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Para PRR5, foro privilegiado dificulta combate à corrupção

07 Dez 2012 - 13:06

Assessoria de Comunicação Social/Procuradoria Regional da República da 5.ª Região

O fim do mandato dos atuais prefeitos ressalta um dos entraves para o combate à corrupção no Brasil: o foro privilegiado. No dia 1º de janeiro de 2013, todos os processos criminais contra os gestores municipais que deixarão o cargo este ano passarão a tramitar na primeira instância do Poder Judiciário. A mudança ocasionará demora nos julgamentos, podendo até levar à prescrição dos crimes. A situação preocupa o Ministério Público Federal (MPF), responsável por propor as ações penais que tramitam na Justiça Federal.

Prefeitos, deputados estaduais e secretários de estado, entre outras autoridades, detêm foro privilegiado em ações criminais. Ou seja, eles não são julgados por um juiz, mas por um tribunal. No caso de crimes federais, para os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, os prefeitos são processados criminalmente no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), no Recife (PE). A Procuradoria Regional da República da 5ª Região (PRR5) é o órgão do MPF responsável pela acusação desses gestores, por meio das chamadas ações penais originárias.

Em 2012, a PRR5 ofereceu 52 denúncias criminais contra prefeitos, mas a maioria desses gestores encerrará o mandato em dezembro e, no próximo ano, 36 desses casos deixarão de tramitar no TRF5. Pelo mesmo motivo, permanecerão no tribunal apenas 31 processos de um total de 139 em curso, incluindo denúncias propostas nos últimos cinco anos.

No momento em que os acusados deixam de ser prefeitos, os processos são transferidos para uma das varas da Justiça Federal no estado em que ocorreram as irregularidades. A procuradora regional da República Maria do Socorro Leite de Paiva, chefe da PRR5, ressalta que essa mudança gera uma lentidão que pode levar à prescrição e, consequentemente, à impunidade. “Quando o processo segue para outra instância, começa tudo de novo, e nem todos os atos processuais já realizados são aproveitados. Isso favorece aos acusados porque o tempo corre em favor deles”, explicou.

O procurador regional da República Fábio George Cruz da Nóbrega, coordenador criminal da PRR5, também lamenta a transferência das ações penais de uma instância para outra. “Muitas vezes, quando o processo está pronto para ser julgado, o acusado perde o foro privilegiado, e então todo esse esforço que foi feito pelo TRF5 pra julgar o caso vai ser deslocado pra outro juiz que não conhece aquelas provas, nem aquela instrução, e vai ter que ler tudo de novo pra realizar o julgamento. E se essa pessoa voltar a ser eleita, durante o curso da ação, o processo novamente volta para o tribunal”.

Há também ações criminais que tramitam hoje na primeira instância e passarão a ser julgadas pelo TRF5 a partir de 1º de janeiro de 2013, porque os acusados foram eleitos e, ao assumirem o cargo de prefeito, passarão a ter privilégio de foro. Nesse caso, os membros do MPF que atuam na PRR5 terão que dar andamento a ações com as quais nunca tiveram contato. Para Socorro Paiva, o ideal é que o processo tenha início e fim durante a gestão do prefeito, mas, com os entraves do sistema processual, isso raramente acontece. “A sociedade não vê a punição”, lamenta.

Demora no julgamento - Mesmo sem haver deslocamento dos processos de uma instância para outra, o foro privilegiado, por si só, é prejudicial à celeridade da Justiça, pois a tramitação do processo penal nos tribunais tem um rito muito lento. Quando a denúncia é feita perante um juiz de primeiro grau, ela pode ser recebida até no mesmo dia. No tribunal existe um rito prévio, e é necessário notificar todos os envolvidos pra que eles apresentem defesa preliminar. “Só depois que os acusados se pronunciam o processo pode entrar em pauta para que seja julgado o recebimento. E não é só um juiz que recebe, são 15 desembargadores. Então um recebe, às vezes o outro não recebe, um terceiro pede vistas...”, explica Fábio George.

O fato de as ações penais contra prefeitos de qualquer município da 5ª Região serem julgadas por um único tribunal, localizado no Recife, também gera entraves, pois a coleta das provas não é feita aqui. Frequentemente, o TRF5 precisa enviar carta de ordem pra que as testemunhas sejam ouvidas em outros estados, até mesmo em cidades onde não há Justiça Federal. Nesses casos, o pedido é feito aos juízes estaduais, que têm que dar conta de suas próprias atribuições e não estão subordinados ao TRF5.

