção de informações”.

Como podemos dar crédito à palavra de uma pessoa que além de criminosa, é delatora?

“Isso é um meio muito criticado. Eu falei sobre a evolução histórica do instituto da colaboração premiada. Num plano internacional existe aquela famosa Operação “Mãos Limpas”, do juiz italiano Giovanni Falcone, que acabou desbaratando a máfia Cosa Nostra. De um ponto de vista crítico, muitos falam que você delatar e identificar co-autores é um pouco temerário, pois o Estado acaba barganhando, como se vê muito no sistema americano de chamado plea bargaining, em que o próprio promotor de justiça acaba barganhando com a outra parte. Então o instituto da delação premiada nada mais é que você identificar co-autores e participes, obter informações, revelar estruturas, divisão de tarefas, assegurar a facilitação da libertação da vítima etc. Então, quero dizer, do ponto crítico, o Estado acaba, de alguma forma, dando benefícios a uma pessoa que acaba delatando os demais. Sabemos que esse mecanismo de obtenção de provas é uma coisa salutar e importante, desde que você analise isso de forma proporcional, com parcimônia. Mas, do ponto de vista crítico, de alguma forma a pessoa comete o crime, reconhece o crime cometido, faz informações, demonstra por meio de informações aqueles resultados que a lei traz no artigo 4º e barganha um prêmio. Por outro lado nós temos um inocente, pois a constituição até que se prove o contrário traz a presunção de não culpabilidade, mas ele tem que de alguma forma tem que fazer a contraprova, sabemos que é dever do Ministério Público, acusar. Mas por outro lado, por exemplo, se uma pessoa quer mostrar uma causa de justificação, provar sua legitima defesa, obviamente temos uma certa inversão, ora, eu quem tenho que provar que sou inocente, que agi sobre uma causa de justificação. Então temos que ter muita cautela sobre o instituto da delação premiada. Depende muito da forma como a pessoa delata alguém. Se não, dentro de uma instituição criminosa você acaba nominando apenas algumas pessoas e escondendo as demais. Para quê? Para proteger alguém?”.
 
ReproduçãoGiovanni Falcone (1939-1992) foi um juiz italiano especializado em processos contra a máfia Siciliana Cosa Nostra. Foi assassinado pelo mafioso Giovanni Brusca, juntamente com sua esposa e seus guarda-costas, ao passar de carro por uma estrada dinamitada por explosivos instalados criminosamente. Sua história guarda semelhança com a de seu amigo, Paolo Borsellino, que também foi magistrado engajado no trabalho contra a máfia.








Quais os riscos de um delator se tornar o “nome do jogo”?

“Justamente, esse é o cuidado que temos que ter. O instituto não traz isso com clareza, fala que a pessoa tem que trazer informações e dentro dessa regra de corroborações que o juiz irá verificar a eficácia da colaboração. Ele pode nominar e identificar pessoas, mas a palavra dele por si só não pode ser tida como verdade absoluta, tem que ser analisada com ressalvas. Ele tem que trazer informações. Ao terceiro que foi nominado, ele não pode impugnar esse acordo só porque falou dele, não, será assegurado o contraditório a ele, ele poderá ter acesso aos elementos de prova. Prova, pois só a palavra não é suficiente, tanto é que a lei 12.850 traz essa ressalva. Outro ponto importante é sobre os requisitos para essa delação, por exemplo, a voluntariedade. Tem que ser voluntário, tem que partir da pessoa. Um ponto crítico nisso é que a gente vê que, como em algumas operações, sem dar nomes aos bois, muitas pessoas estão presas preventivamente e na prisão estão buscando formas de fazer uma delação premiada. Será que isso é voluntário? Não estou dizendo sobre espontaneidade, não, mas voluntariedade. Será que é uma forma de pressão ou coação? ‘Faça essa colaboração, identifique as pessoas para buscar um prêmio?’, é um risco muito grande”.

Outro ponto...

“E se o delator omite pontos importantes? E se omite fatos? E se ele faz um acordo, quebra o acordo e novamente faz outro acordo? Sabemos que dentro da eficácia da colaboração o que vale é a idoneidade das informações. Da personalidade do colaborador, isso é um momento do juiz avaliar as condicionantes, ou seja, a eficácia do que se produziu com o relato. Seja com uma diminuição de pena, em até de dois terços ou substituição de pena, sendo perdão judicial, etc. Vou além, essa colaboração premiada não precisa ser feita apenas na fase de investigação e de instrução, você pode fazer até após o transito em julgado, a lei fala que a qualquer momento. Mas qual benefício vou receber? Nós temos benefícios como a progressão de regime, então a lei traz isso”.

Medidas Cautelares:

“As medidas cautelares, diversas da prisão, ela veio pela lei 11.403/2011, então pós 2011 o próprio legislador trouxe um rol taxativo sobre nove incisos, entre eles a monitoração eletrônica, a proibição de se contatar com denunciados, recolhimento domiciliar, etc. Ou seja, o juiz, dentro dessas medidas o juiz irá julgar a necessidade e a adequação diante de cada caso concreto. A prisão é vista como ultimo meio. Medida excepcionalíssima. A liberdade é regra e a liberdade foi muito conquistada pela revolução francesa, o iluminismo está bem aí. Então ao réu é dado o direito de responder, um processo penal, em liberdade, a depender do juiz. Caso a liberdade, por si só plena, cause algum embaraço ou a execução penal ou às investigações ou à aplicação da lei penal. Enfim, o juiz verifica a conveniência de fixar cautelares diversas. Por exemplo, se uma pessoa briga em um bar, o juiz pode fixar que ele responda ao processo em liberdade, mas a evitar que ele embarace o processo, impeça que ele freqüente o local do crime. É uma forma de harmonizar dentro da constituição. Essas restrições serão impostas dentro de cada caso concreto. Cabe ao juiz dosar diante da complexidade e da gravidade. Obviamente, quanto mais grave ou complexo o ato em si, medidas cautelares mais graves serão impostas, como a tornozeleira eletrônica”.

