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Tráfico de pessoas: MPF já atuou em 1.112 casos desde 2005

13 Dez 2012 - 10:30

Secretaria de Comunicação Social/Procuradoria Geral da República

Tirar da invisibilidade os casos e as vítimas do tráfico de seres humanos tem sido uma prática no Ministério Público Federal (MPF). Entre janeiro de 2005 e julho de 2012, o MPF atuou em pelo menos 1.112 processos judiciais relacionados ao tema, que ganha cada vez mais interesse desde que o Brasil ratificou, em 2004, o Protocolo de Palermo, que trata do crime organizado transnacional, incluído o tráfico de pessoas.

A atuação do MPF ocorre em duas frentes: a repressiva, que consiste na atuação criminal, e a preventiva, que trata do acolhimento às vítimas, da informação, além da ajuda na elaboração de políticas públicas.

Na atuação criminal, os desafios incluem a dificuldade de testemunhos (as vítimas costumam defender os traficantes), a legislação ainda pouco adequada à dogmática internacional, o aspecto transnacional do crime e que exige cooperação internacional, o tratamento dado pelo Estado às vítimas.

Além disso, o tráfico internacional de seres humanos muitas vezes é confundido com o crime de contrabando de imigrantes. Em muitos países, as pessoas traficadas sequer são consideradas vítimas, mas criminosas porque são imigrantes ilegais. No contrabando de imigrante há o transporte para território estrangeiro de forma irregular. No caso de tráfico humano, muitas vezes as vítimas são encaminhadas de forma regular, mas com finalidade diferente, a de superexplorar laboralmente a vítima, de forma indigna e de encontro aos direitos humanos e direitos trabalhistas.

Conceitos diversos - A legislação brasileira atual também traz um conceito de tráfico de pessoa diferente do conceito internacional, apresentado pelo Protocolo de Palermo. O artigo 231 do Código Penal brasileiro foi modificado em 2006 e 2009 para se adequar ao Protocolo, mas ainda assim não se amoldou à convenção internacional, porque considera como tráfico humano apenas aquele para fins de exploração sexual.

Segundo o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – ou Protocolo de Palermo, aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000 –, o tráfico de pessoas é “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.”

Quando se fala em tráfico internacional de seres humanos no Brasil, pelo Código Penal, estamos falando do aliciamento, da promoção de encaminhamento da pessoa para o exterior, para ser essa pessoa submetida à prostituição ou a outras formas de exploração sexual. “O artigo 231 traz em seu bojo o conceito normativo de prostituição ou de exploração sexual como elemento do tipo penal. Por aí se vê como é um pouco complicado, diferentes os conceitos que se utilizam para o enfrentamento repressivo e para os outros eixos, de atenção à vítima”, explica o procurador da República Daniel Resende Salgado, coordenador criminal do Ministério Público Federal em Goiás e representante do MPF no 1º Encontro da Rede Ibero-americana de Ministérios Públicos contra o Tráfico Humano, promovido pela Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP) em setembro.

O tráfico para trabalho escravo em si não é previsto como crime pelo Código Penal. O artigo 206 do código trata do recrutamento de trabalhadores mediante fraude para que sejam encaminhados ao exterior. O tipo penal para trabalho escravo existe, mas não há um tipo penal de tráfico para fins de exploração do trabalhador para submetê-lo a uma condição análoga à de escravo.

A criação de um título próprio denominado “tráfico de pessoas”, especificando como seria caracterizado esse crime para fins penais, poderia ser uma saída para resolver essas fissuras legislativas, a exemplo do que fez a Espanha. Na Espanha, foi criado um título próprio dentro do código penal espanhol, mas, antes disso, o crime de tráfico de pessoa era qualificador do crime de imigração clandestina, ou seja, confirmado o tráfico de pessoa, isso aumentaria a pena do crime de imigração ilegal. Contudo, a imigração clandestina é um crime contra o Estado e o crime de tráfico de pessoa é um crime contra o indivíduo, que tem como objetivo violar determinados direitos consagrados universalmente.

Pacto perverso – Uma das dificuldades no combate ao tráfico de seres humanos é trazer a vítima para o lado do Estado. Geralmente o aliciamento é feito de forma sutil. O aliciador não se vale da violência, mas se aproveita da condição de vulnerabilidade das vítimas, que são pessoas que se encontram em uma situação de ausência de inclusão ou possuem relações sociais e familiares frágeis ou mesmo dificuldades no mercado de trabalho.

Em geral, o perfil de uma vítima de tráfico de pessoas, principalmente para fins de exploração sexual, são mulheres responsáveis pelo sustento dos pais e dos filhos, com baixa escolaridade e baixa inserção no mercado de trabalho, que querem ter retorno financeiro rápido. O traficante então passa a nutrir nessa mulher o sonho de uma vida melhor no estrangeiro. É a partir desse sonho que as redes de tráfico se levantam.

Em um primeiro momento, a pessoa traficada se alia ao traficante porque acredita que terá uma vida melhor graças a esse traficante, o chamado pacto perverso. A vítima então não se vê como vítima porque se acredita corresponsável, porque foi por vontade própria e também é assim que o Estado a vê, como corresponsável.

