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justiça cega?

Arcanjo segue sem julgamento como mandante de homicídios

04 Dez 2012 - 08:30

Da Reportagem Local - Jonas da Silva/Da Editoria - Marcos Coutinho

Foto: Otmar/Jornal A Gazeta

João Arcanjo Ribeiro - 10 anos da Operação Arca de Noé

João Arcanjo Ribeiro - 10 anos da Operação Arca de Noé

Dez anos após a deflagração da Operação Arca de Noé, que desmantelou  a maior parte das bases do crime organizado em Mato Grosso, o principal acusado e apontado como o chefe da organização, ex-policial João Arcanjo Ribeiro, conhecido pela alcunha de "o comendador", ainda não foi julgado por homicídios a ele atribuídos como mandante.

Um deles, tido como o mais ousado, foi a execução à luz do dia do fundador e ex-proprietário do jornal Folha do Estado, Domingos Sávio Branndão, morto dia 30 de setembro de 2002, na calçada da nova sede do periódico (localizada na rua Tereza Lobo, bairro Consil), quando ele vistoriava a obra junto com um amigo empreiteiro.

A partir de hoje, a equipe do Olhar Jurídico e do Olhar Direto publicam série de matérias sobre a operação e suas implicações na vida política, socioeconômica e jurídica de Mato Grosso. Amanhã, 5 de dezembro, completam-se 10 anos daquela operação iniciada na madrugada de uma quarta-feira que mudou os rumos de Mato Grosso e até mesmo da política estadual.

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O desdobramento das investigações e processos na Justiça Federal e Justiça Estadual contra Arcanjo e seus comparsas mostrou a infiltração do grupo na Assembleia Legislativa para desviar recursos públicos, por meio de operações de factoring e indícios de lavagem de dinheiro. Mas isso foi apenas a ponta do iceberg. Arcanjo tinha poder sobre muitas coisas, sobretudo na imprensa, que sempre foi omissa no combate ao crime organizado e muitos teciam loas ao ex-chefe do crime organizado.

O jogo do bicho, que ele controlava a ferro e fogo, passou a ser atividade secundária e a lavagem de dinheiro via atividades de fachada e supostamente legais (factorings, psicultura etc) passou a ter peso singular para a sustentação da quadrilha do ex-bicheiro.

O caso das operações com recursos públicos, que envolvia também o Poder Executivo, foi emblemático, mas, naquela época, o "comendador" também tinha em sua folha de pagamento muitos coronéis e oficiais de menor patente na Polícia Militar, policiais federais, delegados da Polícia Civil, agentes, secretários de Estado, empresários, magistrados do baixo e do alto clero do Judiciário e muitos políticos (de vereadores a deputados federais, além de ter bancado muitas campanhas políticas majoritárias, tudo a um custo muito caro), segundo a própria Agência Brasileira de Investigação (Abin).

Contudo, a própria imprensa era omissa, quiçá leniente, e só passou a colocar Arcanjo na condição de chefe de bando, quadrilha e do crime organizado depois de a Polícia Federal tê-lo prendido, por solicitações do Ministério Público Federal e da Procuradoria de Justiça. É bom que se diga que até mesmo o MPF e o MPE tinha uma certa dosagem de contaminação do poder de João Arcanjo, um homem religioso (frequentador das missas de São Benedito, todas as terças-feiras, às 05h, na igreja do Rosário) e o mesmo tempo temido.

Arcanjo era sinônimo de medo e muitos homens da imprensa também coadunavam ou fechavam os olhos para os crimes praticados em plena luz do dia. E os crimes chocavam porque muitos foram "abatidos" no meio da rua ou quando chegavam em casa. Nos bastidores da PF e dos MPs, comenta-se que alguns crimes foram colocados na conta de Arcanjo, mas publicamente ninguém ousa falar o contrário. Afinal de contas, o "capo" está preso numa penitenciária de segurança máxima e, mais do que nunca, decidido a guardar segredo sobre os fatos e crimes que lhe foram imputados.

Crime e castigo


"Na minha avaliação, os homicídios foram os que mais atemorizaram a população. Isso colocava a população como refém da organização criminosa", descreve o promotor Mauro Zaque, ouvido pela reportagem, ao comentar o ambiente pré-operação. "Se você passava na fente da casa do Arcanjo (bairro Boa Esperança), tinha pessoa armada, com arma de grosso calibre", aponta o promotor ao descrever o cenário da verdadeira pistolagem. Zaque foi um dos que participou das investigações e preparativos para a operação.