Como explicar que um delator/réu que comete crimes de prevêem 15 anos de cadeia cumpra sua pena em regime domiciliar enquanto que uma pessoa que furtou um celular ou uma bicicleta cumpre em regime fechado?

“Essa violação de valores, vamos assim dizer, a uma pessoa que comete um crime grave e complexo, acaba se beneficiando por um acordo enquanto que um que furtou uma galinha é punido. Muito se coloca em crítica a delação premiada por conta disso, por dar benefícios para uma pessoa que delata os demais, enquanto que outro não. A delação premiada é um instituto legal, mero meio de obtenção de provas. Ela, por si só, não faz jus à conseqüência. Perguntado sobre essa falta de proporcionalidade, então, posso dizer que o problema está na eficácia, na fiscalização disso, na forma como se estipula a delação premiada como uma prova certa de tudo, essa proporcionalidade precisa ser pesada. Você deixa uma pessoa que tem que provar sua inocência e sofre contraprovas enquanto que outro que delata, recebe um prêmio. Isso é colocado em xeque. Será que há violação à constituição e ao processo legal? Será que estamos dando armas à paridade? O instituto deve ser analisado, pois é injusto. A palavra é essa: Injusto, mas legal”.

Faz sentido que um criminoso do colarinho branco use tornozeleira eletrônica dentro de casa, mesmo sabendo que ela não impede o suspeito de cometer outros crimes, via internet, telefone, etc?

“Isso aí é um ponto importante que você levanta. Qual a efetividade de uma tornozeleira eletrônica? Pelo menos em casos que vemos hoje, os casos midiáticos, de colarinho branco, será que outras medidas cautelares não seriam suficientes? Uma pessoa que possui suas raízes em determinada jurisdição, que todas as vezes que é chamada comparece e contribui ao processo e, porque está envolvido em um crime de colarinho branco, é a ele fixada uma tornozeleira eletrônica, enquanto que outras medidas menos invasivas e gravosas poderiam ser adequadas o suficiente para o caso concreto? É um ponto de reflexão: Será que a gente fixa isso para atender anseios sociais? Em casos de desvio de cifras milionárias? Estamos dando uma resposta à sociedade? É complicado, é preocupante. Como disse, o juiz quem deve verificar, dentro de sua convicção, sobre a necessidade dessa cautelar. Mas, não é isso que verificamos hoje, comumentemente, em nosso cotidiano é que para crimes de colarinho branco vemos mediadas cautelares mais graves enquanto que para casos piores, com réus foragidos, medidas mais brandas. Há um problema de proporcionalidade”.

A tornozeleira eletrônica impede o corrupto de continuar corrompendo dentro de casa?

“Não, a tornozeleira irá apenas fiscalizar os passos, via sistema de monitoramento, que visualizará por GPS os locais aonde a pessoa vai. Vai impedir novos crimes? É complicado falar, pois um sistema eletrônico não é capaz de prevenir novas ações criminosas, mas reduz, pois você pode monitorar, visualizar, dentro de um espaço territorial onde a pessoa percorre. Por exemplo, em um crime onde a pessoa percorre determinadas dependências e agora você monitora que a pessoa continua a freqüentar aquelas dependências, então você consegue visualizar que o sistema é eficaz, para que ele não possa contatar determinadas pessoas, dependendo da localização. Não dá para dizer que isso vai impedi-lo de cometer outros crimes. A tornozeleira é apenas um controle, uma fiscalização dos locais aonde ele vai, para prevenir futuros crimes”.

Para o advogado é melhor defender um réu que se encontra solto, com tornozeleira, ou no Centro de Custódia?


“A todo réu é lhe dado o direito ao devido processo legal, a constituição impõe. Agora, das condicionantes (isto é, se está em liberdade ou não, vigiado ou não, em cárcere ou não)... pro advogado, é lógico, o cliente estando em liberdade o processo caminha com mais tranqüilidade e segurança, pois você consegue mais tempo para pensar e conseguir provas até porque o réu estando preso, o processo tem uma tramitação mais célere, (rápida), em conseqüência da prisão. Agora, para o advogado, estando monitorado ou preso, ele quer que a constituição seja garantida, isto é, que o cliente responda em liberdade. Agora, com relação às cautelares, isso tudo vai depender da forma como foram postas as medidas cautelares, a necessidade e a adequação delas. Claro que independentemente, o processo, corre normalmente”.

Nesse ano de 2015, a Justiça está sendo feita?

“Eu vejo que os órgãos de atuação, ou seja, o MP e a Polícia, detêm um papel importante em nosso Estado democrático de direito. Casos midiáticos apareceram com mais freqüência nesse ano, mas isso não significa que tenham trabalhado mais. Eles, ao longo de todos os anos, trabalharam, mas vemos que casos de repercussão ganharam mais notoriedade. Não vejo acréscimo. Vejo apenas casos de repercussão aparecendo com mais freqüência na imprensa”.

* Ricardo Spinelli é advogado, professor de direito penal e atualidades em direito penal e processo penal
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