Por outro lado, a vítima quando já está na fase em que se encontra no exterior e é submetida a todo tipo de superexploração sexual, também resiste a denunciar essa situação. Primeiro por medo, mas também por vergonha por se considerar responsável.

Punição – Por conta desse pacto perverso entre traficante e traficada, os testemunhos das vítimas são apenas parte do que é usado nas investigações desse tipo de crime. O que se tem feito é diversificar as técnicas de investigação para obter provas robustas e consistência no processo de instrução. Pelo Código Penal, a pena em abstrato para esse delito pode chegar a até 12 anos de prisão.

O Ministério Público Federal em Goiás tem tido êxito em condenações de traficantes de pessoas nos últimos anos. De 2004 a 2010, foram realizados 12 grandes trabalhos de repressão ao tráfico de seres humanos. Ao todo, o MPF/GO foi autor de mais de 45 ações penais no estado. Até hoje, mais de 50 pessoas processadas e 33 já foram condenadas, com penas que variaram entre 4 e 14 anos e até agora mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e pelo MPF. O Judiciário também tem sido exemplar na punição e determinado penas superiores se comparadas a outros países.

O combate ao tráfico de pessoas também é realizado em conjunto com a Polícia Federal em Goiás. “Nós tivemos alguns grandes trabalhos que foram desenvolvidos a partir de investigações conjuntas e a partir desse trabalho integrado conseguimos desarticular grandes e médios grupos de traficantes de pessoas”, afirma o procurador Daniel Salgado.

Caso emblemático – Um caso importante de condenação por tráfico de pessoas em Goiás foi o das irmãs Angélica e Adriana Fassini, que aliciavam goianas para se prostituírem na Suíça. O esquema levou pelo menos 19 mulheres, principalmente as de origem humilde das cidades de Anápolis, Goiânia e Trindade, para a prostituição em um bar na Suíça. Em depoimento, uma das vítimas contou que quando chegou a Zurique, a colocaram em um quarto e ela só ficou sabendo o que realmente faria quando outra mulher que trabalhava no bar falou da prostituição. “Eu desabei quando soube o que realmente deveria fazer”, declarou a vítima.

A rotina de prostituição mantida no Help Bar, em Zurique, era de segunda a sexta-feira, das 17h às 2h, e nos fins de semana, das 17h às 4h. A dívida da viagem era só o começo de um endividamento sem fim para as vítimas. Elas precisavam pagar pelo aluguel dos quartos e ainda eram multadas como forma de punição, em caso de desobediência.

Adriana Fassini pegou cinco anos e seis meses de prisão em regime semi-aberto. Angélica Fassini pegou seis anos e três anos de prisão em regime fechado.

Cooperação internacional e acolhimento à vítima - O trabalho de combate ao tráfico internacional de seres humanos também depende da cooperação internacional e a boa notícia é que cada vez mais os países estão preocupados com isso. Um exemplo disso é a Espanha, que sempre foi um país receptor do tráfico e mudou seu código penal para incluir o crime. Outros países também têm tentado adequar suas legislações à legislação internacional que trata do assunto. No Brasil, a preocupação e a atenção para o tráfico de pessoas aumentou e se aprofundou com a ratificação do Protocolo de Palermo.

Entretanto, ainda é preciso avançar no acolhimento e proteção à vítima de tráfico de seres humanos. As legislações, mesmo as internacionais, prevêem punições, mas ainda não incluíram como lidar com essa vítima, como acolhê-las. É nesse sentido que atua a procuradora regional dos Direitos do Cidadão no Ceará, Nilce Cunha. “Quanto mais a gente se familiariza com o assunto, mais ficamos surpresos em pensar que hoje em dia, com um mundo de comunicação tão veloz, o tráfico de pessoas seja um dos mais rentáveis do mundo”, diz a procuradora.

Desde 2003, Nilce Cunha estuda casos de tráfico de pessoas, principalmente de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual. A procuradora participou dos debates para a construção do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e também do II Plano, prestes a ser publicado como decreto pelo Executivo. “O plano não é uma lei, ele apenas estabelece metas, medidas, ações e diretrizes para se trabalhar e é um ganho porque contou com ampla participação da sociedade”, afirma Nilce Cunha.

A procuradora foi uma das primeiras a atuar no combate ao tráfico de mulheres no Brasil. Na década de 90, ela foi a autora da denúncia contra Silvânia Cleide Barros Vasconcelos, que aliciava mulheres no Ceará para levá-las a Israel.

O caso Silvânia é exemplo do modus operandi das organizações criminosas de tráfico de pessoas. Foi do Ceará para Israel, trabalhar em casas de prostituição, em busca de uma vida melhor. Lá, conheceu o marido, um israelense, que era segurança em uma das casas em que trabalhou e a partir daí, Silvânia passou a operar também na rede de tráfico. Ela voltou ao Ceará, onde aliciou três mulheres para trabalharem em casas de prostituição em Israel. Presa em flagrante, a aliciadora acabou por ser condenada a quatro anos de prisão pelo crime em 1998. A repercussão do caso foi determinante para o repatriamento de oito brasileiras que estavam em Israel, vítimas da mesma quadrilha à qual pertencia Silvânia.
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