O foro privilegiado por prerrogativa de função, da maneira como funciona no Brasil, é algo que não existe nas democracias da Europa Ocidental. Segundo o coordenador criminal da PRR5, nosso país considera que as autoridades não poderiam ser julgadas por um juiz novato, que não tem a devida experiência pra analisar o caso. “É um pressuposto, a meu ver, equivocado, de que essas pessoas mereceriam um olhar mais atento por parte de um tribunal mais experiente, ao contrário das outras pessoas. Isso fere, inclusive, o princípio da isonomia – todos deveriam ser tratados, de acordo com a lei, da mesma forma; todos deveriam ser julgados pela mesma instância”.

Fábio George entende, ainda, que o Mensalão é um caso excepcional que acabou sendo julgado por pressão popular. “Há trezentos e tantos casos no Supremo Tribunal Federal (STF) que vão demorar anos e anos e não terão a mesma solução. Então, o foro privilegiado – como já disseram vários ministros do STF – é uma excrescência que nos trata de maneira desigual e, ao mesmo tempo, não contribui para a efetividade da justiça penal, deixando essa sensação de impunidade".

Em busca da agilidade - Com o objetivo de acelerar o julgamento das ações penais originárias, a PRR5 desenvolveu e implantou, em setembro deste ano, o Sistema de Acompanhamento das Ações Penais Originárias (SAPO5), que permite o controle coordenado e informatizado do andamento dessas ações no TRF5.

A ferramenta informa aos membros do MPF a fase em que se encontra cada processo e quando eles foram movimentados pela última vez, além de emitir um alerta quando a ação fica parada por mais de 30 dias. Dessa forma, os procuradores regionais da República podem tomar medidas para acelerar a tramitação. O fato de a PRR5 ter enviado requerimentos para o tribunal já impulsionou diversos processos que estavam parados.

Socorro Paiva explica que existe uma demora da Polícia Federal para fazer a investigação; do MPF, para oferecer a denúncia; e do tribunal, para julgar o caso. Segundo ela, a PRR5 tenta contribuir para agilizar todas essas etapas. “Para nós, é desestimulante oferecer uma denúncia e ver um réu condenado não cumprir pena porque houve prescrição dos crimes. Queremos tornar mais eficiente a nossa atuação para que o MPF preste à sociedade um serviço cada vez mais eficiente no combate à corrupção”.

Balanço - Um balanço feito pela PRR5, com dados de 2007 até 2012, aponta que, atualmente, 138 denúncias oferecidas ou ratificadas pela PRR5 encontram-se em curso no TRF5. A maioria delas é contra prefeitos, ou ex-prefeitos que hoje são deputados estaduais – e, por isso, mantêm o foro privilegiado. Desse total, 32 envolvem fraudes, dispensa indevida e outras irregularidades em licitações; 22 referem-se a irregularidades relativas ao recolhimento de FGTS ou INSS, bem como fraudes contra esses institutos; 62 tratam de desvio e apropriação ou ausência de prestação de contas de verbas relacionadas a áreas como educação e saúde; 22 correspondem a outros delitos federais, como crimes ambientais, falsidade ideológica e uso de documento falso.

A maioria dos acusados (37) é da Paraíba. Em segundo lugar, vem o Rio Grande do Norte, com 30 processos. Ceará e Pernambuco empatam na próxima posição, com 25 ações, seguidos de Sergipe, com 12, e Alagoas, com 9.

Só em 2012 foram oferecidas 52 denúncias. Desse total, 17 referem-se a irregularidades em licitações; 19 tratam de desvios de recursos públicos, 8 envolvem FGTS ou INSS e outras 8 correspondem a crimes diversos. São 13 casos na Paraíba, 10 no Rio Grande do Norte, 8 no Ceará, 8 em Pernambuco, 7 em Sergipe e 5 em Alagoas.

O TRF5 recebeu três das denúncias oferecidas em 2012; outras quatro já contam com defesa preliminar dos acusados e manifestação do MPF e aguardam inclusão na pauta de julgamento; duas já foram incluídas em pauta e aguardam decisão sobre o recebimento. As demais denúncias ainda aguardam a notificação do denunciado para apresentação de defesa preliminar.

A Procuradoria Regional da República da 5.ª Região (PRR-5) é a unidade do Ministério Público Federal que atua perante o Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF5), a segunda instância do Poder Judiciário Federal para os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
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