O Governo do Estado de Mato Grosso atendeu interesses particulares do Ministro Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ao solicitar, mediante Procuradoria Geral do Estado (PGE), que a Justiça derrubasse a liminar que garantia a proteção do Parque Ricardo Franco. É o que afirma o Ministério Público Estadual (MPE), que convocou a imprensa, nesta quinta-feira (26), para denunciar a decisão. O ato marca a protocolização de um agravo junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), buscando reverter a situação.
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A ação foi encabeçada pelo procurador-geral de Justiça em exercício, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, e por Regiane Souza de Aguiar, procuradora de Justiça de Vila Bela da Santíssima Trindade, município onde se localiza o Parque. Eles não pouparam adjetivos e não esconderam sua decepção com o Estado e com o Ministro de Michel Temer (PMDB). “O ministro está ocupando indevidamente aquela área, e disse (em outro momento) que quem invade indevidamente é grileiro, é assim que a gente chama”, disse Scaloppe, que ainda disparou. “Não sei o que se passa na cabeça do governador, mas sei que ele está fazendo uma coisa errada”, em outro momento, acrescentou, “é imoral”, “estou decepcionado”.
A dupla acrescentou também que, em reunião com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), a procuradora teria sido coagida a desistir da empreitada em favor do parque, em nome dos interesses dos poderosos. A chateação do procurador geral tem explicação: ele atua há muitos aos à frente da Procuradoria Especializada de Defesa do Meio Ambiente. “O sacrifício dos interesses ecológicos, em troca de interesses particulares”, declarou Scaloppe.
Polêmica:
O Parque Serra de Ricardo Franco, objeto da polêmica, fica localizado no município de Vila Bela da Santíssima Trindade. Considerada unidade de conservação, o parque só pode ser explorado indiretamente em ações de turismo ecológico, passeios, trilhas e em atos de educação ambiental. Deveria receber, portanto, proteção integral, o que não vem ocorrendo.
O MPE denuncia que, desde quando fundado, em 1997, o Parque Serra Ricardo Franco teve seus 158,6 mil hectares explorados por interesses pessoais, tais como pecuária sem licença, desmatamento irregular e até mesmo trabalho escravo. É aí que, segundo os Procuradores, entra o Chefe da Casa Civil de Temer. “O Ministro Padilha está ocupando irregularmente o parque, que é uma unidade de conservação. Deduzo que ele não tenha consciência ambiental de que está fazendo isso, além das pressões, que temos notícias, que ele faz para permanecer no parque. O que melhor faria o ministro, para dar um exemplo nacional, era aceitar o Termo de Conduta oferecido pelo Parque, é bom que se entenda isso. Nesse acerto ele daria um exemplo de que iria cumprir as normas, de acordo com a Constituição e as Leis Brasileiras”, declarou o Procurador-Geral em Exercício.
O Parque Serra Ricardo Franco contém em seu interior centenas de cachoeiras, piscinas cristalinas, vales e uma vegetação que reúne floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal, com espécies únicas de fauna e flora, algumas ainda desconhecidas da ciência. O local abriga ainda a Cachoeira do Jatobá, a maior do Estado, com seus 248 metros de queda. “É um tesouro de Mato Grosso”, adjetivou o Procurador-Geral.
Scaloppe teme a manutenção das grilagens. “A fauna está ameaçada, a flora, nossas relações com a Bolívia, pois o parque está para além da fronteira geopolítica e, o que preocupa mais ao MPE e a mim, o precedente criado pelo governador. O governador fez um gesto ousado. Moveu a PGE, após a omissão dela por meses e com a concordância dela, fez com que entrasse com um pedido de suspensão muito tempo depois, movida indisfarçavelmente por interesses das pessoas que ocupam o parque”, disse.
O Procurador não sabe explicar por que o governador Pedro Taques decidiu invocar a PGE para derrubar a liminar que protegia o parque. Agiu “sob pressão, sob pedido ou por boa vontade ideológica, não sei o que se passa na cabeça do governador, mas sei que ele está fazendo uma coisa errada”, disse Scaloppe. Em outro momento, detalha seu entendimento. Houve “pressão particular de quem está com o poder político sobre outro poder político que é o Estado de Mato Grosso”. Atitude, segundo o magistrado, é “imoral”.
