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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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APROVADO NA CÂMARA

Para juízes e promotores, PL do Abuso de Autoridade pode prejudicar combate à corrupção

Foto: Rogério Florentino / OD / Reprodução

Para juízes e promotores, PL do Abuso de Autoridade pode prejudicar combate à corrupção
Na última quarta-feira (14) a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que atualiza a Lei do Abuso de Autoridade. O dispositivo criminaliza abusos cometidos por servidores públicos, juízes, membros do Ministério Público e das Forças Armadas. O presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados, juiz Tiago Souza Nogueira de Abreu, e o presidente da Associação Mato-grossense do Ministério Público (AMMP), promotor Roberto Aparecido Turin, criticaram alguns dos pontos do projeto.
 
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A proposta, que ainda necessita ser sancionada pela Presidência da República, lista 37 ações que, se forem praticadas com o intuito de prejudicar ou beneficiar alguém, configura abuso de autoridade. Entre elas, a de executar mandado de busca e apreensão de forma ostensiva para expor o investigado, impedir encontro reservado entre presos e seus advogados e decretar a condução coercitiva de testemunhas ou de investigados que não tenham sido intimados a depor.
 
O promotor Roberto Turin afirmou que não é contra a punição para casos de abuso de autoridade, mas viu com estranheza a rapidez com que foi aprovado este projeto, que deve provocar muitos efeitos na atuação do Poder Judiciário.
 
“Em primeiro lugar é bom ressaltar que no Estado de Direito e num regime democrático, ninguém em sã consciência é contrário à punição das Autoridades que eventualmente venham a praticar abusos [...] Mas, é forçoso reconhecer o evidente descompasso e a inversão de prioridades dentro do Congresso Nacional, pois os mesmos Parlamentares  que afirmam ser difícil e praticamente impossível conciliar a pauta das reformas com a análise e votação de leis ou emendas constitucionais que disciplinam, [...] conseguem, rapidamente, com extrema eficiência, aprovar o regime de urgência e  num intervalo de poucas horas, votar e aprovar uma nova lei de abuso de autoridade”.
 
Para o presidente da AMMP, dois pontos a se destacar são os artigos 30 e 31. O artigo 30 trata sobre “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”. O promotor considerou vaga a descrição.
 
“Inicialmente se verifica que a redação do tipo penal usa de expressões e conceitos genéricos e indeterminados. [...] Justa causa é um conceito que traz muita discussão acerca de sua caracterização. Um Promotor de Justiça que receba uma carta anônima apontando que determinado Agente Político ou Administrador Público ou ainda um Servidor Público que exerça cargos de chefia, está [...] numa possível conduta de improbidade e enriquecimento ilícito e resolve instaurar uma investigação preliminar ou inquérito civil para apurar estes pretensos fatos, tem justa causa? E se esse investigado resolve pedir em Juízo o trancamento do inquérito civil e um Juiz, por entender que não se pode investigar denúncias anônimas, [...] o Promotor de Justiça deveria responder por crime de abuso de autoridade?”, indagou.
 
Já o artigo 31 trata sobre “estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado”. Turin afirmou que estes artigos tem um potencial nocivo e trazem insegurança aos agentes que trabalham no combate à corrupção.
 
“Fica a pergunta o que seria uma prorrogação injustificada? O Promotor de Justiça pode alegar complexidade ou dificuldades decorrentes do volume de serviço e prorrogar uma investigação? E se o investigado recorrer a um Juiz que entender que a investigação não é de tanta complexidade assim e que o prazo não deveria ter sido prorrogado, o Promotor pode ser responsabilizado criminalmente?”.
 
Turin afirmou que no direito penal as definições de conduta devem ser objetivas, evitando o uso de conceitos abertos, como são os do referido projeto de lei.
 
“Na prática esses dispositivos podem dificultar a efetiva aplicação da lei e pior ainda podem ser utilizados de maneira maliciosa em uma antiética estratégia de defesa e resultar em inúmeras e injustas  representações criminais   contra membros do Ministério Público, dando azo a possibilidade e  abertura de inúmeras investigações, terminando por desgastar e fragilizar a atuação dos Promotores de Justiça”, disse.
 
Já para o presidente da AMAM, o objeto de maior preocupação é o artigo 43, que prevê que constitui crime, punível com detenção de três meses a um ano e multa, a violação de direito ou prerrogativa de advogado, entre eles o de impedir encontro reservado entre presos e seus advogados. Ele afirmou que os esforços serão concentrados junto à Casa Civil e Presidência da República, para obtenção de veto.
 
