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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Advogados apontam avanços e ‘retrocessos’ com mudanças na colaboração premiada

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Advogados apontam avanços e ‘retrocessos’ com mudanças na colaboração premiada
O intitulado “Pacote Anticrime”, popular nome dado ao o projeto de lei 6.341/2019 que foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no ano passado, trouxe várias mudanças nas regras para o combate à criminalidade, entre elas a chamada colaboração premiada no âmbito de organizações criminosas.
 
Entre as mudanças está a delimitação do objeto da colaboração, ou seja, o delator não pode narrar fatos ou crimes que não tenham relação direta com os fatos investigados, e também alterações na definição da pena para o colaborador. Os advogados Valber Melo e Filipe Broeto, especialistas em colaboração premiada, avaliaram que o benefício “evolui processualmente, mas retrocede materialmente”.
 
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Em 24 de dezembro do ano passado o presidente Jair Bolsonaro aprovou o projeto de lei 6.341/2019, que modifica a legislação penal e processual penal para torná-la mais rigorosa. O texto final é resultado de um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que fez várias alterações na versão original proposta pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
 
O “Pacote Anticrime” prevê, por exemplo, que depois de assinado o acordo de colaboração premiada, o juiz deverá ouvir o colaborador, acompanhado de seu advogado. Essa audiência era facultativa. O acordo não poderá conter cláusulas que violem as regras de cumprimento de pena e de progressão de regime. Caso haja problemas, o juiz poderá recusar o acordo e devolvê-lo para adequações necessárias.
 
As novas regras deram mais controle ao Poder Judiciário sobre os acordos de colaboração premiada, o que trouxe muitas dúvidas e inseguranças. Os advogados especialistas Valber Melo e Filipe Broeto conversaram com o Olhar Jurídico e apresentaram seus pontos de vista com relação às mudanças.
 
Leia a entrevista na íntegra:
 
Olhar Jurídico - Quais foram as principais mudanças que o “pacote anticrime” produziu na colaboração premiada?

Valber Melo - O intitulado “Pacote Anticrime” promoveu uma verdadeira reforma na legislação penal e processual penal, alterando paradigmas substanciais, tanto do ponto de vista processual (Código de Processo Penal) quanto “material” (Código Penal e Legislação Penal Extravagante).
 
Na lei de Organizações Criminosas, as alterações foram muitas. Entre as principais está o dever de motivação quando da recusa do acordo de colaboração, ou seja, nesse novo cenário, não pode o Ministério Público simplesmente dizer que não tem interesse em firmar um acordo de colaboração e ponto. Deverá, doravante, de forma fundamentada, dizer o porquê a colaboração não é viável no caso concreto. 
 
Filipe Broeto - Há também a delimitação do objeto da colaboração e agora a colaboração não pode ser como um “confessionário”, em que o colaborador tem que falar tudo, sobre todos, expondo muitas das vezes desnecessariamente e de forma indevida pessoas que não incorreram em qualquer tipo penal, mas apenas aos quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados.
 
Mas existem outras importantes, como a nova causa de “imunidade” processual, novos requisitos para a homologação, direito do delatado falar por último, a gravação das tratativas, impossibilidade de decretação de medidas cautelares e recebimento de denuncia apenas com base em colaborações, e por fim da rescisão do acordo, que somente poderá se dar a título de dolo.
 
Olhar Jurídico - De modo geral, pode-se dizer que a colaboração premiada ficou menos atrativa para o delator? Há menos segurança jurídica?
 

Filipe Broeto - Trata-se de análise complexa dizer se o instituto da colaboração premiada ficou menos atrativo para o colaborador. Sem embargo, se analisarmos objetivamente o novo texto, poderíamos afirmar que as balizas estão mais bem dispostas, fornecendo inclusive um caráter mais democrático ao instituto, com maior segurança jurídica não só ao colaborador, mas, também, aos delatados.
 
Valber Melo - Incontestavelmente, essas mudanças, principalmente dos artigos 3º e 4º, demonstram o avanço democrático do instituto, viabilizando, inclusive, muito mais segurança jurídica àquele que colabora com as autoridades investigativas.

Todavia, não se pode negar que a impossibilidade expressa pelo pacote anticrime de fixação de regimes mais “brandos”, em desobediência ao código penal e a lei de execução penal, como vinham ocorrendo nos chamados “acordos de convencionalidade”, amplamente repercutidos na Operação Lava Jato, dentre outras, acabou tornando o instituto “menos” atrativo ao colaborador.
 
Olhar Jurídico - Qual foi o pior ponto da mudança para os futuros colaboradores?
 
Filipe Broeto - Dizer qual foi o pior ponto é algo complexo e, em certa medida, até mesmo polêmico, uma vez que, não raras vezes, o objeto observado toma forma em razão de quem o observa. É dizer, a forma do objeto pode depender mais da interpretação que lhe confere o observador do que a forma que possui em si mesmo.
 
Nada obstante, deixando essa advertência “um pouco filosófica de lado”, na atual sistemática, o ponto menos favorável a quem pretende colaborar é exatamente a proibição expressa do legislador de se criar regimes de pena e progressão que não possuem previsão no código penal e na lei de execução penal.
 
Valber Melo - Antes, por exemplo, em inúmeros acordos de colaboração, repercutidos da Operação Lava Jato, vinha se convencionando limites de cumprimento de pena, em descompasso com o código penal, regimes diferentes (prisão acima de 8 anos em regime domiciliar), bem como possibilidade de progressão por salto, saindo do fechado direto para o aberto, em descompasso com a lei de execução.
 
Por isso, dentre várias mudanças, do ponto de vista do colaborador, a possibilidade de não poder mais “acordar” os “regimes iniciais diferenciados” acaba lhe sendo algo desfavorável e inseguro, porque, afinal de contas, de que adianta, por exemplo, a redução, em dois terços, de uma pena acima de 40 anos, se ela deverá ser obrigatoriamente cumprida em regime inicial fechado, com progressão ordinária?
 
Olhar Jurídico -  E qual foi a melhor mudança?
 
Valber Melo - Dentre as várias mudanças, a maioria positiva, acreditamos que expansão das hipóteses de proibição de utilização das palavras do colaborador (quando isoladamente consideradas) para recebimento de denúncia, decretação de prisão preventiva ou medidas cautelares reais é umas das mais louváveis, sobretudo porque, hoje, nessa sociedade acelerada e mundialmente conectada, o recebimento de uma denúncia ou o recolhimento à prisão, ainda que não implique um juízo de culpa, sem qualquer dúvida, impõe um estigma que tampouco uma decisão penal absolutória poderá apagar.
 
Olhar Jurídico - Acreditam que a lei anticrime tirou poder do MP, com relação às delações?
 
Filipe Broeto - Não acreditamos nisso.  O pacote anticrime não retirou poder do Ministério Público. Muito pelo contrário. Parece-nos que a nova legislação, ao estabelecer, por exemplo, o acordo de não persecução penal, amplificou as atribuições ministeriais. O que o intitulado “pacote anticrime” fez foi delimitar os espaços de atuação do referido órgão. Em um Estado Democrático de Direito, nenhuma instituição pode ter poder ilimitado. Poder limitado, por sua vez, não é ausência de independência funcional, senão que democracia. Portanto, delimitar os espaços de atuação nada mais é do que ampliar os espaços democráticos.
 
Olhar Jurídico - Qual é o melhor “cenário” para um delator após as mudanças na lei?
 
Valber Melo - Em que pese tenha havido inúmeras modificações legais, a colaboração premiada continua a ser um negócio jurídico processual, com natureza muito aproximada a um contrato. Logo, de nada adianta a legislação garantir direitos se não houver expertise na hora de instrumentalizá-los. Portanto, mais do que ter direitos, é necessário que se saiba resguardá-los, o que, na colaboração premiada, será alcançado com a firmação de um acordo premial sinalagmático, igualitário e justo.
 
Olhar Jurídico - Em geral, avaliam como positivas ou negativas as mudanças?
 
Filipe Broeto - Diante de todas as exposições, não temos dúvidas em afirmar que as alterações introduzidas pelo “pacote anticrime”, pelo menos no que tange ao instituto da colaboração premiada, foram mais positivas do que negativas. Tudo, sem dúvida, é muito novo e precisará de um período de decantação, de maturação.
 
Valber Melo - Por outro lado, de modo mais geral, verificamos que o pacote, em que pese tenha fixado mecanismos processuais mais democráticos, buscando implementar um processo acusatório, acabou recrudescendo as punições penais. Ou seja, “evolui processualmente, mas retrocede materialmente”.
 
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