“Estou decepcionado com a atitude do meu amigo (Pedro Taques), muito decepcionado, pois esse é um precedente. Ele é um Constitucionalista, um bom professor e sabe que não poderia ter feito isso”, disse. “Uma pessoa que consegue mover um governador, um vice-governador e a diretoria da Sema-MT, tem que ser poderosa, e eu deduzo que seja o Ministro Padilha. Afinal, o governo do Estado está reclamando tanto de dinheiro e precisando tanto da ajuda da Casa Civil e da União, para ter seus recursos públicos... ele deve ser uma pessoa poderosa! Também a PGE é poderosa, também o governador, também o vice-governador presidente da Aprosoja, muito ligado com o Senador Ministro da Agricultura (Blairo Maggi). São muito poderosos”, queixou-se o Procurador.
Ao
Olhar Jurídico, o Procurador confidenciou que Eliseu Padilha fez, pessoalmente, ligações telefônicas para o MPE e para outros órgãos, exigindo a manutenção de suas propriedades, agindo em defesa de interesses pessoais. Questionado se teria havido, por parte do governador do Estado, o crime de prevaricação, o procurador nega. Também não vê a situação como tráfico de influência. "Foi uma ação política que deve ser condenada politicamente, não tem crime, do ponto de vista legal, mas para mim é imoral”, disparou Scaloppe.
Reunião
Adiante, o MPE agrava o teor da denúncia. Afirma que a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso tentou intimidar a Procuradora de Vila Bela, Regiane de Aguiar. Scaloppe conta que ela foi convidada para o encontro no dia 25 de agosto de 2016. "Quando soube que ia muita gente, eu decidi ir junto, afinal, embora ela seja competente, é uma promotora inicial e no circulo dessas pessoas 'muito espertas', fiquei preocupado”, disse.
Era na verdade uma reunião bem maior que a esperada, e se daria no Palácio do Governo do Estado, o que causou estranheza ao MPE. “Nessa reunião estava o governador, o vice e toda a diretoria da Sema-MT, que por sinal, toda ela é remanescente das indústrias de Blairo Maggi (só para comentar)”, cutucou.
A Procuradora teria sido pressionada a abandonar seu projeto em defesa do Serra Ricardo Franco, abrindo mão de recorrer contra a suspensão da “proteção” do parque. “Fizeram pressão sobre a ação, uma pressão sutil, houve momento em que o vice-governador e Secretário de Meio Ambiente, Carlos Fávaro disse para ela, e eu não gostei disso, em um linguajar popular, se ela queria 'administrar o Estado ou a Sema-MT sobre aquilo'. Isso porque ela estava reivindicando uma fiscalização a que a Sema-MT estava obrigada por sentença”, declarou Scaloppe.
Os argumentos dos políticos para a derrubada da liminar do MPE e para solicitar a desistência do órgão na empreitada seriam dos mais variados: lesão ao erário, garantia da ordem pública e questões econômicas em geral.
Histórico do Embate:
O Juízo de Vila Bela da Santíssima Trindade havia deferido a liminar que garantia a proteção do Parque. Na ocasião, o MPE ingressou com 50 ações civis públicas contra proprietários de áreas, garantindo o esvaziamento do espaço e o fim da atividade extrativista e pecuária. O Poder Judiciário havia ainda determinando o bloqueio de bens desses proprietários na ordem de R$ 949,5 milhões.
Em dezembro de 2016, todavia, a Procuradoria do Estado obteve, por decisão monocrática no TJ, a suspensão da decisão. “Primeiramente entraram (com liminar) contra o Item C – fiscalização ostensiva e retirada do rebanho. O presidente do TJ deferiu. Logo após o Estado aditou (solicitou alterações) para que fossem também suspensos os demais itens da ação civil pública contra o Estado, inclusive a questão do plano de manejo e da regularização fundiária”.
Para Scaloppe, em outras palavras, o Governo do Estado atuou na defesa de interesses privados através da PGE, o que seria, segundo ele “inadmissível” e “imoral”. Além da atuação do Estado em defesa das propriedades, outros 30 agravos de instrumento tentam, na justiça, reverter a decisão favorável ao MPE.
Raio-X do Parque: