O Ministério Público (MPE) aponta que o assassinato do advogado Renato Nery, ocorrido no ano passado, em Cuiabá, se organizou em quatro núcleos de operação: comando, intermediação, operacional e de obstrução. O modus operandi foi revelado na denúncia oferecida nesta quarta-feira (11) pelo promotor Henrique Pugliei contra os quatro policiais militares da Rotam acusados de forjarem um confronto, em que assassinaram uma pessoa e tentaram contra outras duas, com objetivo de obstruir as investigações sobre o homicídio do advogado: Jorge Rodrigo Martins, Wailson Medeiros Ramos, Wekcerley Benevides e Leandro Cardoso.
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O advogado Renato Nery foi executado a tiros no dia 5 de julho, enquanto chegava em seu escritório na Avenida Fernando Corrêa, capital. A motivação do crime está atrelada a uma disputa de terras em mais de R$ 40 milhões.
Segundo o promotor, o casal mandante do crime, Cesar Sechi e Julinere Goulart, que está preso, integra o “núcleo de comando”, que agiu contrariado pela vitória de Nery na briga judicial pelas terras.
Responsável por estabelecer a ponte entre os mandates e o executor, o agente da Rotam Heron Teixeira Pena Vieira lidera o Núcleo de Intermediação. Foi ele que, segundo a denúncia, negociou valores, repassou ordens e garantiu que as determinações do casal fossem cumpridas. Heron teria atuado junto com terceiros, recebendo a encomenda em dinheiro do homicídio para contratar o executor e proceder com as ações de monitoramento e providenciando os meios materiais, como o esconderijo, a arma e a motocicleta. Foi na sua chácara, em Várzea Grande, que os envolvidos instalaram o “QG” do assassinato.
Contratado por Heron para ser o caseiro da chácara, o civil Alex Roberto de Queiroz Silva integraria o Núcleo Operacional, sendo ele o encarregado por monitorar e efetivar o homicídio, disparando a rajada de tiros 9mm que ceifou a vida de Nery.
Por fim, para escamotear os reais envolvidos na execução e embaraçar as investigações, os quatro militares denunciados integram o núcleo de obstrução. Eles são acusados de serem os responsáveis pela ocultação posterior da arma do crime mediante sua inserção em contexto forjado, e por outras ações destinadas a dificultar as investigações.
Contra o grupo, o promotor imputou os crimes de homicídio consumado, homicídio tentado, organização criminosa, obstrução da justiça, falsidade ideológica, abuso de autoridade e porte ilegal de arma de fogo.
Seis dias após a execução de Nery, em 12 de julho, na Avenida Contorno Leste, capital, os quatro policiais assassinaram Walteir e tentaram contra Pedro e Jhuan, que ficaram feridos. A perícia apontou que a arma usada para matar Nery foi encontrada com as vítimas, o que levantou suspeitas sobre a atuação dos policiais.
O elo crucial entre os casos é que a pistola Glock, calibre 9mm, número de série VPL521, usada no "confronto", foi a mesma arma utilizada no homicídio de Nery, e os disparos contra ele foram efetuados em rajada. Além disso, as munições recolhidas na cena do crime do advogado pertenciam à Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, especificamente ao Batalhão da ROTAM, ao qual os denunciados pertenciam.
Análises forenses de celulares comprovaram a coordenação para a falsificação de depoimentos através de um grupo de WhatsApp "Gol Branco", onde os PMs expressavam preocupação com divergências nas versões e o fato de seus depoimentos estarem sendo filmados.
Áudios de Wailson Ramos ainda revelam uma "naturalização da violência letal" e a crença de que confrontos devem resultar em mortes.
Diante disso, o promotor pediu à 7ª Vara Criminal que decrete a prisão preventiva dos denunciados, justificada pela gravidade dos crimes, o uso do aparato estatal para fins criminosos, e o histórico de reiteração criminosa de dois dos investigados, anteriormente envolvidos na "Operação Simulacrum" – que desbaratou grupo de extermínio composto por militares.
No final do mês passado, o juiz juiz Francisco Ney Gaíva, da 14ª Vara Criminal de Cuiabá, concedeu liberdade provisória aos quatro policiais. Eles foram soltos mediante o cumprimento das seguintes medidas cautelares: apresentação de relatório trimestral das atividades laborais, com escalas de serviço; proibição de manter contato com vítima e testemunhas por qualquer meio; recolhimento domiciliar noturno, das 20h às 6h, e nos dias de folga, salvo por motivo de força maior ou em caso de comprovado trabalho.
Na decisão, o juiz diz que embora os fatos narrados na denúncia sejam graves — inclusive pela suposta participação de agentes públicos no cometimento dos crimes — “não há, nesta fase do processo, qualquer elemento novo ou fato superveniente que demonstre risco atual decorrente da liberdade dos acusados”.
Julinere Goulart confessou à Justiça que mandou matar Nery após seu marido, Cesar Sechi, reclamar incessantemente que o advogado tinha tomado suas terras. Segundo Julinere, ele com frequência intenção de matar o advogado, motivado pela perda da propriedade rural que o casal atribuía a Renato.
A empresária contou que Cesar chegava constantemente em casa embriagado, dizendo que o advogado “teria tomado suas terras” e que precisava ser morto. Ao ser questionada sobre os motivos do crime, Julinere respondeu que sentia raiva de Renato e o culpava pela perda da fazenda.