“Para a AMAM, o PL aprovado terá como resultado o enfraquecimento das autoridades dedicadas ao combate à corrupção e à defesa dos valores fundamentais, com grave violação à independência do Poder Judiciário, com a possibilidade de criminalização de suas funções essenciais. Por fim, solicitaremos ao seu departamento jurídico o exame do Projeto de Lei aprovado para posterior questionamento perante o Supremo Tribunal Federal”.
 
O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) também se manifestou, por meio de nota, sua preocupação com o projeto de lei. O órgão também afirma que o PL Nº 7.596/2017 criará obstáculos à legítima atuação do Ministério Público brasileiro no combate à criminalidade organizada e à corrupção.
 
Leia a nota do presidente da AMAM na íntegra:
 
Colegas,
 
Na noite dessa quarta feira (14) foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 7.596/17, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade. A movimentação para que entrasse em pauta foi iniciada ontem e, na tarde de hoje, votado o requerimento de urgência e aprovado o Projeto.
 
A respeito do tema, tramitam no Congresso Nacional três Projetos de Lei que versam sobre o tema do abuso de autoridade: o PLC27/17, já aprovado no Senado, conhecido originalmente como o projeto das 10 medidas contra a corrupção e que, no curso da tramitação, teve inserido em seu corpo dispositivos que preveem o abuso de autoridade; o PL 8.347/17, que trata da criminalização das prerrogativas de advogado, já aprovado no Senado e agora na Câmara pronto para votação, e o PL 7.596/17, aprovado hoje e que já passou pelas duas casas legislativas.
 
O PL aprovado nesta noite é de autoria do Senador Randolfe Rodrigues e estava há quase dois anos na Câmara dos Deputados sem movimentação, sendo encaminhado à apreciação do Plenário após despacho da mesa diretora.
 
Durante a tramitação do PL 7596/17, antigo PLS 85/17, seja no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, a AMAM, juntamente com a AMB e as demais associações trabalharam intensamente na tentativa de aperfeiçoar o texto, tendo obtido êxito em aspectos relevantes, notadamente na retirada do crime de hermenêutica, a fim de que divergências na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configurem, por si só, abuso de autoridade (art. 1º, §2º).
 
Também foi incluído no texto regra que exige finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (art. 1º, §1º).
 
No texto aprovado persiste, ainda, o artigo 43, objeto de maior preocupação, pois prevê que constitui crime - punível com detenção de 3 meses a 1 ano, e multa - a violação de direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II a V do caput do artigo 7º do Estatuto da OAB.
 
Agora centraremos esforços, junto à Casa Civil e Presidência da República, para obtenção de veto ao PL 7596/17, por entender que a aprovação do projeto deu-se em momento de instabilidade e sem debate necessário que permitisse aprimorar ainda mais o texto.
 
Para a AMAM, o PL aprovado terá como resultado o enfraquecimento das autoridades dedicadas ao combate à corrupção e à defesa dos valores fundamentais, com grave violação à independência do Poder Judiciário, com a possibilidade de criminalização de suas funções essenciais.
 
Por fim, solicitaremos ao seu departamento jurídico o exame do Projeto de Lei aprovado para posterior questionamento perante o Supremo Tribunal Federal.

 
Leia a nota do presidente da AMMP:
 
NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.
 
Em primeiro lugar é bom ressaltar que no Estado de Direito e num regime democrático, ninguém em sã consciência é contrário à punição das Autoridades que eventualmente venham a praticar abusos, portanto, não somos contra a atualização da Lei de Abuso de Autoridade e menos ainda contra a punição de eventuais abusos.  Mas, é forçoso reconhecer o evidente  descompasso e a inversão de prioridades dentro do Congresso Nacional, pois os mesmos Parlamentares  que afirmam ser difícil e praticamente impossível conciliar a pauta das reformas com a análise e votação de leis ou emendas constitucionais que disciplinam , por exemplo, prisão após a condenação em segunda instância  e maior rigor no cumprimento das penas ou ainda leis que facilitariam a investigação financeira de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro,  conseguem, rapidamente, com extrema eficiência, aprovar o regime de urgência e  num intervalo de poucas horas, votar e aprovar uma nova lei de abuso de autoridade.
 
Ao que parece, em termos de prioridade, no Congresso Nacional, é mais importante punir Agentes Públicos que eventualmente venham a abusar da sua autoridade do que melhorar a legislação sobre execução penal, resolver a infinda pendência de entendimentos sobre a prisão após a condenação em segunda instância e reforçar as leis que concedem melhores instrumentos para a investigação de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, votando, com a mesma urgência, o projeto anticrime do Ministro Moro, por exemplo.
 
Mas, “habemus legem”,  e essa nova lei votada às pressas em um desnecessário regime de urgência, traz alguns artigos que merecem uma análise mais profunda e causam preocupação  aos Agentes Públicos, notadamente aos Promotores de Justiça  que atuam no combate à corrupção e no combate às organizações criminosas, podemos citar, apenas a título de exemplo, o art. 30, assim redigido: “Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”. Inicialmente se verifica que a redação do tipo penal usa de expressões e conceitos genéricos e indeterminados.  Qual o conceito de justa causa fundamentada?  Justa causa é um conceito que traz muita discussão acerca de sua caracterização. Um Promotor de Justiça que receba uma carta anônima apontando que determinado Agente Político ou Administrador Público ou ainda um Servidor Público que exerça cargos de chefia,  está adquirindo bens em valores muito acima de seus rendimentos e colocando esses bens em nome de terceiros, numa possível conduta de improbidade e enriquecimento ilícito e resolve instaurar uma investigação preliminar ou inquérito civil para apurar eventual estes pretensos fatos, tem justa causa? E se esse investigado resolve pedir em Juízo o trancamento do inquérito civil e um Juiz, por entender que não se pode investigar denúncias anônimas, o que é também questionável, uns dizem que pode outros que não,  decide trancar a investigação.  O Promotor de Justiça deveria responder por crime de abuso de autoridade?
 
Em outra hipótese consta do Art. 31.  a seguinte redação “Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.”   Fica a pergunta o que seria uma prorrogação injustificada? O Promotor de Justiça pode alegar complexidade ou dificuldades decorrentes do volume de serviço e prorrogar uma investigação?  e se o investigado recorrer a um Juiz que entender que a investigação não é de tanta complexidade assim e  que o prazo não deveria ter sido prorrogado, o Promotor pode ser responsabilizado criminalmente?
 
As situações acima descritas demonstram que estes artigos tem um potencial nocivo e trazem insegurança aos agentes que trabalham no combate ao crime e à corrupção. Equivocadamente e com péssima técnica legislativa se usou de conceitos jurídicos indeterminados. É sabido que no direito penal, as definições de conduta devem ser objetivas, diretas, evitando-se, na medida do possível o uso de conceitos abertos e subjetivos.   Na prática esses dispositivos podem dificultar a efetiva aplicação da lei e pior ainda podem ser utilizados de maneira maliciosa em uma antiética estratégia de defesa  e resultar em inúmeras e injustas  representações criminais   contra membros do Ministério Público, dando azo a possibilidade e  abertura de inúmeras investigações, terminando por desgastar e fragilizar a atuação dos Promotores de Justiça.
 
Por outro lado se verifica que o apressado Legislador optou por criminalizar condutas que de regra representam meras irregularidades administrativas ou disciplinares e que deveriam ser resolvidas em nivel de Corregedoria ou pela atuação de Órgãos de Controle Externo, como o CNMP, por exemplo. O estudo  do Direito nos ensina que o Direito Penal, como a maior demonstração de força do Estado contra seus cidadãos, só deve ser utilizado como “ultima ratio”, ou seja, quando a gravidade da conduta e o sério prejuízo aos bens tutelados, não indique outra forma de reprimir a conduta ilícita. Portanto, andou mal o Legislador ao criminalizar condutas que deveriam e poderiam ser tratadas adequadamente na esfera do direito administrativo e disciplinar. Ainda resta uma esperança, afinal esse projeto de lei será encaminhado à sanção Presidencial e passará por apreciação do Ministério da Justiça e do Presidente da República que tem poder de veto, portanto artigos com esse grau de nocividade e que contrariam a doutrina e a boa técnica legislativa, além de serem potencialmente danosos ao bom andamento dos trabalhos de combate à corrupção, podem e devem ser vetados. È o que se espera.
 
Roberto Aparecido Turin Promotor de Justiça Especialista em Direito Penal e Direito Público Presidente da AMMP – Associação Matogrossense do Ministério Público turinmp@yaho.com.br e roberto.turin@mpmt.mp.br


 
Leia a nota da CNPG pelo link.
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