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PRECISAMOS FALAR SOBRE O POMERI

Receita para o caos: juiz revela o que acontece antes, durante e após internação no Pomeri; veja entrevista

13 Jul 2016 - 14:00

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Juiz Tulio Duailibi, em entrevista

Juiz Tulio Duailibi, em entrevista

Imagine um jovem, um menor, de periferia, negro, pobre, sem educação adequada e sem perspectiva de emprego. Contraventor, por fazer “baderna”, ou criminoso, por "N motivos", é pego e levado à Vara da Infância e da Juventude. Lá recebe o aviso: o Estado não possui condições de “cuidar de seu caso”. Condenado à liberdade, esse adolescente não recebe qualquer apoio econômico, psicológico e/ou social do Poder Público. Não é reinserido às atividades escolares, tampouco convidado a uma atividade profissional. Resultado: taxa de reinserção ao mundo do crime em cerca de 70%.

Se preso fosse, não seria diferente o destrato recebido: no Centro Sócio Educativo do Pomeri, por exemplo, a estrutura é precária, as paredes estão infiltradas e os banheiros entupidos. Para o juiz da Segunda Vara da Infância e da Juventude, Túlio Duailibi, estamos criando a receita para o caos. Para evitá-la, não há saída: precisamos falar (seriamente) sobre o Pomeri.

Você acompanha agora a terceira parte da entrevista especial realizada por Olhar Jurídico com o magistrado.

Leia mais:
Parte 1: Nos últimos meses, 276 jovens infratores foram liberados por falta de vagas no Pomeri, revela juiz; veja entrevista
Parte 2: Manter o Pomeri vinculado à Sejudh é um erro que precisa ser corrigido, defende juiz; veja entrevista

"Porque agora estamos sempre discutindo maioridade penal? Porque é assim. Basta termos um caso de falta de segurança grande (como a sexta-feira da onda de ataques em junho deste ano) que esse assunto vem à tona. Mas esse assunto é causa ou sintoma? Para mim é sintoma. Como se a maioridade penal viesse a resolver esses problemas. Será que resolve se continuarmos a descuidar de outros aspectos? É lógico que temos casos que a gente sabe... Mas e em sua grande maioria? Você vê esse assunto em países que tratam da educação e da segurança? Você não vê. Na maioria dos países da Europa a maioridade penal é aos 18 anos e porque não se discute isso? Porque eles tratam da causa. Eu não quero cuidar de sintoma. Ninguém quer. Como a gente pode tratar disso se nas escolas o tráfico de drogas é intenso? É mentira o que falando? Não é", diz o magistrado.

Juiz Túlio Duailibi, o Estado tem sido omisso com relação à criança e ao adolescente?

Pelo menos no que diz respeito ao sistema sócioeducativo eu sinto isso. Está aí a falta de investimento. Eu vi esses dias que abriram cerca de 700 vagas para cadastro de reserva em um concurso para o sistema prisional e eu logo me perguntei: vai abrir para o sistema sócio-educativo? Porque hoje saem agentes sócioeducador de Cuiabá para cobrir interior. Acho que teríamos que perguntar para a SEJUDH: eles dizem que tem X vagas. Mas em Lucas do Rio Verde desde quando inaugurou, ele não trabalhava em capacidade operacional máxima. Nem em Barra do Garças. Por que? Porque lá não tem agente sócio-educador. Então posso falar que lá tem X vagas para receber? Agente sai daqui para cobrir plantão em outro local. Encerraram trinta e poucos contratos temporários e até hoje não recebi notícias de que aquelas vagas foram repostas. Se não houve reposição, não posso deixar ali com capacidade máxima. Como vamos fazer? Concorda? Sendo que a própria SEJUDH informou que seria ideal dois agentes para cada adolescente. Então as informações precisam ser claras.
 
* Interior do Pomeri 

Se eu sou um jovem criminoso ou contraventor, e sou liberado após procedimento, o que acontece em seguida?

Ele é liberado... eu marco audiência de acordo com a minha pauta e espero que ele venha...

Essa é a receita para o caos, não?

Esse é um problema que a gente tem que discutir. Quero dizer, eu não tenho vaga lá (Pomeri), eu vou soltar ele. Por uma questão de responsabilização. Tenho que fazer isso com muita tristeza.

Existe Lei Federal 12.594/2012 em 18 de Janeiro de 2012, chama Lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). Porque é que o ECA e a Lei do Sinase trabalham em conjunto no que seria a “internação + semi-liberdade”? Justamente para quando ele saísse daqui (Pomeri), ele viesse para um lugar onde o próprio Estado o acompanhasse em uma qualificação, em uma inserção, de modo que ele pudesse pernoitar sob custódia do Estado. Mas o que acontece? Ele sai da internação e vai direto para o meio aberto. Do monitoramento rígido para um monitoramento mais flexível.

Sem educação e sem trabalho?

Pois é, exatamente. Vaga de escola, por exemplo, é um problema. A gente tem que sair correndo atrás de vagas para eles na escola, através de nossos agentes da infância e da juventude. A gente tenta aqui suprir certas omissões. Pegar na mão desses adolescentes e se está faltando vaga em escola: ‘não, vamos lá na escola, ver o que está acontecendo, precisa!’.

Grandes chances de reinserção ao mundo do crime, não?

Temos um índice de reingresso, de reincidência, grande...

Quantos por cento, mais ou menos?

Olha, não sei informar exatamente, a unidade não me informou, mas me disseram cerca de 70%. Mas por quê? Por falha, por não termos eficiência nestas questões. Temos o “problema do antes” e o “problema do depois”. O antes é isso que estamos vendo, escola com problema, falta de transporte e moradia. O depois do ato infracional é a inexistência de um modelo eficiente de acompanhamento, de modo a evitar que ele entre na justiça criminal adulta. Então a gente precisa repensar o sistema socioeducativo é exatamente saber onde vamos colocá-lo. Em que nível de discussão vamos colocar ele? Mas insisto na tese de melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Especificamente da estrutura do Pomeri, como está?

Estrutura do Pomeri, nós temos que dizer a realidade: é um mini-presídio, com celas, as condições são as mesmas, vire e mexe quando faço inspeção eu ouço que tem paredes com infiltração de água, banheiro entupido. Por isso que dizem: “Ah, está superlotado”, não é que está superlotado, ele está dentro da capacidade, eu respeito o aspecto numérico, mas se tem uma unidade de habitação que não pode receber, eles vão tirar e botar (o adolescente) em outra cela. Não sei nem se eles (Poder Executivo Estadual) têm contrato de prestação de serviço para nos socorrer de forma rápida. Então é assim: o sistema é precário.

Quantas celas são? Quantas pessoas por cela?

Na unidade definitiva temos 40 vagas em 01 bloco, o que dá 20 celas. Já na unidade provisória temos a “Ala A” e “Ala B”. Então, “Ala A” tem 20 vagas dividas em 10 celas e a “B”, 15 vagas divididas em oito celas.

A estrutura é precária. Eles vão reformar, mas não sei nem se as reformas vão atingir as unidades de habitação.

Como funciona o dia-a-dia lá?

Eles tem escola lá. Chama-se “Meninos do Futuro”...
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