Enquanto tenta se livrar do júri popular pelo atropelamento que matou o verdureiro Francisco Lúcio Mara, em Cuiabá, no ano de 2018, a médica Leticia Bortolini busca receber indenização do seguro pelos danos materiais que o acidente causou em seu veículo, um Jeep Compass, que colidiu contra o carrinho de verdura conduzido por Francisco.
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Perante a 5ª Vara Cível da capital, Bortolini ajuizou ação de cobrança contra a Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros. Leticia busca indenização por danos materiais e morais decorrentes de um acidente de trânsito com seu veículo segurado.
Ela alega que “se envolveu em um acidente de trânsito na avenida Miguel Sutil, onde teve seu veículo abalroado por um “carrinho de verduras” e, na sequência, sem que fosse percebido pela requerente, houve o óbito de uma pessoa”. Após o acidente, entrou em contato com a seguradora para receber o pagamento da indenização.
A seguradora, porém, se recusa a pagar, alegando que a condutora estava embriagada no momento do sinistro, o que excluiria a cobertura.
Em ordem proferida nesta quinta-feira (24), o juiz define os pontos controvertidos da ação, que incluem a comprovação da embriaguez da motorista, a legalidade da recusa da seguradora e a existência de danos materiais e morais indenizáveis.
Foram deferidas algumas provas documentais solicitadas pela seguradora, enquanto a produção de prova testemunhal requerida pela autora foi indeferida. O requerimento sobre os valores cobrados ainda não recebeu uma decisão.
Na luta contra o júri
Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) marcou a data para julgar o recurso do Ministério Público que pretende submeter a médica ao júri popular pelo atropelamento. O órgão ministerial combate acórdão do Tribunal de Justiça (TJMT) que desclassificou a acusação de homicídio doloso para culposo na ação penal em face da médica. Recurso especial será julgado em sessão virtual entre 30 de abril e 6 de maio.
A médica tem em sua defesa os advogados Gustavo Lisboa Fernandes e Giovane Santin. Em monocrática proferida no final de fevereiro, o ministro relator, Joel Ilan Paciornik, manteve a desclassificação ao examinar se Leticia Bortolini deveria ser submetida ao tribunal do júri.
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE) alegou que Leticia dirigia em alta velocidade após ingerir bebida alcoólica, assumindo o risco de produzir o resultado morte. O MPE recorreu da decisão que desclassificou o crime para homicídio culposo, buscando restabelecer a pronúncia original – sentença que determina a submissão ao júri.
O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), no entanto, manteve a desclassificação, entendendo que não havia provas suficientes para demonstrar o dolo eventual da médica no momento do acidente.
O relator do caso no TJMT, ao analisar o conjunto probatório, adotou as razões da sentença original e do parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, concluindo que a acusação não conseguiu comprovar o estado de embriaguez da acusada, a intenção de provocar o acidente ou a aceitação do risco e a fuga deliberada do local.
O tribunal destacou que, em crimes de trânsito, a combinação de direção de veículo, embriaguez e excesso de velocidade nem sempre configura dolo eventual. É necessário analisar as circunstâncias fáticas do caso para determinar se o agente previu o resultado morte e anuiu com ele.
Analisou ainda as provas apresentadas pela acusação, incluindo depoimentos de testemunhas e laudos periciais. Em relação à embriaguez, a corte apontou incongruências nos relatos do policial militar e divergências entre o depoimento do policial e a conclusão do médico legista, que atestou que a ré não apresentava sinais de embriaguez no momento do exame.
Quanto ao excesso de velocidade, os desembargadores consideraram inadmissível um laudo pericial juntado de forma extemporânea, e observaram que as provas testemunhais eram contraditórias. Ressaltaram ainda que, mesmo que a ré estivesse dirigindo acima da velocidade permitida, isso não seria suficiente para caracterizar o dolo eventual.
A decisão colegiada também considerou a imprudência da vítima, que se encontrava na pista de rolamento no momento do impacto. O tribunal mencionou que o verdureiro contribuiu para o acidente, uma vez que estava tentando colocar seu carrinho de mão no canteiro em uma avenida de alto movimento, fora da faixa de pedestres.
A corte estadual, então concluiu que, embora o acidente tenha sido lamentável, as circunstâncias não demonstram que a acusada agiu com dolo eventual, ou seja, que tenha desejado ou assumido o risco de produzir o resultado morte.
Contra tal ordem do TJMT, o Ministério Público apelou na Corte Superior, tendo recebido ordem negativa de Paciornik em fevereiro, mantendo a desclassificação. Agora, o colegiado da Quinta Turma vai julgar o recurso ministerial para decidir se a médica vai ou não ao júri.