Entretanto, o promotor cobra que o próprio réu Arcanjo precisa de uma resposta do Poder Judiciário e é importante haver o julgamento o quanto antes, com o devido processo legal. "O próprio João Arcanjo tem que ter respostas. Ele não pode ficar ad eternum para saber se é culpado ou inocente. É conveniente para a sociedade para ela saber se considera ele culpado ou não", considera.

Manobras

O promotor João Augusto Veras Gadelha, que atua no processo da morte de Sávio Brandão, relata demora no julgamento após 10 anos como manobra da defesa nas brechas jurídicas. "O advogado depois entrou com recursos com o fim de protelar e não levar a julgamento". Ele afirma que aguarda liberação do Tribunal de Justiça para que o processo "desça" para a 1ª Vara Criminal de Cuiabá para marcar o Tribunal do Júri. Gadelha participou de todo o caso, com oferecimento da denúncia, fase de instrução, recursos e julgamento.

Em uma dessas manobras, Gadelha afirma que a defesa de Arcanjo entrou com "pedido de nulidade do processo alegando que não houve pedido de extradição dele do Uruguai para julgar o processo de Sávio Brandão". Mas, argumenta, foi feita "comunicação por embaixada, foi comunicado para a juíza que estava pronto para liberar para julgá-lo por crime".

Se condenado no processo de Sávio Brandão, João Arcanjo pode ter pena de 14 a 16 anos de reclusão por homicídio duplamente qualificado, de acordo com histórico da justiça criminal para casos equivalentes. Em boa parte dos processos em que Arcanjo é acusado, a execução dos crimes no estilo de pistolagem foi feito pelo ex-soldado Célio Alves de Souza e ex-cabo Hércules Araújo Agostinho.

No caso da morte de Sávio Brandão, em processo desmembrado, Hércules foi condenado a 18 anos em julgamento de 2007. Ele é acusado de participar de outros casos, as mortes de Rivelino Jacques Brunini e Fauser Rachid Jaud, ocorridas em 6 de junho de 2002, e foi condenado a 45 anos e dois meses em 13 de março deste ano.

O motivo da pena foi os dois homicídios duplamente qualificados, formação de quadrilha e uma tentativa de homicídio do pedreiro Gisleno Fernandes, que estava com as duas vítimas. A defesa de Hércules recorreu do processo no Tribunal de Justiça.

Operação e efeitos

Arcanjo comandava até a Operação Arca de Noé o jogo do bicho, uma contravenção, e outros atos classificados pela justiça como ilícitos. O capo mato-grossense ficou foragido após a ação e com prisão decretada. Ele foi preso pela Interpol em abril de 2003 em um vilarejo nos arredores de Montevidéu, Uruguai. Posteriormente extraditado, foi preso no presídio federal de Campo Grande e condenado em outros crimes, como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

A operação foi desencadeada depois de cerca de 1 ano de investigação de um grupo de 25 promotores e 3 procuradores da República, entres eles o atual senador Pedro Taques (PDT). Na ocasião da operação, o governador era o atual vice-prefeito eleito de Rondonópolis, Rogério Salles (PSDB), que assumiu após desincompatibilização do titular, ex-governador e ex-ministro Dante de Oliveira, falecido em 2006, e que em 2002 concorrera ao Senado.

Durante a operação, mandados de busca e apreensão de documentos e prisões foram determinados pela justiça para serem cumpridos em 23 locais, entre eles Cuiabá, Belo Horizonte (MG) e Brasília. No dia da Arca de Noé, 68 policiais federais, agentes da polícia federal, 41 policiais rodoviários federais deram apoio à ação, além do apoio da Justiça Federal e Justiça Estadual.

A reportagem do Olhar Jurídico e Olhar Direto tentou entrar em contato com o advogado Zaid Arbid, da defesa de João Arcanjo, para repercutir com ele o assunto, mas, não foi possível falar com ele. Nos próximos dias, a reportagem continuará os contatos e pedidos de entrevista.


Crimes emblemáticos de que Arcanjo é acusado:

* Empresário Sávio Brandão - 30/9/2002
* Vereador de Várzea Grande e candidato a deputado estadual Valdir Pereira (ex-PPB, PP) - setembro 2002
* Radialista Rivelino Jacques Brunini - 4/6/2002
* Empresário Fauser Rachid Jaude - 4/6/2002
* Sargento PM José Jesus de Freitas e seguranças Fernandes Leite das Neves e Nailton de Sousa - 30/4/2002
* Empresário Mauro Manhoso - 30/10/2000
* Três meninos de cerca de 12 anos - bairro São Mateus, VG

Primeira atualização às 13h21/Segunda às 13h36
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